Saudações
flamengas a todos,
Penso que
as passagens abaixo merecem discussão e reflexão.
1982
O
Flamengo mantém praticamente todo o elenco campeão mundial. Sai
Baroninho, devolvido ao Palmeiras após empréstimo, chegam os
atacantes Popéia (falso-ponta) e Reinaldo (centroavante). Com esse
plantel, o rubro-negro, em uma trajetória irrepreensível, conquista
o Bicampeonato Brasileiro no primeiro semestre.
Para a
sequência da temporada é necessário reforçar, uma vez que a ideia
é disputar e vencer a Libertadores e o Estadual. Chegam os pontas
Wilsinho (Vasco) e Zezé (Fluminense), além do desengonçado e
goleador centroavante Jasson, aposta do Nacional-AM.
O
planejamento é preciso. Vencer a Taça Guanabara e usar um time
misto no returno, quando começa a disputa da Libertadores (o
Flamengo, como o atual campeão, entra na Fase Semifinal).
A
primeira parte dá certo. Apesar de já começar a demonstrar sinais
de desgaste, o time brilha nos clássicos contra Fluminense e
Botafogo (3-0 em ambos) e, em um sensacional jogo-extra, derrota o
Vasco (1-0, gol aos 44' do segundo tempo) e ganha a Taça Guanabara.
No
entanto, com Raul lesionado, Nunes sem recuperar rendimento após
cirurgia no joelho, jogadores incomodados com a reserva e alguns
titulares cansados e desmotivados, o Flamengo cai sensivelmente de
produção. Na Libertadores, realiza apenas uma boa partida, os 3-0
contra o River Plate no Monumental de Nuñez, mas é eliminado por um
Peñarol mais organizado e determinado.
Os
jogadores contratados para rodar o elenco não funcionam, são
criticados e, com exceção de Wilsinho, acabam encostados. No final
da temporada, um time abatido pela perda da Libertadores e corroído
por sucessivas crises de relacionamento acaba também perdendo o
Estadual.
A
sensação, ao final do ano, é que, ao contrário da temporada
anterior, tentar conciliar as duas competições para vencer ambas
revelou-se um desastre.
Esse
pensamento deixará marcas. No ano seguinte, a Libertadores, após o
primeiro mau resultado, será deixada de lado para o clube se dedicar
ao Brasileiro, que conquistará pela terceira vez.
Carpegiani:
revelou-se inventivo, talentoso, mas de temperamento difícil e com
dificuldades de relacionamento. Tentou, mas não soube barrar
jogadores com rendimento ruim. Terminou o ano com o elenco rachado.
Equivocou-se na indicação de jogadores como Popéia e Wilsinho
(preteriu o ponta Alzamendi, destaque no River Plate e titular da
Seleção Uruguaia, resolvendo apostar no irregular jogador
vascaíno). Mesmo assim, foi mantido para 1983, o que se revelou um
grave erro da diretoria.
1988
A ideia é
preservar e realizar pequenos ajustes no elenco Campeão Brasileiro.
Do time titular, apenas Edinho, que tenta cavar uma transferência para o Palmeiras, causa algum ruído, mas a diretoria endurece e o
jogador é mantido no elenco, mesmo a contragosto.
Os
reforços são basicamente apostas. Da Bahia, chega o jovem meia Luís
Henrique, que irá disputar a reserva imediata de Zico com o
irrequieto pernambucano Henágio.
Carlinhos
mantém a mesma formação que conquistou o tetra. Apesar de perder
Zico, abatido a patadas por Mauro Galvão no empate com o Botafogo, o
Flamengo, embalado pelo futebol luxuriante de Renato Gaúcho, pela
sofisticada regularidade de Andrade e pelos gols de Bebeto, conquista
a Taça Guanabara. No entanto, Renato é caçado pelos zagueiros do
América no início da Taça Rio e arrebenta o joelho.
Sem
Renato e Zico, o time emperra. Vem a Supercopa, e a sequência de
jogos cansa o elenco, cujos reservas não se mostram à altura do
time principal. A falta de um nome consistente como opção à Camisa
10 cobra seu preço. Henágio se entrega à indisciplina e Luís
Henrique, que vinha crescendo, é erradamente envolvido em um
incidente relacionado a porte de drogas e desaba emocionalmente.
Leandro, com os joelhos erodidos por uma séria doença congênita,
já demonstra não reunir condições para atuar profissionalmente em
alto nível.
São
problemas que Carlinhos não consegue administrar. O futebol da
equipe cai sensivelmente de rendimento, e nem mesmo o retorno de Zico
e Renato (este já seduzido pelos dólares da Roma, a quem já está
praticamente vendido) é capaz de salvar a temporada. O time é
categoricamente eliminado na Supercopa e, já caindo aos pedaços e
incapaz de render, perde o Estadual.
Ao final
do semestre, Carlinhos é demitido e a diretoria aponta para a
necessidade de uma renovação completa do elenco. Ideia que durará
pouco.
1993
Os
problemas do time Pentacampeão Brasileiro já haviam começado a
aparecer no segundo semestre do ano anterior. Zinho fora vendido ao
Palmeiras para fazer caixa. Nélio, um dos motores do time, voltara
após cirurgia no joelho, sem apresentar o mesmo jogo. Gaúcho
passara a ter sua sensível queda de rendimento associada a supostos
exageros na noite carioca. Júnior Baiano e Rogério, em guerra
aberta por uma posição na zaga, perturbavam a calma do elenco.
Júnior, o Maestro, demonstrava irritação com os recorrentes
problemas de atrasos nos salários. Com isso, o Flamengo não
realizou um bom Estadual (o que foi agravado pelo fechamento do
Maracanã, em obras após o acidente na Final do Brasileiro) e acabou
eliminado da Supercopa nas Semifinais.
Para
1993, a nova diretoria mantém Carlinhos a contragosto. Reforça o
time com medalhões. Chegam Renato Gaúcho (vindo de fantástica
temporada no Cruzeiro), Nilson (para disputar posição com Gaúcho)
e Andrei (zagueiro de chute forte, destaque nas Seleções de base).
A chegada de jogadores caros irrita o elenco, que ainda convive com
os problemas financeiros do clube.
Carlinhos
tenta conciliar os conflitos por posições de uma forma
extravagante. Inventa um esquema de três zagueiros para acomodar Jr
Baiano e Rogério ao lado de W.Gotardo. Testa um ataque com Gaúcho e
Nilson atuando juntos.
O
planejamento para o primeiro semestre consiste em escalar um time
misto no Estadual (usando os jovens da ótima base, como Marcelinho,
Djalminha, entre outros) e priorizando a Libertadores e a Copa do
Brasil. Mas, após uma derrota dos titulares no Maracanã para o
América de Cali e uma péssima atuação dos reservas em um empate
contra o América pela Taça GB, a diretoria ordena Carlinhos a
escalar a força máxima em todos os jogos.
Com isso,
os titulares terão que atuar em Natal, contra o América local numa
noite de sexta-feira e, MENOS DE DOIS dias depois, encarar, numa
escaldante tarde de domingo, o Entrerriense na Gávea, sem
iluminação. Evidentemente, o time se arrasta em campo, empata com
os potiguares e vence com dificuldade o lanterna do Estadual, o que
sela a demissão de Carlinhos.
Com um
elenco arrebentado e sem receber em dia, o Flamengo não vai longe.
Cai nas Semifinais da Copa do Brasil, nas Quartas da Libertadores e
sequer chega às Finais do Estadual.
Para o
segundo semestre, em que terá que conciliar o Brasileiro com a
Supercopa, a diretoria repete a fórmula: treinador novo, medalhões
e mesmo time para as duas competições. O resultado, apesar da
qualidade do elenco, é o mesmo. Time estourado e nada de taça.
2010
Após a
conquista do Brasileiro, a nova diretoria, cautelosa, decide manter a
estrutura do futebol. Mas o elenco é bastante alterado. Após árdua
negociação, os contratos do treinador Andrade e do zagueiro Ronaldo
Angelim são renovados, mas peças importantes do time são
negociadas, casos de Everton, Zé Roberto e Aírton. Como reposição,
chegam o medíocre volante Fernando (irmão de Carlos Alberto) e
jogadores de retorno duvidoso, como Michael, Ramón e Rodrigo Alvim.
Mas o principal nome do pacote de reforços é o do atacante Vagner
Love, repassado pelo Palmeiras (com quem está em litígio) para
cumprir o restante do empréstimo junto ao CSKA Moscou.
As
alterações desfiguram a equipe campeã, tornando-a bem menos
qualificada. Para complicar, Adriano parece desmotivado, engorda e já
não faz a diferença. Petkovic já começa a criar caso com o
restante do elenco. Álvaro, R.Angelim e Maldonado vivem às voltas
com lesões, e os irregulares David Braz e Toró não são capazes de
manter o nível. Nenhum dos reforços “de apoio” apresenta
condições de envergar a camisa do Flamengo, o que acaba criando a
necessidade de aproveitar peças já testadas em outros momentos,
como Bruno Mezenga e Vinicius Pacheco (que, após um brilho fugaz,
ganha uma gorda renovação contratual).
Apenas
Vagner Love, animado com a experiência de atuar pelo clube de
coração, leva a sério a passagem pela Gávea e responde com gols,
dedicação e bom futebol. Mas Andrade não consegue encaixá-lo com
Adriano em um time equilibrado defensivamente. O Flamengo de 2010
marca e sofre muitos gols. Com isso, é prematuramente eliminado do
Estadual e somente sobrevive na Libertadores graças a uma improvável
combinação de resultados. Andrade não resiste e cai. Seu auxiliar,
Rogério Lourenço, consegue resgatar parte do espírito competitivo
do ano anterior, o que é suficiente apenas para o rubro-negro
avançar até as Quartas-de-Final da Libertadores.
A
sequência da temporada irá se revelar desastrosa, em que um time,
sem referência, devastado por escândalos diversos e completamente
sem rumo, por pouco não amargará um inédito rebaixamento à Série
B, salvando-se apenas na penúltima rodada, novamente graças a uma
improvável combinação de resultados.
2014
Com a
precoce classificação para a Libertadores, a ideia é reforçar o
elenco para a competição continental. Para tal, o planejamento
original consiste no uso de times “B” e “C” para a disputa
das fases iniciais do Estadual, enquanto a formação principal é
preservada para clássicos e Libertadores.
O time
titular Campeão da Copa do Brasil é fundamentalmente mantido, mas
perde sua principal peça, o volante Elias, cuja contratação se
arrasta em uma demorada e tensa negociação com o Sporting que terá
como desfecho a ida do jogador para o Corinthians.
Chegam os
experientes Elano e Alecsandro, o jovem Feijão, o meia Everton
retorna ao clube após boa passagem pelo Atlético-PR e, do clube
paranaense, também vem o lateral Léo, revelação da temporada
anterior. Do exterior, o Flamengo traz o zagueiro Erazo, titular da
Seleção Equatoriana, e o jovem meia Lucas Mugni, tido como “joia”
do Newell's Old Boys. Para o lugar de Elias, o treinador Jaime de
Almeida resolve apostar no volante Muralha, destaque na conquista da
Copa São Paulo de 2011.
O
planejamento revela-se adequado para o Estadual. Fora um ou outro
percalço (como uma derrota contundente num Fla-Flu), o Flamengo
navega tranquilamente sem ser incomodado, empilhando goleadas e
atuações razoáveis, e chega sem dificuldades às fases finais da
competição.
No
entanto, o panorama demonstra-se radicalmente distinto na
Libertadores. O time não realiza uma exibição minimamente digna
nos primeiros jogos. Escapa de ser goleado na estreia contra o León
(em partida onde um erro de arbitragem encobriu a medíocre atuação
da equipe), vence o Emelec no Maracanã em um 3-1 enganoso, e cede um
2-2 ao Bolívar num Maracanã com 45 mil, em jogo onde por pouco não
é derrotado. Em La Paz, luta mas cai diante dos bolivianos,
tornando quase insustentável sua situação. Mostra brio e, enfim,
competitividade em Guayaquil e, no seu melhor jogo do semestre,
derrota o Emelec (2-1), mas sucumbe diante da superioridade técnica
e tática do León, caindo derrotado e eliminado no Maracanã (2-3).
Dos
reforços, apenas Everton responde com um futebol razoável, embora
sujeito a lesões. Alecsandro aproveita-se da péssima fase de
Hernane (que anda descontente com o salário e cai de rendimento) e
ameaça a vaga de titular. Erazo é lançado “na fogueira” e
sucumbe com falhas graves, sendo logo encostado. Elano já não
mostra condições de atuar em ritmo forte. E os demais mostram pouco
futebol.
Na reta
final do semestre algumas escolhas acabam sinalizando para a
priorização do Estadual. Léo Moura lesiona-se em um jogo contra o
Botafogo e perde o jogo seguinte, contra o Bolívar. Hernane, usado
numa partida Semifinal contra a Cabofriense (em que o Flamengo
somente perderia a vaga caso perdesse por quatro gols), sofre séria
lesão nas costas e está fora da Libertadores.
A
ausência de Elias e a absoluta desmotivação do meia Carlos Eduardo
também se mostram obstáculos com que Jaime demonstra pouca
capacidade para lidar. Muralha simplesmente não funciona e seu
reserva, o jovem Recife, ainda é muito verde. Às pressas, a
diretoria contrata o volante Márcio Araújo, que somente poderá ser
utilizado no Estadual, em função do encerramento do prazo para as
inscrições na Libertadores.
A
eliminação da competição continental faz rebentar uma crise que
por pouco não resulta na perda do Estadual. Após duas atuações
sofríveis nas Finais, o Flamengo consegue segurar dois empates
contra o Vasco, o último deles graças a um gol irregular, marcado
nos acréscimos, ironicamente por Márcio Araújo, o jogador que
chegara para cobrir a mais séria deficiência na formação do
elenco para 2014.
No
entanto, nem mesmo a conquista do Estadual arrefece os ânimos. A
crise e a avaliação negativa do semestre tragará Jaime e criará
um profundo racha no elenco, cujos desdobramentos afundarão o time
às últimas posições do Brasileiro, situação da qual somente se
recuperará após a Copa do Mundo.
Boa semana,