Quero ganhar o Estadual.
Simples
assim, sem rodeios, firulas, eufemismos e outras relativizações
intrínsecas a esses tempos politicamente corretos.
Quero
ganhar o Estadual. Assim, seco.
Não me
tomem por saudosista. Sei perfeitamente que o Estadual se tornou um
arremedo, uma caricatura, um rabisco daquilo que um dia foi o “mais
charmoso” campeonato do país, um torneio capaz de promover jogos
com públicos beirando as 200 mil pessoas no Maracanã. Um evento
que, em priscas eras, era capaz de aferir qual a melhor equipe do
país. Em que desfilaram praticamente todos os maiores craques da
história do nosso futebol. Mas que hoje não passa de um amontoado
melancólico de mortos-vivos que arrastam sua pusilânime decadência
em fétidos e estropiados alçapões de bairro, buscando sugar, qual
dragas, a energia vital de instituições com a pujança do Flamengo.
Mesmo
assim, quero ganhar o Estadual.
Não é
pelo peso. Sempre é bom reiterar, o Estadual se tornou uma
competição menor, um catado de segundo ou terceiro nível, algo
mais que uma pré-temporada que vale taça. Um campeonato que se
reveste de um desfile bocejante de jogos inexpressivos até o seu
“sensacional” clímax, composto de três ou quatro partidas que
teoricamente merecem mais atenção. Sem carisma, sem força, sem
alegria. E expira, sem deixar saudades.
Certo, o
Estadual não tem mais graça. Só que eu quero ganhar.
Há a
Libertadores, competição cuja cobiça por uma conquista flamenga
começa, num processo de gestação, a ganhar ares de obsessão,
ideia fixa. Menos mal e que bom se for assim. Porque títulos
nacionais, continentais e mundiais devem ser mesmo o alvo de uma
instituição que não se cabe apenas em uma cidade, um estado. No
entanto, o Flamengo nunca se houve muito hábil nessas coisas de
conciliar a Libertadores com outros campeonatos. Seja na escalação
improvisada de 2007 em Montevideo (poupando jogadores para a Final do
Estadual), seja no relaxamento após o Bi de 2008 (que redundou no
Cabañas), seja na venda de Zico (1983) e Júnior (1984) durante a
disputa da competição sul-americana, seja na ostensiva priorização
ao Estadual de 2014, contrariando o discurso dos dirigentes para
consumo externo. O Flamengo não convive muito bem com isso de jogar
a Libertadores com o Estadual. Costuma dar problema.
Claro que
eu quero avançar na Libertadores, e disputá-la pra ganhar, e
ganhar. Mas quero o Estadual.
Há a
questão política, que costuma se revestir de ares enjoativos. Com
efeito, o Flamengo briga com FERJ, FCF, LMDT, LMSA, seja lá qual o
nome que se dê à Federação, desde que a bola ainda tinha biqueira
e era chutada por botinas de chanca. Essa disputa atual entre
Flamengo e Federação é mais um capítulo de uma história de
rosnados e tropicões, que já teve como plano de fundo os direitos
de TV, a cessão de jogadores à Seleção, vetos a árbitros, fim do
amadorismo, dentre os mais diversos motivos. O Flamengo é, sempre
foi e sempre será um clube contestador e altivo. Por mais messiânica
que seja a abordagem da briga atual, trata-se de apenas mais um
choque de interesses que, em algum momento, terá alguma espécie de
desfecho, mesmo que protelatório. Não que não seja “o bom
combate”. O clube deve, sim, brigar pelo que lhe apraz, buscar
libertar-se de amarras anacrônicas. E sempre terá o nosso apoio.
Nesse
contexto, há o principal produto da FERJ, o Estadual. E, mesmo sob
risco de valorização, quero ganhá-lo.
Mas,
afinal, se o Estadual não tem mais carisma, é um campeonato menor,
atrapalha a Libertadores e sua desvalorização enfraquece um
importante antagonista, por que raios essa vontade de conquista? Por
que eu quero, então, vencê-lo?
Pelo mais
prosaico, pelo mais primitivo, pelo mais basilar dos motivos.
Quando
sentamos em uma arquibancada, ou nos reunimos com os amigos no bar,
diante do telão, ou nos encastelamos em nossos sofás, e do outro
lado dos nossos olhos está o Flamengo, tudo se subsume a um jogo de
bola. De um lado, de vermelho e preto, estão nossos heróis, nossos
favoritos, nossos ídolos, o nosso Flamengo. Do outro, está o
inimigo, o vilão, o “underdog”. Personagens prontos a
desenvolver, durante noventa minutos, um enredo cujo final se
pretende feliz. É algo que transcende à racionalização ou à
busca de contextos ou pílulas douradas. O time de vermelho e preto
tem que fazer mais gols que o outro. Isso acontecendo, ficamos
felizes. Do contrário, haverá desapontamento.
É disso
que vive o futebol.
Não
consigo ficar indiferente à presença do Flamengo em campo. Na
verdade, sequer tento. Torcer pelo Flamengo, durante uma partida de
futebol, é rebentar os poros, é entregar-se em essência, é sentir
a balbúrdia nas entranhas, é transferir a existência ao limite das
quatro linhas gramadas, até o redentor apito final, quando, exangue,
suspiro o fim da lida, entregue ao prazer consumado de mais uma
vitória.
A
vitória, amigos. A vitória inebria a mente e o corpo. A vitória...
A vitória vicia.
Quando o
onze flamengo alinha, e não me interessa se está representado por
titulares, reservas ou paus de vassoura, enfim, quando o Flamengo
entra em campo, erige-se uma e uma só expectativa, a de que o
Flamengo exercerá sua ancestral condição de superioridade, de time
que já nasceu grande, do mais cotado, do mais querido, do mocinho da
história, e subjugará o oponente. Sairá de campo indene,
altaneiro. E vencedor. Independente do adversário, da competição,
do campo, da fase da lua.
Ganhar
jogos de futebol e taças é, para o Flamengo, uma necessidade
orgânica, física. Não existe, no Flamengo, convivência harmônica
com o revés, com a mediocridade, com a derrota, com a relativização.
Vencer, vencer, vencer. Está no nosso hino. Está na nossa história.
Na nossa vida.
Donde,
não me interessa como. De que forma vai encaixar time, quem vai
escalar, quem vai deixar fora. Não sou dirigente (temos sido muito
“dirigentes” ultimamente, isso cansa). Sou torcedor. Como
torcedor, quero ver vitórias. Conquistas. Taças. O Flamengo irá
disputar três, quatro taças no semestre, no ano? Quero todas. Quero
ser Campeão Brasileiro, Sul-Americano, Mundial.
E
Estadual.
Porque é
disso que nos alimentamos. De bola na rede. De gols. De vitórias.
Boa
semana a todos.