Saudações flamengas a todos,
A
inesperada eliminação do Flamengo na Copa Sul-Americana acendeu um
misto de preocupação, críticas e mesmo certa indignação, dada a
constatação que o rubro-negro simplesmente parece não conseguir
render de forma minimamente satisfatória em competições
continentais. Com efeito, a maneira como a equipe foi envolvida por
um time mediano do Chile, mesmo usando uma formação mista, suscitou
severas exclamações acerca da falta de representatividade
demonstrada pelo clube, algo que tem se repetido com enervante
frequência.
Em
resumo. O Flamengo não sabe jogar torneios sul-americanos, e isso
vem desde sempre, segundo um já consolidado senso comum.
Com
efeito, as eliminações vexatórias para América-MEX,
Universidad-CHI e as pífias participações nas Libertadores mais
recentes, em que o clube sequer logrou passar da fase de grupos
(perceba-se que, nas três últimas edições, isso só aconteceu em
2010, em função de uma inesperada combinação de resultados),
tornaram mais viva essa convicção. Motivos vários têm sido
apostos, como o atraso tático do futebol brasileiro, o choque de
cultura entre os jogadores locais e os estrangeiros (mais
competitivos e disciplinados), a empáfia e o desprezo com que o
Flamengo, particularmente, tem encarado adversários menos
tradicionais, a montagem de equipes pouco qualificadas, enfim, uma
série de explicações ou de tentativas para justificar o inegável
fato de que, efetivamente, o rubro-negro não tem colecionado
participações minimamente dignas nas competições da Conmebol.
Mas isso
sempre foi assim?
Em que
pese números serem usualmente traiçoeiros, é interessante trazer à
tona uma análise histórica rápida das participações do Flamengo
em Libertadores, Copa Sul-Americana, Copa Mercosul, Supercopa dos
Campeões e Copa Ouro, todos torneios oficiais da Conmebol.
Trazendo
1981 como marco inicial (ano da primeira participação flamenga em
Libertadores), pode-se estabelecer três períodos distintos. O
primeiro, entre 1981 e 1989, abrangendo a Era Zico e times derivados,
compostos por vários jogadores da base revelada por Coutinho. O
segundo, entre 1990 e 2001, em que o Flamengo, já sem o Galinho,
seguiu mantendo protagonismo a nível nacional. E o último, entre
2002 e os dias atuais, em que o clube viveu às voltas com sérios
momentos de crise, que o transformaram, não raro, em mero
coadjuvante.
Isto
posto, é possível listar, rapidamente, as participações
rubro-negras em competições sul-americanas em cada período. Serei
breve. Não se está levando em conta os anos em que o Flamengo saiu
da Sul-Americana ainda na fase nacional, enfrentando apenas
adversários brasileiros, porque a ideia é auferir desempenho contra
as equipes estrangeiras.
1981-1989
6
COMPETIÇÕES EM 9 ANOS
Campeão
(1), Semifinal (2), Quartas-de-Final (1), Primeira Fase (2)
1990-2001
15
COMPETIÇÕES EM 12 ANOS
Campeão (2), Vice (3),
Semifinal (1), Quartas (5), Primeira Fase (4)
2002-2016
8 COMPETIÇÕES EM 15
ANOS
Quartas (1), Oitavas
(4), Primeira Fase (3)
Agora se
pode realizar uma análise estatística superficial, bem rasa mesmo,
para facilitar o entendimento. A ideia é tabular o nível de
aproveitamento em duas camadas. Desempenho máximo (campeão ou
finalista) e desempenho satisfatório (nível quartas-de-final, que
define uma participação digna, com o time chegando entre os 8
melhores), comparando-os por épocas.
DESEMPENHO
MÁXIMO (CAMPEÃO OU VICE)
- 1981-1989 17%
- 1990-2001 33%
- 2002-2016 00%
DESEMPENHO
SATISFATÓRIO (NÍVEL QUARTAS-DE-FINAL)
- 1981-1989 67%
- 1990-2001 73%
- 2002-2016 12%
Salta aos
olhos a progressiva evolução e melhora no índice de participação do
Flamengo dos anos 80 para os 90, seguida de uma colossal queda no
período seguinte. Isso pode causar certa surpresa, uma vez que o
Flamengo, na década de 80, montou a melhor equipe de sua existência.
Mesmo assim, seu desempenho foi suplantado no período seguinte, em
que o rubro-negro ostentou algumas equipes modestas (por exemplo, o
time de 1995, um dos piores da história recente, chegou às Finais
de uma Supercopa).
É
evidente que a qualidade do time é relevante e imprescindível para
o alcance de resultados. Todavia, talvez mais importante é o
intercâmbio. A rodagem. A aquisição de experiência internacional,
que elimina o fator surpresa, o desequilíbrio, mesmo o medo.
Há uma
correlação direta entre o período de melhor desempenho (1990-2001)
e a frequência de participações flamengas em torneios
continentais. Nessa época, o Flamengo disputou 15 competições em
12 anos, por vezes envolvendo-se em duas disputas na mesma temporada.
Perceba-se que, nos últimos quinze anos, o Flamengo somente
participou de oito competições, índice bem inferior ao da década
precedente.
A
performance do Flamengo nos anos 1990, em que foi finalista de 1/3
das competições sulamericanas que disputou e esteve, no mínimo,
entre os 8 melhores em 3/4 desses campeonatos, solapa duas teses
recorrentes. A da irrelevância internacional e a da “expressividade
apenas com Zico”.
Nos anos
1990 enfrentar o Velez Sarsfield, o River Plate, o Estudiantes, era
quase tão corriqueiro quanto duelar com São Paulo, Grêmio,
Palmeiras, entre outros. O Flamengo mediu forças com Batistuta,
Chilavert, Verón, Claudio Lopez, Francescoli, Higuita, Rincón,
entre outros. Atuou com desenvoltura em templos como o Monumental de
Nuñez, Defensores del Chaco, Bombonera, Centenario, Nacional de
Santiago, ou nos alçapões de bairro de Buenos Aires. Aprendeu,
forjado no fogo e na brasa, as manhas, as catimbas e as nuances das
escolas sul-americanas, como enfrentá-las e neutralizá-las. Venceu
jogos, perdeu partidas, goleou, sofreu reveses pesados, triunfou. Foi
competitivo. Representou-se grande, à altura de sua expressão.
Tornou-se respeitado, temido, independente do elenco e dos jogadores
de que dispunha (em diferentes momentos, Júnior, Gaúcho, Zinho,
Renato Gaúcho, Sávio, Romário, Petkovic).
A queda
se dá com a crise financeira que solapa o clube, afastando-o de
competições internacionais. Com isso, perde-se o contato, a
oportunidade de conhecimento, reciclagem, aprendizado pela troca.
Caldeirões antes íntimos tornam-se fantasmas. Os adversários,
desconhecidos, suscitam o desdém dos ignorantes. Mas nem sempre se
peca por subestimar o adversário. Às vezes é o inverso. Um exemplo
clássico é o de 2008, quando o Flamengo de Joel Santana estreia
fora de casa contra o desconhecido Coronel Bolognesi, e se dá por
satisfeito com um sofrível 0-0. O Bolognesi se revela uma equipe
fraquíssima, que perde quase todos os seus jogos, mesmo em casa, e
esse empate por pouco não elimina precocemente o rubro-negro da
competição (foi necessário quebrar um tabu de anos e vencer o
duríssimo confronto contra o Cienciano, na altitude de Cuzco, por
3-0).
Há
também a queda de qualidade. Algumas equipes montadas se mostram bem
abaixo dos requisitos necessários para uma participação digna, o
que não impede que times melhores (como o de 2012) desabem de forma
precoce.
Em suma,
o terceiro período verifica uma conjunção de problemas
financeiros, equipes de nível mais baixo em certos momentos e
absoluta falta de ambientação à atmosfera das competições, por
conta da falta de intercâmbio.
Alguns
poderão argumentar, “mas o Flamengo foi campeão em 1981 já na
sua primeira participação”. Verdade. No entanto, uma série de
fatores contribuiu para o êxito daquela conquista. O primeiro, o
estabelecimento de uma meta clara, ainda em 1980. O Flamengo projetou
o título de campeão mundial desde o ano anterior. As contratações
dos experientes Luís Pereira e Fumanchu (que se revelaram um
fracasso) já visavam à formação de uma equipe cascuda e tarimbada
para a disputa da Libertadores. Ademais, a diretoria aproximou-se da
CBF e, por consequência, da CSF (antigo nome da Conmebol),
costurando um trabalho de bastidores que se revelou fundamental em
momentos-chave da competição. O nível de assessoramento era tão
profundo que, antes de cada partida, os jogadores eram orientados
sobre as características do árbitro escalado para o jogo (se era
mais enérgico, se deixava correr, esse tipo de coisa). Quando
Coutinho se demitiu, a diretoria buscou Dino Sani, treinador com
larga experiência no futebol sul-americano, e a passagem de Dino
revelou-se fundamental para o amadurecimento do elenco nesse aspecto.
Ademais, a base do time possuía ampla experiência internacional.
Raul havia disputado (e vencido) Libertadores pelo Cruzeiro, Nunes
vinha de passagem pelo futebol mexicano, Andrade passara um ano na
Venezuela. Zico, Tita e Júnior eram figuras frequentes nas
convocações de Coutinho (e depois Telê) pela Seleção Brasileira,
tendo atuado em diversas partidas de Eliminatórias e Copa América.
Mesmo o Flamengo, como um todo, vivia excursionando ao exterior, de
modo que não se pode qualificar aquele elenco como inexperiente.
Mesmo assim, o time viveu sérios problemas em momentos específicos
daquela trajetória.
Diante
deste cenário, as recentes modificações impostas pela Conmebol ao
formato de disputa da Taça Libertadores e Copa Sul-Americana trazem
um alento. Com o aumento do investimento e a montagem de equipes mais
competitivas, além do maciço aumento do número de vagas para
clubes brasileiros, a tendência é que o Flamengo passe a disputar a
Libertadores com frequência praticamente anual. Isso tenderá, em
tese, a aumentar o contato do clube com adversários de outros
centros, voltando a criar uma familiaridade com certos aspectos
específicos que hoje parecem negligenciados. Disputar, e vencer,
jogos, tenderá a se tornar tarefa menos árdua. O clube, a médio
prazo, provavelmente tornará a adquirir a competitividade há muito
perdida.
Desde
que, naturalmente, queira. Queira MESMO.
Boa
semana a todos,
* * *
Anexo:
Participações do Flamengo por ano (não inclui edições da Copa
Sul-Americana em que o clube foi eliminado na fase nacional)
1981 Libertadores - Campeão;
1982 Libertadores - Semifinais;
1983 Libertadores - Primeira
Fase;
1984 Libertadores - Semifinais;
1988 Supercopa - Quartas;
1989 Supercopa - Primeira
Fase;
1990 Supercopa - Primeira
Fase
1991 Libertadores - Quartas;
1991 Supercopa - Quartas;
1992 Supercopa - Semifinais;
1993 Libertadores - Quartas;
1993 Supercopa - Final;
1994 Supercopa - Primeira
Fase;
1995 Supercopa - Final;
1996 Copa
Ouro - Campeão;
1996 Supercopa - Quartas;
1997 Supercopa - Primeira
Fase;
1998 Mercosul - Primeira
Fase;
1999 Mercosul - Campeão;
2000 Mercosul - Quartas;
2001 Mercosul - Final;
2002 Libertadores - Primeira
Fase;
2007 Libertadores - Oitavas;
2008 Libertadores - Oitavas;
2010 Libertadores - Quartas;
2011 Sul-Americana - Oitavas;
2012 Libertadores - Primeira
Fase;
2014 Libertadores - Primeira
Fase;
2016 Sul-Americana - Oitavas;