1987.
CAMPEONATO BRASILEIRO. FINAL
O
embalado Flamengo e o traiçoeiro Internacional demonstram mútuo
respeito nos bastidores, evitando declarações mais contundentes. O
treinador colorado Ênio Andrade exalta a “competitividade” e o
“equilíbrio” do rubro-negro, enquanto Carlinhos, técnico
flamengo, pede “cuidado” contra um time particularmente perigoso
em jogos eliminatórios.
O tom
ameno é seguido por Zico, Andrade, Bebeto, Taffarel, Luiz Carlos
Winck, Amarildo, enfim, as referências dos dois elencos. Até que
alguém resolve entrevistar Renato: “Ah, vamos parar com isso. O
time do Internacional, para se tornar forte, precisa de uns seis
reforços. Não somos o Cruzeiro (em referência ao adversário
eliminado pelos gaúchos nas Semifinais). O colorado pode perder as
esperanças. Já deu pra eles.”
O
Flamengo, após empate no Beira-Rio (1-1), derrota o adversário no
Maracanã (1-0) e se sagra tetracampeão brasileiro. Renato é o
melhor em campo no jogo em Porto Alegre, protagonizando as principais
jogadas, dando uma assistência e respondendo às vaias, xingamentos
e objetos arremessados com sorrisos debochados, gestos provocativos e
tapas no peito mostrando o escudo.
1990.
COPA DO BRASIL. SEMIFINAL
Nem mesmo
a folgada vantagem obtida no jogo de ida (3-0 no Maracanã) tira do
Flamengo o foco para a esperada “guerra” nos Aflitos, contra um
Náutico que irá jogar a vida nas Semifinais da Copa do Brasil. O
adversário está inflamado e mordido com as tentativas, tornadas
infrutíferas, do rubro-negro de transferir a partida para o Arruda.
Irá lotar o alçapão e gritar a plenos pulmões pelo milagre. Outro
dia, pela mesma competição, o Goiás empurrou 4-0 no Cruzeiro. Os
alvirrubros acreditam serem capazes de fazer algo parecido.
E o
milagre parece mais palpável quando o Náutico abre o placar aos
10', enlouquecendo o estádio. Pouco depois, uma bola alçada e uma
cabeçada na trave. O Flamengo parece grogue. É o momento certo em
que os grandes jogadores precisam aparecer. Renato vai pro meio, pede
bola, livra-se de um contrário e abre para Djalminha dar um corte
pro lado e emendar a bomba, empatando o jogo. Ainda na primeira
etapa, Renato cai para a esquerda, senta um defensor no chão, põe a
bola entre as canetas de outro e segue em direção à área. Na
saída do goleiro, manda um toquinho de bico, no canto. É o gol da
virada e da classificação, que congela o estádio. No segundo
tempo, diante de um Náutico entregue, o Flamengo transforma a guerra
em um amistoso, tocando bola sem pressa. Ainda leva o empate a um
minuto do fim, mas a vaga para a final já está no bolso com os 2-2.
1993.
COPA LIBERTADORES. PRIMEIRA FASE
O
Internacional contrata vários jogadores para a Libertadores, à qual
se classificou por ter conquistado a Copa do Brasil no ano anterior.
Está motivado e se julga apto para, enfim, conquistar o torneio
continental que julga ser sua obsessão. A estreia se dará contra o
Flamengo, campeão brasileiro e adversário direto pela briga por uma
das vagas de um forte grupo que ainda conta com os temidos
colombianos Nacional (Medellín) e América (Cali).
O
Flamengo espera uma guerra no Beira-Rio, mas nenhum aparato parece
ser suficiente para a língua de Renato. O atacante concede longa
entrevista enaltecendo sua capacidade de provocar e perturbar a
torcida colorada. Apela para que os gaúchos lotem o estádio, pois
gosta de vencer em campo cheio. Narra que possui um longo histórico
de vitórias contra seu “freguês”. E avisa que irá repetir o
gesto já tornado tradicional, mandando a torcida silenciar após um
gol seu.
O
Internacional, como esperado, entra mordido e apela mesmo para
jogadas violentas. Mas não supera um Flamengo mais bem postado e
entrosado (manteve boa parte da base do ano anterior). Renato, ainda
fora de forma, entra na segunda etapa e, como esperado, bagunça a
defesa gaúcha e cria algumas chances, apesar (ou por causa) das
vaias inclementes. Mas o jogo termina mesmo em um 0-0 que é tido
como conveniente pelo Flamengo. O rubro-negro acabará se
classificando e o Inter ficará pelo meio do caminho.
1993.
SUPERCOPA LIBERTADORES. SEMIFINAIS
A maioria
dos prognósticos aponta para, na melhor das hipóteses, severas
dificuldades a serem enfrentadas pelo Flamengo no jogo de volta
contra o Nacional, de Montevideo, no mitológico Estádio Centenário.
Com efeito, o rubro-negro vencia por confortáveis 2-0 no jogo de ida
(disputado no Pacaembu), mas sofreu um gol bobo nos descontos,
esfarelando sua vantagem para o árduo confronto decisivo.
O
Nacional, que possui um bom time (base da Seleção Uruguaia e
razoável campanha na Libertadores), começa o jogo pressionando
muito, exigindo grandes defesas de Gilmar. Aos poucos, o Flamengo vai
colocando a bola no chão e conseguindo encaixar o contragolpe,
especialmente nas investidas de Renato. No final do primeiro tempo,
abre o placar, numa cabeçada de Nélio. Na volta do intervalo, o
Flamengo surpreende o adversário, ao tomar a iniciativa do jogo de
forma agressiva. Numa bola esticada, o lateral Marcos Adriano divide
com o goleiro Jorge Sere e na sobra Renato acerta belíssima
cabeçada, encobrindo Sere e ampliando o marcador. O Flamengo ainda
marcará mais um gol, o que será demais para o fanático torcedor
uruguaio, que decretará, a pedradas, o final da partida. Com os 3-0,
o Flamengo está na Final da Supercopa.
1993.
SUPERCOPA LIBERTADORES. FINAL
O
Flamengo, às voltas com partidas decisivas na Supercopa e no
Brasileiro, e com poucas opções de elenco, vive uma cruel maratona
de jogos, também compartilhada pelo adversário, que leva vantagem
por priorizar algumas partidas e rodar melhor o elenco. Após um
empate (2-2) no Maracanã (obtido “graças” a uma expulsão
infantil de Júnior Baiano), o Flamengo chega a um Morumbi lotado na
condição de azarão, para a disputa da Final da Supercopa.
Mas não
é o que se vê assim que a bola rola. Empurrado por Renato, o
rubro-negro toma a iniciativa e, atuando com bravura e coragem,
domina completamente o jogo, impondo-se ao premiado São Paulo de
Telê em pleno terreno adversário. Já aos 9', abre o placar com
Renato, de cabeça. O atacante, que está em dia iluminado, sente-se
inteiramente confortável em campo. Os grandes jogos são seu
bálsamo. Renato inferniza a dupla de zaga são-paulina, cria
chances, perde gols, é a cara e a alma de um Flamengo guerreiro,
valente.
Mas no
segundo tempo o time sucumbirá ao cansaço. Não suportará o ritmo
forte do jogo. Recuará. Sofrerá com a saída de Renato, esgotado. E
amargará um empate (2-2) que ainda será conquistado com ardor, em
um chute forte de Marquinhos quando o fim parecia iminente. Fim esse
que, à guisa de castigo, desvendar-se-á em uma cruel cobrança de
pênaltis. A derrota de um time que jogou como campeão.
1993.
CAMPEONATO BRASILEIRO. SEGUNDA FASE
Com um
time já dando evidentes sinais de esgotamento físico, o Flamengo
simplesmente se recusa a aceitar a iminente eliminação do
Brasileiro. Os jogos finais se sucedem com inacreditável constância:
no início o rubro-negro impõe sua capacidade técnica superior e
abre vantagem, para cedê-la na segunda etapa, fatigado e sem
condições de suportar a pressão do adversário. E assim o time
perde pontos preciosos para Corinthians, Santos e Vitória.
A tabela
marca uma partida contra o Corinthians, no Morumbi. É um jogo “de
vida ou morte” para as duas equipes, que jogam suas últimas fichas
na competição. O adversário, com campanha irretocável até então,
é o favorito. Mas o Flamengo desconhece a obscuridade. Sem negar sua
índole, parte para cima do adversário, encurrala o pretenso
protagonista, silencia o estádio.
Mas há,
além do forte oponente de Viola e Rivaldo, outro elemento relevante.
Renato Marsiglia erra praticamente todos os lances duvidosos
capitais. “Estranhamente”, sempre contra o Flamengo. E assim
Renato leva uma patada nos minutos iniciais, dentro da área. Segue o
jogo. Um impedimento absurdo bloqueia o que seria um gol flamengo. Na
segunda etapa, Rivaldo dá uma voadora em Gilmar, que salta e evita o
choque e, irritado, vai tomar satisfações. O árbitro, rigoroso e
alerta para coibir o antijogo, expulsa... Gilmar.
Mas,
quando uma equipe possui o espírito da vitória talhado em suas
entranhas, não se rende. Jogando com dez, diante de um estádio
cheio, um adversário em melhor momento, um árbitro parcial e ainda
lutando no limite de suas forças físicas, o Flamengo jamais se
deixa dominar, entregar. Renato, enquanto tem pernas, segue chamando
o jogo, desfilando em seu salão de festas, exibindo seu protagonismo
e sua vocação para os grandes momentos. Marca um belo gol, perde
outros tantos, cria oportunidades. Até o final, mesmo extenuado,
empurrará o Flamengo para cima do adversário e o rubro-negro, numa
derradeira oportunidade clara, por pouco não sairá com a vitória.
No fim, o 2-2, que acaba sendo ruim para as duas equipes, será
saudado com os justos aplausos de quem presenciou o melhor jogo
daquela competição.
Seis
exemplos. Em todos, Renato. Mas aqui não importa o protagonista.
Importa o protagonismo. Grandes momentos de glórias, vitórias, ou
ao menos luta, bravura, honra. Atitude e coragem. Passagens em que o Flamengo foi
grande, se fez grande, se percebeu grande. Que ganhou, que perdeu, que soçobrou, que conquistou. Sempre como grande.
Mas se se
quer grande, há que se pensar grande.
Boa
semana a todos.