Os Estados Unidos do Brasil vão completar cem anos.

O
detalhamento do projeto se dá durante as Olimpíadas de 1920, na
Antuérpia-BEL. O COI abraça com entusiasmo a iniciativa de se
promover mais um evento de celebração do esporte e do congraçamento
entre os povos, ainda mais em uma data de importância tão cara ao
Brasil. No entanto, entende-se que, pela magnitude da estrutura
necessária para a realização de um acontecimento desse porte, o
escopo deverá ser restrito ao âmbito continental. Serão Jogos
Latino-Americanos e terão caráter extraoficial, amistoso.
Assim,
lançam-se as bases para a realização dos Jogos Atléticos
Latino-Americanos de 1922, no Rio de Janeiro, envolvendo todas as
modalidades olímpicas.
Entre os
inúmeros requisitos para que leve adiante a coisa, há o principal
deles. O local. A Praça de Esportes.
O
Stadium.
A cidade
dispõe de apenas um equipamento desse porte, o Stadium das
Laranjeiras, recentemente inaugurado (1919), com capacidade para 18
mil espectadores. No entanto, a sede do Fluminense não dispõe de
estrutura suficiente para abrigar todas as modalidades que serão
disputadas no evento. Ademais, parece pequeno diante da demanda
referente à dimensão dos Jogos (basta constatar os registros de
superlotação em jogos de futebol de maior apelo, notadamente os
clássicos locais e partidas da Seleção Brasileira). Dessa forma,
urge a construção de um local maior e mais adequado às
necessidades dos Jogos.
É a
oportunidade que o Flamengo esperava.
O
Flamengo busca, há algum tempo, sanar de forma definitiva a questão
envolvendo um local próprio para sediar suas partidas. Com efeito, é
o único clube da Primeira Divisão que não dispõe de um campo de
sua propriedade. É bem verdade que utiliza, desde 1915, o campo da
Rua Paysandu, mas o terreno não é seu, o contrato de uso é
temporário e o clube não parece reunir condições para adquirir,
junto aos Guinle, o caríssimo terreno localizado em uma área nobre
da cidade. Internamente, sabe-se que, ao final do contrato de
utilização, dificilmente o rubro-negro permanecerá no local.

Um
Stadium de Terra e Mar.
O início
dos preparativos para os Jogos Latino-Americanos se dá em um momento
em que o Flamengo pleiteia, junto ao Governo Federal, a cessão de um
terreno na Praia Vermelha, área julgada adequada para erguer o
Stadium nos moldes desejados pelo clube. Uma outra alternativa é o
derredor da Lagoa Rodrigo de Freitas, mas a região é considerada
distante e demandaria custos excessivos para o transporte de
embarcações para as regatas na Baía de Guanabara.
A demanda
do Flamengo converge de forma perfeita com a necessidade de
construção do Stadium dos Jogos. Conversas são intensificadas,
reuniões com o próprio Presidente da República são levadas
adiante e, após algumas articulações, o Flamengo consegue que o
Congresso Nacional autorize o Poder Executivo a ceder-lhe o tão
cobiçado terreno na Praia Vermelha.


Tudo
parece caminhar bem. Em maio de 1921, é celebrado o Termo de Cessão
por Aforamento de uma área na região da Praia Vermelha, entre a
Urca e a Praia da Saudade, um terreno que fora utilizado para
abrigar, em 1908, uma exposição alusiva à abertura dos portos e,
desmontados os pavilhões provisórios, encontra-se abandonado, sem
uso. Um vasto matagal baldio a beira-mar, próximo à sede do
recém-criado Fluminense Yacht Club (sede náutica do Fluminense FC).
Segundo o termo, o Flamengo assume o direito de tomar posse do
terreno, desde que construa as instalações que entender necessárias
para a realização dos Jogos Atléticos Latino-Americanos, a serem
realizados em setembro de 1922.


Aí
começam os problemas. Após inúmeras e exaustivas idas e vindas,
enfim o Flamengo consegue arrancar da Comissão de Finanças da
Câmara um parecer positivo à concessão de um empréstimo de 1.000
contos de réis, destinado ao custeio das obras relacionadas à
construção do Stadium da Praia Vermelha. No entanto, ao descer ao
Plenário, o projeto se perde em infindáveis e inúmeras discussões,
envolvendo tecnicismos (impossibilidade de custear obras em terrenos
aforados), discussões filosóficas (várias correntes se põem
contrárias à ideia do Governo emprestar dinheiro a uma construção
de interesse público que beneficiará uma instituição privada) ou
mesmo políticas (parlamentares influentes, ligados a outros clubes,
contestam a obra). Além disso, o país não vive um bom momento
econômico. O cenário é de recessão e profunda contenção nos
gastos públicos. Um empréstimo desse vulto poderia receber péssima
repercussão junto aos formadores de opinião.
Como se
não bastasse, os vizinhos do terreno alegam terem sido
negligenciados no processo de cessão. A Faculdade de Medicina, por
exemplo, deseja ampliar suas instalações. O Jóquei Club, detentor
de um terreno ao lado, entende que o Stadium, na forma projetada,
inviabiliza a sua própria existência no local. Um investidor
estrangeiro se queixa que já obtivera autorização para instalar
uma espécie de viveiro de peixes ornamentais no local. As discussões
e queixas são amplas e cansativas, e, principalmente, vão
consumindo tempo. Um tempo precioso.

O fator
tempo, antes delicado, torna-se crítico. Está-se a poucos meses dos
Jogos. O Flamengo desiste do projeto original e, para conseguir ao
menos manter o terreno, apresenta um desenho bem mais simples, para
abrigar apenas os esportes terrestres (futebol, atletismo e quadras).
Mas é tarde. Sem vislumbrar perspectivas de liberação, por parte
do Governo, do capital inicial para a obra, o Comitê começa a
estudar outros terrenos, de execução mais barata. Pensa-se na Lagoa
Rodrigo de Freitas, ou em São Cristóvão. As dificuldades ecoam
fora do país. O COI, que tem prestado consultoria e apoio técnico,
cogita seriamente recomendar que os Jogos sejam transferidos para o
Uruguai.

Assim, na
Sala do Presidente da República (sócio benemérito do Fluminense) e
na presença de personalidades ilustres (vários, entre eles,
conselheiros e membros da diretoria do clube das Laranjeiras), é
assinado o contrato para a realização das obras de reforma e
ampliação do Stadium das Laranjeiras, que se torna, assim, a sede
dos Jogos Atléticos Latino-Americanos de 1922.
E assim,
em setembro, os Jogos são levados a termo. A parte terrestre se dá
nas Laranjeiras, a parte aquática em um piscinão improvisado no
próprio terreno da Praia Vermelha, onde seria construído o Stadium
do Flamengo. O evento é recebido com frieza pela crítica (que
aponta várias falhas de organização), mas é um sucesso absoluto
de público.
O
rubro-negro, sem terreno e sem Stadium, retorna ao estágio inicial
de sua demanda pelo local próprio. No entanto, ao menos conseguirá,
não sem estridente barulho de sua diretoria, nova cessão, por parte
da Prefeitura, de um terreno às franjas da Lagoa Rodrigo de Freitas.
“Um brejo, um barrão”, segundo alguns detratores.
Mal sabem
que o tal brejo, mais do que simples sede, irá se mescolar de forma
indelével às coisas rubro-negras.
Será a
Gávea do Flamengo.