Enfim, fazendo o certo.
Ao menos
esse é o julgamento da crônica e de parte da torcida, ao avaliar a
política de contratações do Flamengo para a temporada. Após um
ano em que o treinador Paulo Autuori “tirou leite de pedra”,
extraindo de um conjunto limitado um desempenho capaz de fazê-lo
ombrear com os melhores times do país, enfim o rubro-negro aporta
com reforços capazes de dar ao qualificado comandante opções para
a montagem de uma grande equipe.
No
entanto, ao invés de contratações festivas, midiáticas e pouco
produtivas, dessa vez a diretoria acerta ao reforçar posições
carentes e, com isso, construir um conjunto, um “onze” homogêneo
como um todo, ao invés de um time onde coabitam jogadores estelares
e medíocres.

Dessa
forma, com a venda de Sávio, o Flamengo traz Zé Roberto, Rodrigo e
a estrela Romário, três jogadores da Seleção Brasileira de
Zagallo (dois deles titulares).
Não para
aí. O rubro-negro traz o meia Palhinha (ex-São Paulo e Cruzeiro) e
o volante/meia Cleisson, destaque no Cruzeiro Campeão da Copa do
Brasil/96 e da Libertadores/97. Além disso, busca no Atlético-PR o
lateral-direito Alberto, tido como um dos mais promissores do país.
Os
reforços se juntam a um elenco com boas peças. O zagueiro Júnior
Baiano, um dos melhores do Brasileiro que acaba de terminar, é
titular absoluto da Seleção Brasileira e vive, talvez, o auge de
sua carreira. O talentoso lateral-esquerdo Athirson, após início
conturbado em que conviveu com uma estranha lesão, parece enfim ter
se firmado. No gol está Clemer, um dos melhores arqueiros do país.
Na quarta-zaga, dois jovens irão brigar pela posição, os elogiados
Luís Alberto e Juan.
E há os
reservas. O irrequieto atacante Lúcio, o habilidoso meia Iranildo
(que disputou bom Brasileiro), o aplicado lateral Fábio Baiano, os
raçudos volantes Maurinho e Jorginho e ainda o veterano Renato
Gaúcho, que, embora não reúna condições de atuar em todos os
jogos, ainda é capaz de qualificar o ataque em momentos esporádicos.
Enfim, o
Flamengo de 1998 acena com um perfil completamente distinto da equipe
aguerrida mas inexperiente que viveu do “quase” na temporada
anterior, um time de garotos que viveu bons momentos, encarnou muitas
vezes o espírito rubro-negro, mas esbarrou nas suas próprias
limitações técnicas e psicológicas.

Clemer,
Fábio Baiano (Alberto), Júnior Baiano, Luís Alberto (Juan),
Athirson; Jamir; Cleisson, Zé Roberto; Palhinha, Romário e Rodrigo.
Este é o time-base com que Autuori inicia a temporada, montado numa
espécie de 4.1.2.3, com Jamir à frente da primeira linha da defesa
e Palhinha e Rodrigo atuando pelos lados do campo, mais adiantados
(mas com funções defensivas), para acionar Romário. É um esquema
ousado, que exigirá bastante aplicação tática dos jogadores.
Início
da pré-temporada, na Granja Comary, em Teresópolis. A imprensa,
sempre criativa, repercute, “Aqui não está treinando a Seleção
de Zagallo, mas há a Seleção de Autuori”. O treinador dá seu
primeiro coletivo. Grita, orienta, paralisa a atividade por vários
momentos, cobrando o melhor posicionamento dos atletas. Romário é
um destaque à parte. Dá passes de letra, de ombro. Em um dado
momento, recebe um lançamento e apara de peito para um companheiro.
No ato, acena para o amigo Renato Gaúcho, que está na beira do
campo realizando atividade física em separado: “hoje eu estou
demais, peixe!”. É repreendido por Autuori. “vamos nos
concentrar, é hora de seriedade.”
Vários
se entreolham. O ano promete.
* * *
Zanata,
Vítor Hugo, Fernando, Nelsinho, Bobô e Renato Gaúcho.
Do time
campeão da Copa do Brasil, nada menos que SEIS titulares não
permanecem para a temporada seguinte. Mais de meio time, entre eles o
craque, ídolo e principal jogador. Além disso, a diretoria, que
acaba de assumir o Flamengo, avisa que dificilmente conseguirá repor
todas as perdas.
O cenário
é sombrio.

Não será
fácil. É verdade que há uma safra talentosa de jogadores da base,
que tem sido utilizada eventualmente nos profissionais desde 1988.
Nomes como Júnior Baiano, Rogério, Fabinho, Piá, Nélio,
Djalminha, Marcelinho e Paulo Nunes, vários dos quais lograram
conquistar, de forma inédita, o titulo da Copa SP. No entanto, a
avaliação interna converge para a conclusão de que a conquista em
gramados paulistas terá atrapalhado a evolução de alguns jovens,
que teriam apresentado sinais de “deslumbramento” e “sapato
alto”.

Mas há
as limitações do elenco, que apenas a qualidade de Júnior e o
talento dos garotos não será capaz de suprir. Há alguns bons
jogadores, como Zé Carlos (que anda gordo e levando frangos),
Uidemar, Zinho, Ailton e o surpreendente centroavante Gaúcho (que
ignorou a “maldição da 9” e atravessou o ano fazendo gols,
recebendo como prêmio a sua contratação em definitivo). Mas é
necessário, imperioso, crucial, contratar reforços, até porque o
Campeonato Brasileiro está às portas.
Luisinho
(volante titular do Botafogo), Carlos Alberto Dias, Nei (zagueiro
titular do Bragantino) e inclusive Bebeto (em baixa no Vasco) são
especulados. Mas, sem dinheiro, o Flamengo sequer esboça algo
concreto para a contratação de jogadores desse nível. A primeira
movimentação do clube no mercado acaba por se tornar a mais
controversa.
O
lateral/meia Leonardo, que estava emprestado ao São Paulo, é
negociado em definitivo com o clube paulista. Em troca, além do
pagamento de US$ 200 mil, chegam em definitivo o goleiro Gilmar e o
zagueiro Adilson. E, emprestado por doze meses, o jovem meia Paulo
César. A transação recebe críticas da imprensa e transtorna parte
da torcida. Trata-se de trocar Leonardo, titular absoluto e destaque
da equipe de Telê Santana, por três de seus RESERVAS, numa operação
praticamente sem custos para o tricolor paulista. Começa mal o
Flamengo.
Depois,
chegam o meia Toninho (Portuguesa), o volante Charles (Guarani) e o
decadente lateral-esquerdo Dida (Palmeiras). Nenhum deles é capaz de
causar o mínimo entusiasmo. Luxemburgo, preocupado com a péssima
repercussão da montagem do elenco, avisa: “teremos trabalho, mas
vamos montar um time competitivo.”
Avalia-se
que o treinador acerta em cheio na primeira metade da frase. Porque
trabalho, muito trabalho, um trabalho insano, será necessário para
fazer desse amontoado flamengo um time minimamente digno. Os mais
alarmistas receiam inclusive o pior, lembrando-se que o Fluminense,
com um elenco tido como superior, por pouco não fora rebaixado em
1990.
Zé
Carlos, Ailton, Adilson, Rogério, Piá; Uidemar (Charles), Júnior,
Toninho (Paulo César), Marcelinho; Gaúcho, Zinho
Muitos
suspiram. O ano promete.
* * *

