Começa como uma brisa.
Um
sussurro que venta percebido apenas por ouvidos mais sensíveis. Mas
que, de modo suave posto que firme, sem pedir licença, vai escoando
por todo o estádio, ganhando corpo, forma, espessura. Até rebentar
em grossos rolos, num coro de vozes, uma corredeira uivante, que
troa, corta, fere e explode, imparável, implacável, inexorável.
A vaia.
Não há
meio-termo para a vaia. Não há relativização. Não há “veja
bem” para a vaia. A vaia resume-se estritamente à sua essência. A
vaia, desde que espontânea, é a manifestação de desagrado. De
reprovação. De desassossego. Vaia-se o que não se está gostando.
O que tá errado, desconexo. Ponto. Sem entretantos ou todavias.
Por isso
a vaia educa. Abre caminhos. Escancara portas entreabertas por
análises, racionalismos, reducionismos, ponderações. A vaia manda
à vala as dissertações, as discussões. A vaia crava a placa.
“Esse não presta”. Assim, cru, seco. Sem tempero.

Dizem que
a vaia atrapalha. Não deixa de ser, por vezes. Há momentos em que a
vaia se torna emocional, sanguínea, catártica, o que pode fazer
soçobrar mentes mais sensíveis. Com efeito, eventualmente não soa
inteligente comer o time na vaia durante o calor da luta, do embate.
Ânimos podem se exaltar, nervos irem pro espaço e o resultado
jamais ser recuperado. No entanto, é difícil criar regras para a
vaia. A vaia não segue um roteiro. Ela apenas surge.
Ocorre
que mesmo a vaia coletiva tem lá seus efeitos terapêuticos. Um dia
o estrelado Flamengo de Zico, Júnior, Adílio e tal, Campeão
Brasileiro, jogava contra o modesto Uberaba, no Maracanã. Joguinho
de noite, estádio gelado, cara de vitória preguiçosa. Mas o time
exagerou na lassidão. Deixou-se levar 0-2 em meio tempo. Não viu a
cor da bola. No intervalo, todos, rigorosamente todos, e quando se
fala todos é todos mesmo, foram vaiados. Não sobrou um. Foi coisa
de envergonhar o mais cínico dos bêbados. Na volta, mastigando a
bola, o Flamengo com 25 minutos já tava 4-2. Aí a vaia virou palma.
Sem a vaia, não aconteceria.

A vaia
acorda jogadores dormentes, a vaia indica jogadores incapazes, a vaia
aponta para jogadores com atitude equivocada. Quando o sujeito recebe
a graça e o dom de ser contemplado com uma vaia limpa, novinha,
tilintando, só pra ele, seguramente estará enquadrado em um desses
três casos. E aí, bem, e aí é melhor procurar o caminho da
estrada, e de preferência logo. Porque insistir será insensato. A
fissura estará inapelavelmente criada. E virará fosso. E semeará
um câncer que se alastrará para todo o time.

Domingo
passado houve vaia no Maracanã. Que se tenha a humildade de ouvi-la.
Boa
semana a todos.