quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Alfarrábios do Melo

Saudações flamengas a todos,

Uma fonte recorrente de comentários costuma recair sobre a análise dos elencos que o Flamengo monta para a disputa de cada temporada. É raro nós, torcedores, cravarmos plena satisfação com o plantel disponível, e não há nada de errado nisto, uma vez que sempre buscamos evolução e melhoria. Um lateral-esquerdo aqui, um volante ali, enfim.
Isto posto, trago aqui rápidas pinceladas sobre os seis elencos flamengos que lograram conquistar o Campeonato Brasileiro. Seis plantéis vitoriosos. Algo sobre montagem e características. Talvez daí saiam conclusões interessantes.
Boa leitura, pois.

ELENCOS FLAMENGOS CAMPEÕES

1980

TITULARES
Raul, Toninho, Rondinelli, Marinho, Júnior; Andrade, Carpegiani, Zico; Tita, Nunes, Júlio César

RESERVAS
Cantarele, Carlos Alberto, Manguito, Nelson, Leandro; Vítor, Adílio, Gerson Lopes; Reinaldo, Anselmo, Carlos Henrique

O Flamengo inicia o campeonato sem centroavante. Cláudio Adão é afastado e emprestado ao Botafogo e seu reserva, o jovem Gerson Lopes, lesiona-se na pré-temporada. Enquanto o clube busca um nome de peso (chega a avançar por Roberto Dinamite, encostado no Barcelona-ESP, mas o negócio mela na reta final), vai se virando com o improvisado Tita, sem êxito. A chegada de Nunes, emprestado pelo Monterrey-MEX resolve o problema.
Nas demais funções, a opção é pela polivalência, tão ao gosto de Coutinho. O ótimo e versátil Carlos Alberto é a alternativa para as duas laterais, onde Toninho e Júnior seguem absolutos. No meio, Adílio é uma espécie de “décimo-segundo titular”, podendo ser usado ao lado de Carpegiani ou de Andrade, a depender do contexto, ou mesmo como falso ponta-esquerda. Quando Zico está fora, é o já titular Tita quem assume a camisa 10. No ataque, as principais opções são Reinaldo (ex-América) e Carlos Henrique, ponta muito veloz e arisco.
No gol, Raul aproveita lesão de Cantarele e assume a condição de titular.
O ponto fraco do elenco é a zaga. Rondinelli é voluntarioso, mas possui pouca técnica. Marinho está em nível superior, mas ainda está se adaptando ao Rio. Os reservas, Nelson e Manguito, são irregulares. Também falta um primeiro volante mais experiente, pois o jovem Vítor ainda não foi posto à prova.
Basicamente, é um elenco onde figura uma forte e sólida equipe titular, com três ou quatro boas peças de reposição e vários jogadores ainda muito jovens, embora qualificados (destaque para o talentoso Leandro, em transição para o profissional).

* * *

1982

TITULARES
Raul, Leandro, Marinho, Mozer, Júnior; Andrade, Adílio, Zico; Tita, Nunes, Lico

RESERVAS
Cantarele, Carlos Alberto* (Djalma Braga), Figueiredo, Ademar, Antunes; Vítor, Júlio César Barbosa, Peu; Chiquinho (Popeia), Anselmo (Reinaldo), Edson

* Lesionado, não disputou o Brasileiro

A filosofia de aproveitar jogadores versáteis, “multifuncionais”, característica do trabalho de Coutinho, também é seguida por Carpegiani, que prefere apostar em poucos reservas efetivos, mas capazes de exercer distintos papeis em campo. Nesse contexto, além do time titular, há o zagueiro Figueiredo, capaz de substituir qualquer dos dois titulares, o volante Vítor, que pode fazer dupla com Adílio ou Andrade, e o curinga Popéia, contratado junto ao Colorado-PR, capaz de atuar como falso-ponta pelos dois lados ou mesmo como lateral-direito. As variações do esquema são dadas pelos pontas especialistas Chiquinho e Edson, especialmente contra equipes mais retrancadas. Raul segue tranquilo como titular.
Mas há problemas. Popéia não rende o esperado e perde espaço. Para complicar, Nunes sofre séria lesão no joelho no meio da competição e o time decai em rendimento, pois os reservas Anselmo e Reinaldo (ex-Náutico) são mais estáticos, não possuem a mesma movimentação do titular. Apenas quando Peu, camisa 10 de ofício, é improvisado na função de centroavante o time volta a funcionar, lubrificado pela mobilidade do alagoano. Mas Nunes retorna para as partidas decisivas, inclusive a tempo de marcar o gol do título.
Outro problema está nas laterais. A lesão de Carlos Alberto abre uma lacuna no elenco, pois os reservas Djalma Braga e Ademar (que também atua como zagueiro) ainda estão muito “verdes”. O jeito é recorrer ao instável Antunes (que atua pelos dois lados) como alternativa de reposição.
Tal como ocorrera em 1980, o Flamengo realiza sua campanha com um time-base e poucas peças de reposição efetivas. Mas sofre com alguns problemas de lesão que tornam a trajetória mais árdua.

* * *

1983

TITULARES
Raul, Leandro, Marinho, Mozer, Júnior; Vítor, Adílio, Zico; Élder, Baltazar, Júlio César Barbosa

RESERVAS
Cantarele, Cocada, Figueiredo, Zé Carlos II, Ademar (Adalberto); Andrade*, Bigu, Gilmar Popoca; Robertinho, Ronaldo Marques (Bebeto), Lico* (Edson)

* Titulares lesionados antes das fases finais, não retornaram a tempo

O frustrante final da temporada anterior faz a diretoria repensar a montagem do elenco rubro-negro. Nesse contexto, a possibilidade de dispor de mais alternativas táticas passa a dar a tônica, inclusive na definição dos reforços a contratar. Assim, chega o caro Robertinho, jogador veloz, driblador, com passagem pela Seleção, para assumir a ponta-direita. Baltazar chega para o lugar do desgastado Nunes, que será emprestado. Tita sai, também por empréstimo, abrindo vaga no time titular para Robertinho.
No entanto, o percurso do Flamengo nessa competição é bem mais instável. O time começa mal, sofre troca de treinadores, perde jogadores importantes por lesão e, na reta final, volta ao esquema de falsos-pontas, com a promoção de alguns garotos.
Andrade e Lico, titulares, contundem-se seriamente, sendo substituídos por Vítor e Júlio César Barbosa, respectivamente. Outro jovem, o combativo Élder, ganha a vaga de Robertinho e irá recuar para compor o meio, liberando Zico e Adílio para atuarem mais adiantados, o que faz crescer muito o jogo do segundo.
Raul, buscando encerrar a carreira em grande estilo, está em excepcional forma. Leandro já começa a se ressentir do esforço de atuar como lateral e é testado como zagueiro em algumas partidas, mas Figueiredo segue como principal alternativa para o setor. No meio, a ascensão de Vítor abre espaço para o promissor Bigu, que realiza algumas atuações interessantes. Os laterais Cocada (jovem contratado junto ao Operário-MS) e Ademar são mais utilizados, dando resposta razoável. Na frente, Robertinho é a principal opção, entrando no meio dos jogos, usualmente no lugar do inseguro Baltazar (Carlos Alberto Torres prefere atuar sem centroavante fixo em alguns momentos). O baixinho Edson também chega a mostrar bom futebol. No comando do ataque, o garoto Ronaldo Marques também é aproveitado, marcando inclusive um gol. Os jovens Adalberto, Gilmar Popoca e principalmente Bebeto (jóia revelada no futebol baiano) começam a ganhar cancha, entrando em alguns jogos.
Essa campanha é caracterizada pelo uso de vários jogadores, lançados de acordo com a circunstância de cada partida. Cai o conceito do “reserva-coringa”, entra o “reserva-especialista”. Excetuando-se Figueiredo e Robertinho, não há opções fixas, até por conta do maior leque de alternativas. Vários jovens são lançados, já para ganhar experiência para as temporadas seguintes, ou mesmo para suprir carências surgidas na equipe.

* * *

1987

TITULARES
Zé Carlos, Jorginho, Leandro, Edinho, Leonardo; Andrade, Ailton, Zinho, Zico; Bebeto, Renato

RESERVAS
Cantarele, Leandro Silva, Aldair, Zé Carlos II (Guto), Ayrton; Flávio, Zé Ricardo, Henágio; Alcindo (Márcio), Kita, Nunes;

O Flamengo entra para a disputa do Brasileiro com um time titular qualificado, mas envelhecido. Perde Adílio (dispensado e transferido para o Coritiba), Mozer (vendido ao Benfica-POR) e Marquinho (negociado com o Atlético-MG, após a ascensão do jovem Zinho). Como reposição, traz o experiente Edinho, cria do Fluminense, e o veterano Nunes, tentativa de melhorar o rendimento do comando do ataque, após desempenho irregular de Kita.
Antônio Lopes, em atrito com o elenco, somente resiste a uma partida. Carlinhos, o auxiliar-técnico, assume e consegue chegar a uma formação ideal, altamente técnica e competitiva, mesclando a classe de Zico, Leandro, Edinho, Andrade, e a juventude e o fogo de Ailton, Zinho, Bebeto e principalmente Renato Gaúcho, ajudados pela excepcional fase de Zé Carlos (que vive o auge da carreira) e Jorginho. A grande surpresa é a ascensão do lateral Leonardo, que substitui Adalberto, às voltas com uma séria lesão óssea.
O problema é que este time (que atua magistralmente nos 2-1 sobre o Vasco) não possui peças de reposição. Apenas os talentosos zagueiros Aldair (que por pouco não se queima após péssima atuação como lateral-esquerdo na estreia) e Zé Carlos II, o irrequieto atacante Alcindo e talvez o tranquilo volante Flávio aparentam reunir condições de atuar como titulares. O meia Henágio é habilidoso mas tem problemas extracampo, o lateral-esquerdo Ayrton é contratado às pressas para repor a perda de Adalberto mas não rende, o atacante Kita já não consegue superar a desmotivação e Nunes, após criar problemas com vários jogadores, perde espaço. O Flamengo ainda tenta contratar o experiente baixinho meia Osvaldo (destaque na Ponte Preta e no Grêmio) como uma alternativa a Zico, mas o jogador é reprovado nos exames médicos.
E o time sofre com diversos problemas. Zico (contratura muscular), Bebeto (tornozelo), Edinho (fratura no malar após agressão de Geovani contra o Vasco) e Jorginho (problemas na renovação do contrato) vão desfalcando e desfigurando a equipe, que não se encontra. Somente na reta final, quando todos estão à disposição, o Flamengo engrena e arranca rumo ao Tetra Brasileiro.
Em síntese, a campanha é caracterizada pela rápida definição de uma equipe titular, com poucas peças de reposição, que quase comprometem o resultado final.

* * *

1992

TITULARES
Gilmar, Charles Guerreiro, W.Gotardo, J.Baiano, Piá; Uidemar, Júnior, Nélio; Júlio César “Imperador”, Gaúcho, Zinho

RESERVAS
Adriano, Cláudio, Gelson Baresi (Mauro), Rogério, Fábio; Fabinho, Marquinhos, Luís Antônio (Djalminha); Paulo Nunes, Toto, Marcelinho

A base vitoriosa da temporada anterior é mantida, sendo apenas reforçada pelo atacante Toto, destaque no Campeonato Catarinense.
O elenco parece homogêneo, aparentemente com boas peças de reposição para todos os setores. O destaque no banco de reservas é Fabinho, capaz de substituir os laterais e atuar como volante, sempre com a mesma qualidade (sua melhor atuação no Brasileiro é nos 3-1 sobre o Corinthians no Pacaembu, quando jogou na lateral-esquerda). O volante Marquinhos também é muito utilizado por Carlinhos, atuando praticamente como se titular fosse. Outra peça fundamental é Paulo Nunes, que se reveza na equipe com o meia Júlio César Imperador, a depender do contexto da partida (equipe mais veloz ou técnica). Há ainda a zaga, em que Rogério e Júnior Baiano vivem às voltas com uma disputa ferrenha pela posição de titular, administrada com cuidado por Carlinhos. São utilizados vários jogadores egressos da equipe campeã da Copa SP de 1990, que enfim começam a se firmar como profissionais.
O ponto fraco está justamente na única posição que foi reforçada, o comando do ataque. Gaúcho sofre séria lesão muscular e se ausenta por quase dois meses. Toto é esforçado e possui senso goleador, mas é estático, não dispõe da mesma mobilidade do titular (Gaúcho, apesar de pouco técnico, é um atacante que se desloca muito). Carlinhos tenta improvisar um ataque sem “nove fixo”, mas o time não reage, despenca na tabela e por pouco não cai eliminado ainda na Primeira Fase. A reação se dá justamente com a volta de Gaúcho que, embora em má fase, reequilibra taticamente a equipe, que se reencontra e arranca para a classificação e para o penta.
É um elenco forte, homogêneo, que utiliza fartamente jogadores oriundos das divisões de base, em um time titular em que há algumas posições em aberto, permitindo a participação de vários “reservas-titulares”, até porque Carlinhos não fecha uma formação titular inicial fixa, alterando-a a depender do que pede as circunstâncias da partida.

* * *

2009

TITULARES
Bruno, Léo Moura, Álvaro, Ronaldo Angelim, Juan; Aírton, Maldonado; Willians, Petkovic, Zé Roberto; Adriano

RESERVAS
Diego, R.Galhardo, David, Fabrício (Wellinton), Everton; Toró, Lenon, Kleberson (Erick Flores), Fierro; Gil, Denis Marques, Bruno Mezenga

O Campeonato de 2009 possui uma peculiaridade em relação aos demais, que é a possibilidade de alterações radicais no elenco durante a competição. Assim, o Flamengo perde dois titulares (o volante Ibson e o atacante Emerson Sheik) e uma peça de reposição importante (o atacante Josiel), todos negociados. A reposição desses nomes se dá com a chegada do atacante Denis Marques e do volante Maldonado (que chega em baixa, por conta do histórico de lesões).
Além disso, o Flamengo se vê obrigado a reforçar a zaga, que perde força com a aposentadoria de Fábio Luciano. Após más experiências com os jovens Wellinton e Fabrício, e com uma mal-sucedida improvisação do volante Aírton, chegam dois reforços, o talentoso mas contestado Álvaro (que vive declínio na carreira) e o promissor David. Contra as expectativas, Álvaro toma conta da posição, formando uma elogiada dupla com o experiente Ronaldo Angelim.
Mas os maiores reforços do elenco surgem como “negócios de oportunidade”. Adriano, o Imperador, está desmotivado e força sua saída da Internazionale. O Flamengo, ainda ressentido da perda do atacante Ronaldo, consegue trazer o polêmico jogador, que chega com status de ídolo. Além de Adriano, o veterano e decadente meia Petkovic renegocia uma pesada dívida que tem a receber e acerta seu retorno, numa medida polêmica que chega a derrubar a direção do futebol do clube. No entanto, Adriano e Petkovic serão os condutores, as peças diferenciadas que levarão o Flamengo ao Hexa Brasileiro, juntamente com um qualificado mas problemático grupo de jogadores.
O restante do elenco é complementado por peças da base e os úteis Everton (que supre a ausência do lesionado Juan, surpreendendo como lateral-esquerdo), Fierro e Kleberson. Na reta final, as lesões de Adriano e Maldonado preocupam, mas os limitados Toró e Bruno Mezenga são absorvidos por um time já focado no título. Gil, outro jogador contratado em baixa, não rende e sai sem deixar saudades.

O time titular é muito bom, com algumas boas peças de reposição, mas de um modo geral há um desequilíbrio, que irá se tornar mais visível na temporada seguinte, pois muitos jogadores demonstram bom rendimento em curto prazo, não reunindo mais consistência para funcionar por períodos longos