quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Alfarrábios do Melo

Saudações flamengas a todos,
Penso que as passagens abaixo merecem discussão e reflexão.

1982
O Flamengo mantém praticamente todo o elenco campeão mundial. Sai Baroninho, devolvido ao Palmeiras após empréstimo, chegam os atacantes Popéia (falso-ponta) e Reinaldo (centroavante). Com esse plantel, o rubro-negro, em uma trajetória irrepreensível, conquista o Bicampeonato Brasileiro no primeiro semestre.
Para a sequência da temporada é necessário reforçar, uma vez que a ideia é disputar e vencer a Libertadores e o Estadual. Chegam os pontas Wilsinho (Vasco) e Zezé (Fluminense), além do desengonçado e goleador centroavante Jasson, aposta do Nacional-AM.
O planejamento é preciso. Vencer a Taça Guanabara e usar um time misto no returno, quando começa a disputa da Libertadores (o Flamengo, como o atual campeão, entra na Fase Semifinal).
A primeira parte dá certo. Apesar de já começar a demonstrar sinais de desgaste, o time brilha nos clássicos contra Fluminense e Botafogo (3-0 em ambos) e, em um sensacional jogo-extra, derrota o Vasco (1-0, gol aos 44' do segundo tempo) e ganha a Taça Guanabara.
No entanto, com Raul lesionado, Nunes sem recuperar rendimento após cirurgia no joelho, jogadores incomodados com a reserva e alguns titulares cansados e desmotivados, o Flamengo cai sensivelmente de produção. Na Libertadores, realiza apenas uma boa partida, os 3-0 contra o River Plate no Monumental de Nuñez, mas é eliminado por um Peñarol mais organizado e determinado.
Os jogadores contratados para rodar o elenco não funcionam, são criticados e, com exceção de Wilsinho, acabam encostados. No final da temporada, um time abatido pela perda da Libertadores e corroído por sucessivas crises de relacionamento acaba também perdendo o Estadual.
A sensação, ao final do ano, é que, ao contrário da temporada anterior, tentar conciliar as duas competições para vencer ambas revelou-se um desastre.
Esse pensamento deixará marcas. No ano seguinte, a Libertadores, após o primeiro mau resultado, será deixada de lado para o clube se dedicar ao Brasileiro, que conquistará pela terceira vez.
Carpegiani: revelou-se inventivo, talentoso, mas de temperamento difícil e com dificuldades de relacionamento. Tentou, mas não soube barrar jogadores com rendimento ruim. Terminou o ano com o elenco rachado. Equivocou-se na indicação de jogadores como Popéia e Wilsinho (preteriu o ponta Alzamendi, destaque no River Plate e titular da Seleção Uruguaia, resolvendo apostar no irregular jogador vascaíno). Mesmo assim, foi mantido para 1983, o que se revelou um grave erro da diretoria.

1988
A ideia é preservar e realizar pequenos ajustes no elenco Campeão Brasileiro. Do time titular, apenas Edinho, que tenta cavar uma transferência para o Palmeiras, causa algum ruído, mas a diretoria endurece e o jogador é mantido no elenco, mesmo a contragosto.
Os reforços são basicamente apostas. Da Bahia, chega o jovem meia Luís Henrique, que irá disputar a reserva imediata de Zico com o irrequieto pernambucano Henágio.
Carlinhos mantém a mesma formação que conquistou o tetra. Apesar de perder Zico, abatido a patadas por Mauro Galvão no empate com o Botafogo, o Flamengo, embalado pelo futebol luxuriante de Renato Gaúcho, pela sofisticada regularidade de Andrade e pelos gols de Bebeto, conquista a Taça Guanabara. No entanto, Renato é caçado pelos zagueiros do América no início da Taça Rio e arrebenta o joelho.
Sem Renato e Zico, o time emperra. Vem a Supercopa, e a sequência de jogos cansa o elenco, cujos reservas não se mostram à altura do time principal. A falta de um nome consistente como opção à Camisa 10 cobra seu preço. Henágio se entrega à indisciplina e Luís Henrique, que vinha crescendo, é erradamente envolvido em um incidente relacionado a porte de drogas e desaba emocionalmente. Leandro, com os joelhos erodidos por uma séria doença congênita, já demonstra não reunir condições para atuar profissionalmente em alto nível.
São problemas que Carlinhos não consegue administrar. O futebol da equipe cai sensivelmente de rendimento, e nem mesmo o retorno de Zico e Renato (este já seduzido pelos dólares da Roma, a quem já está praticamente vendido) é capaz de salvar a temporada. O time é categoricamente eliminado na Supercopa e, já caindo aos pedaços e incapaz de render, perde o Estadual.
Ao final do semestre, Carlinhos é demitido e a diretoria aponta para a necessidade de uma renovação completa do elenco. Ideia que durará pouco.

1993
Os problemas do time Pentacampeão Brasileiro já haviam começado a aparecer no segundo semestre do ano anterior. Zinho fora vendido ao Palmeiras para fazer caixa. Nélio, um dos motores do time, voltara após cirurgia no joelho, sem apresentar o mesmo jogo. Gaúcho passara a ter sua sensível queda de rendimento associada a supostos exageros na noite carioca. Júnior Baiano e Rogério, em guerra aberta por uma posição na zaga, perturbavam a calma do elenco. Júnior, o Maestro, demonstrava irritação com os recorrentes problemas de atrasos nos salários. Com isso, o Flamengo não realizou um bom Estadual (o que foi agravado pelo fechamento do Maracanã, em obras após o acidente na Final do Brasileiro) e acabou eliminado da Supercopa nas Semifinais.
Para 1993, a nova diretoria mantém Carlinhos a contragosto. Reforça o time com medalhões. Chegam Renato Gaúcho (vindo de fantástica temporada no Cruzeiro), Nilson (para disputar posição com Gaúcho) e Andrei (zagueiro de chute forte, destaque nas Seleções de base). A chegada de jogadores caros irrita o elenco, que ainda convive com os problemas financeiros do clube.
Carlinhos tenta conciliar os conflitos por posições de uma forma extravagante. Inventa um esquema de três zagueiros para acomodar Jr Baiano e Rogério ao lado de W.Gotardo. Testa um ataque com Gaúcho e Nilson atuando juntos.
O planejamento para o primeiro semestre consiste em escalar um time misto no Estadual (usando os jovens da ótima base, como Marcelinho, Djalminha, entre outros) e priorizando a Libertadores e a Copa do Brasil. Mas, após uma derrota dos titulares no Maracanã para o América de Cali e uma péssima atuação dos reservas em um empate contra o América pela Taça GB, a diretoria ordena Carlinhos a escalar a força máxima em todos os jogos.
Com isso, os titulares terão que atuar em Natal, contra o América local numa noite de sexta-feira e, MENOS DE DOIS dias depois, encarar, numa escaldante tarde de domingo, o Entrerriense na Gávea, sem iluminação. Evidentemente, o time se arrasta em campo, empata com os potiguares e vence com dificuldade o lanterna do Estadual, o que sela a demissão de Carlinhos.
Com um elenco arrebentado e sem receber em dia, o Flamengo não vai longe. Cai nas Semifinais da Copa do Brasil, nas Quartas da Libertadores e sequer chega às Finais do Estadual.
Para o segundo semestre, em que terá que conciliar o Brasileiro com a Supercopa, a diretoria repete a fórmula: treinador novo, medalhões e mesmo time para as duas competições. O resultado, apesar da qualidade do elenco, é o mesmo. Time estourado e nada de taça.

2010
Após a conquista do Brasileiro, a nova diretoria, cautelosa, decide manter a estrutura do futebol. Mas o elenco é bastante alterado. Após árdua negociação, os contratos do treinador Andrade e do zagueiro Ronaldo Angelim são renovados, mas peças importantes do time são negociadas, casos de Everton, Zé Roberto e Aírton. Como reposição, chegam o medíocre volante Fernando (irmão de Carlos Alberto) e jogadores de retorno duvidoso, como Michael, Ramón e Rodrigo Alvim. Mas o principal nome do pacote de reforços é o do atacante Vagner Love, repassado pelo Palmeiras (com quem está em litígio) para cumprir o restante do empréstimo junto ao CSKA Moscou.
As alterações desfiguram a equipe campeã, tornando-a bem menos qualificada. Para complicar, Adriano parece desmotivado, engorda e já não faz a diferença. Petkovic já começa a criar caso com o restante do elenco. Álvaro, R.Angelim e Maldonado vivem às voltas com lesões, e os irregulares David Braz e Toró não são capazes de manter o nível. Nenhum dos reforços “de apoio” apresenta condições de envergar a camisa do Flamengo, o que acaba criando a necessidade de aproveitar peças já testadas em outros momentos, como Bruno Mezenga e Vinicius Pacheco (que, após um brilho fugaz, ganha uma gorda renovação contratual).
Apenas Vagner Love, animado com a experiência de atuar pelo clube de coração, leva a sério a passagem pela Gávea e responde com gols, dedicação e bom futebol. Mas Andrade não consegue encaixá-lo com Adriano em um time equilibrado defensivamente. O Flamengo de 2010 marca e sofre muitos gols. Com isso, é prematuramente eliminado do Estadual e somente sobrevive na Libertadores graças a uma improvável combinação de resultados. Andrade não resiste e cai. Seu auxiliar, Rogério Lourenço, consegue resgatar parte do espírito competitivo do ano anterior, o que é suficiente apenas para o rubro-negro avançar até as Quartas-de-Final da Libertadores.
A sequência da temporada irá se revelar desastrosa, em que um time, sem referência, devastado por escândalos diversos e completamente sem rumo, por pouco não amargará um inédito rebaixamento à Série B, salvando-se apenas na penúltima rodada, novamente graças a uma improvável combinação de resultados.

2014
Com a precoce classificação para a Libertadores, a ideia é reforçar o elenco para a competição continental. Para tal, o planejamento original consiste no uso de times “B” e “C” para a disputa das fases iniciais do Estadual, enquanto a formação principal é preservada para clássicos e Libertadores.
O time titular Campeão da Copa do Brasil é fundamentalmente mantido, mas perde sua principal peça, o volante Elias, cuja contratação se arrasta em uma demorada e tensa negociação com o Sporting que terá como desfecho a ida do jogador para o Corinthians.
Chegam os experientes Elano e Alecsandro, o jovem Feijão, o meia Everton retorna ao clube após boa passagem pelo Atlético-PR e, do clube paranaense, também vem o lateral Léo, revelação da temporada anterior. Do exterior, o Flamengo traz o zagueiro Erazo, titular da Seleção Equatoriana, e o jovem meia Lucas Mugni, tido como “joia” do Newell's Old Boys. Para o lugar de Elias, o treinador Jaime de Almeida resolve apostar no volante Muralha, destaque na conquista da Copa São Paulo de 2011.
O planejamento revela-se adequado para o Estadual. Fora um ou outro percalço (como uma derrota contundente num Fla-Flu), o Flamengo navega tranquilamente sem ser incomodado, empilhando goleadas e atuações razoáveis, e chega sem dificuldades às fases finais da competição.
No entanto, o panorama demonstra-se radicalmente distinto na Libertadores. O time não realiza uma exibição minimamente digna nos primeiros jogos. Escapa de ser goleado na estreia contra o León (em partida onde um erro de arbitragem encobriu a medíocre atuação da equipe), vence o Emelec no Maracanã em um 3-1 enganoso, e cede um 2-2 ao Bolívar num Maracanã com 45 mil, em jogo onde por pouco não é derrotado. Em La Paz, luta mas cai diante dos bolivianos, tornando quase insustentável sua situação. Mostra brio e, enfim, competitividade em Guayaquil e, no seu melhor jogo do semestre, derrota o Emelec (2-1), mas sucumbe diante da superioridade técnica e tática do León, caindo derrotado e eliminado no Maracanã (2-3).
Dos reforços, apenas Everton responde com um futebol razoável, embora sujeito a lesões. Alecsandro aproveita-se da péssima fase de Hernane (que anda descontente com o salário e cai de rendimento) e ameaça a vaga de titular. Erazo é lançado “na fogueira” e sucumbe com falhas graves, sendo logo encostado. Elano já não mostra condições de atuar em ritmo forte. E os demais mostram pouco futebol.
Na reta final do semestre algumas escolhas acabam sinalizando para a priorização do Estadual. Léo Moura lesiona-se em um jogo contra o Botafogo e perde o jogo seguinte, contra o Bolívar. Hernane, usado numa partida Semifinal contra a Cabofriense (em que o Flamengo somente perderia a vaga caso perdesse por quatro gols), sofre séria lesão nas costas e está fora da Libertadores.
A ausência de Elias e a absoluta desmotivação do meia Carlos Eduardo também se mostram obstáculos com que Jaime demonstra pouca capacidade para lidar. Muralha simplesmente não funciona e seu reserva, o jovem Recife, ainda é muito verde. Às pressas, a diretoria contrata o volante Márcio Araújo, que somente poderá ser utilizado no Estadual, em função do encerramento do prazo para as inscrições na Libertadores.
A eliminação da competição continental faz rebentar uma crise que por pouco não resulta na perda do Estadual. Após duas atuações sofríveis nas Finais, o Flamengo consegue segurar dois empates contra o Vasco, o último deles graças a um gol irregular, marcado nos acréscimos, ironicamente por Márcio Araújo, o jogador que chegara para cobrir a mais séria deficiência na formação do elenco para 2014.

No entanto, nem mesmo a conquista do Estadual arrefece os ânimos. A crise e a avaliação negativa do semestre tragará Jaime e criará um profundo racha no elenco, cujos desdobramentos afundarão o time às últimas posições do Brasileiro, situação da qual somente se recuperará após a Copa do Mundo.

Boa semana,