quarta-feira, 13 de julho de 2016

Alfarrábios do Melo

Saudações flamengas a todos,

Muito se tem enaltecido o trabalho do treinador Zé Ricardo, em função da capacidade por ele demonstrada de tornar o Flamengo uma equipe competitiva e organizada, capaz de pontuar com regularidade mesmo enfrentando equipes teoricamente mais qualificadas. No entanto, a principal crítica à sua atuação decorre na alegada insistência em manter entre os titulares o controverso volante Márcio Araújo, que desfruta da rejeição de boa parte da torcida rubro-negra.

Márcio Araújo, o típico volante-volante dos anos 90, dotado de mobilidade defensiva, capacidade de desarme e disciplina para recompor o sistema defensivo, mas nutrindo severas limitações no manejo da bola, reúne em si um perfil obsoleto, ultrapassado, mas do qual alguns treinadores ainda parecem não conseguir se livrar. Mais, o “volante-pegador” soa mesmo como um recurso “multitarefas”, um tampão cuja utilização ainda se reveste de notável conveniência no nosso futebol, atravessando incólume os mais distintos momentos da história.

Assim, segue uma pequena lista com alguns desses exemplares que, por suas características peculiares, mantiveram uma relação de (algum) amor e (farto) ódio com nossa torcida.

DELACIR (1988-1989)
O Flamengo negocia Andrade com o futebol italiano e perde um dos melhores volantes de sua história. Dotado de capacidade implacável de marcação, com boa mobilidade, exímio passe e um chute forte, o “Tromba” desfrutara, durante oito temporadas, da condição de titular absoluto do rubro-negro. Em seu lugar, o Flamengo resolve investir no promissor Delacir, que vem de boas atuações no pequeno Mesquita e depois no América, e é testado com sucesso na Copa Kirin, vencida pelo rubro-negro (o América emprestara alguns jogadores ao Flamengo para a disputa do torneio). Delacir agrada e é contratado. No entanto, Delacir logo “cai em desgraça” com a torcida, pois, apesar de esforçado e combativo, apresenta limitações técnicas insuperáveis. A rejeição aumenta, especialmente quando se percebe que Delacir desfruta de prestígio junto ao treinador Candinho e especialmente a Telê Santana, que sequer cogita sua retirada da equipe. Ironicamente, Delacir naufraga ao falhar no gol que elimina o rubro-negro do Brasileiro e, sem clima, é negociado. Pouco mais tarde, Candinho, agora no Bahia, indica o jogador para o clube baiano, e Delacir é destaque na equipe que termina o Brasileiro-90 em 4º lugar.

AILTON (1985-1991)
Volante de origem contratado ainda nas divisões de base junto ao Olaria, ascende aos profissionais improvisado como lateral-direito. Mas logo retorna à sua posição de origem, efetivado titular por Lazaroni. Raçudo e dotado de impressionante mobilidade, mas com deficiências sérias de passe, segue na equipe principal com qualquer treinador que assuma a equipe. Pode atuar mais recuado ou ajudando na transição do meio. Com a saída de Delacir, assume a função de “volante de contenção”, carregando o piano para que brilhe o leve meio-campo montado por Telê no Estadual. Cai Telê, chega Espinoza, e Ailton segue intocável como titular. Dá declarações indicando “sonhar com a Seleção”, e é ridicularizado pela imprensa. Com Jair Pereira, chega a barrar o Maestro Júnior, decisão extremamente polêmica que somente dura dois jogos. Desgastado pelo tempo e contestado pela torcida e pela crônica, Ailton acabará preterido por Vanderlei Luxemburgo, que prefere jogadores mais talentosos na posição, e será negociado com o Guarani. Participará de campanhas vitoriosas no Fluminense e no Grêmio, mas sempre contestado por suas respectivas torcidas.

MÁRCIO COSTA (1995-1996)
Alto e magro, é um zagueiro capaz de atuar como volante. Destaca-se na campanha do Estadual do Fluminense, em 1995. Chega ao Flamengo no segundo semestre do mesmo ano, ao lado do lateral-esquerdo Lira e do volante Djair. Márcio Costa (que vem para o lugar de Charles Guerreiro, estigmatizado pela falha no gol decisivo do Fla-Flu e vendido ao Vasco) logo se torna titular absoluto. Seu estilo de jogo se caracteriza pela velocidade e senso de cobertura. No combate direto costuma entrar forte e de forma estabanada. Possui crônicos problemas de passe e se vira bem no jogo aéreo. Mas logo se torna um dos símbolos da aridez técnica do “elenco de apoio” que não consegue dar suporte às estrelas da equipe (o tal “ataque dos sonhos”). Mesmo assim, é mantido para a temporada seguinte (a pedido de outro egresso do Fluminense, o treiador Joel Santana) e, sempre como titular, conquista o Estadual invicto de 1996, ao lado do combativo volante Mancuso. No final do ano, cai em desgraça com a péssima campanha da equipe e é negociado.

JAMIR (1997-1998)
Volantão parrudo que alcançou certa notoriedade no Botafogo de Túlio, é trazido para substituir Márcio Costa. Duro, enérgico, viril e não raro violento no combate direto, é tido como o jogador ideal para “fechar o meio”, sendo mantido titular absoluto nos dois anos em que atua no rubro-negro, para desconforto e desânimo de um torcedor que assiste, impotente, ao apogeu do uso dos “volantes-brucutus”. Além de Jamir, o Flamengo ainda conta no elenco com a presença dos volantes Jorginho e Maurinho, e não é raro ver os três simultaneamente em campo, para tristeza da bola.


JORGINHO (1997-2003)
Alto, espigado, egresso do Olaria, Jorginho logo se destaca por sua dedicação, aplicação tática e eficiência no jogo aéreo (chega a marcar alguns gols de cabeça). Ascende à posição de titular com Sebastião Rocha, sendo mantido por Paulo Autuori e por vários treinadores seguintes. Sempre como titular (salvo em 2000, quando perde espaço para as milionárias contratações do período), conquista o Tricampeonato Estadual, uma Copa Mercosul e uma Copa dos Campeões. Nos anos seguintes, cai de rendimento e é tido como um dos responsáveis pela goleada sofrida no Fla-Flu que elimina o time do Estadual de 2003, deixando o Flamengo após 242 jogos disputados.

MAURINHO (1997-2002)
Projetado pelo Bragantino, onde se destacou atuando mais avançado, chega ao Flamengo originalmente para atuar como meia. Mas, ao mostrar pouco mais que transpiração e correria, é recuado para a posição de volante, onde montará um cinturão com os intrépidos Jamir e Jorginho. Bom no jogo aéreo e com um chute forte, costuma aparecer como elemento surpresa no ataque (como nos históricos 3-0 sobre o Real Madrid, em que marca um gol e manda uma bola na trave). Mas, extremamente limitado tecnicamente, é rejeitado e mesmo perseguido pela torcida, o que faz com que oscile entre o time titular e o banco. Mais tarde, com Carlinhos, é improvisado na lateral-direita, emulando experiência bem sucedida de anos antes com Charles Guerreiro. Na posição, funciona bem, chegando a barrar o experiente Pimentel, e vive seu melhor momento em 2000. É lembrado até hoje pelo cruelmente irônico coro de “ão-ão-ão, Maurinho é Seleção, il-il-il, primeiro de abril”.

DA SILVA (2004-2005)
Destaque do Madureira e com razoável passagem pelo Vasco, chega ao Flamengo por empréstimo na temporada de 2004. “Formiguinha” capaz de correr todos os setores do campo, veloz e aplicado, sempre se dispondo ao “trabalho pesado” de cobrir meias, laterais e mesmo zagueiros (é dado aos “demagógicos” carrinhos de beira de campo), logo conquista a simpatia de uma torcida farta de jogadores limitados, melindrados e acomodados. É um prestígio que, dada a absoluta indigência técnica de seu jogo, apenas ajuda a constatar, com tristeza, que o Flamengo vive um dos piores momentos de sua história. Titular absoluto de um time quase rebaixado, acerta sua permanência por mais um ano, mas em meados de 2005 (com a equipe novamente lutando contra o descenso) acaba negociado com o futebol asiático.

DOUGLAS SILVA (2004)
Volante egresso do Grêmio, chega ao Flamengo em substituição a Fabinho, transferido para o futebol japonês. Demora um pouco para se firmar, mas conquista uma vaga no meio-campo, e é como titular que ganha o Estadual de 2004. No entanto, é um dos jogadores estigmatizados pela torcida após a perda da Copa do Brasil para o Santo André. Forma, ao lado de Da Silva, uma das piores duplas de volantes da história recente do Flamengo. Com a chegada de Andrade no comando técnico, perde espaço para o jovem Jônatas, atuando apenas em partidas esporádicas. Ao final do ano, é negociado e não deixa saudades.

TORÓ (2006-2010)
“Um toró de gols”. É assim que o jovem atacante Toró é definido pela diretoria do Fluminense, que o tem como uma das principais revelações de Xerém. No entanto, um desentendimento com o empresário do jogador faz com que Toró acabe parando no Flamengo. Baixinho, corpulento, com ótima explosão e bom chute, mas apresentando profunda deficiência na finalização a gol, é deslocado para o meio. Mas, sem bom aproveitamento de passe, acaba recuado para a posição de volante. Voluntarioso e eficiente na marcação individual, chega em um momento a se tornar xodó da torcida, condição logo afastada por seus problemas técnicos. Mesmo assim, consegue se fazer útil na “Tropa de Elite” de Joel Santana e como reserva imediato do time Hexacampeão Brasileiro de 2009, quando chega a ser titular na reta final, em lugar do lesionado Maldonado. No entanto, não resiste à turbulenta temporada seguinte e é negociado.

JAÍLTON (2007-2008)
O treinador Ney Franco resolve indicar alguns jogadores de sua confiança, todos egressos do Ipatinga-MG, onde montou uma base vitoriosa que chegou ao título mineiro em 2005. Um desses nomes é o pesado volante Jaílton, jogador de marcação forte, bom jogo aéreo e notável falta de talento. Jaílton é bastante utilizado na campanha do título estadual de 2007, mas só conquista a posição de titular no segundo semestre, já com Joel Santana, quando o jovem Rômulo se lesiona. Sua presença no time é tida como fundamental para proteger a dupla de zaga, especialmente Fábio Luciano, que, com problemas físicos, não reúne mais velocidade para atuar no combate direto. Jaílton é poupado pela torcida nas vitoriosas campanhas do Brasileiro-07 e do Estadual-08, mas quando a relação azeda (em decorrência da tragédia da Libertadores), Jaílton começa a ser perseguido, a despeito de sempre mostrar dedicação em campo. O torcedor, impaciente, passa a não tolerar as falhas individuais recorrentes do volante, e não raro chega a vaiá-lo durante os 90 minutos. O clímax se dá com os erros no empate contra o Goiás, no Maracanã (3-3, após o time abrir três gols), que praticamente selam sua passagem na Gávea. Ao final da temporada, é liberado para procurar outro clube.


Boa semana a todos,