Um ano.
Vai fazer
um ano que ele estreou. Uma noite de festa que já soa longínqua,
distante, enevoada em meros e fugazes espasmos de reminiscência que
hoje recendem a melancolia. Frustração. Decepção.
A torcida
comemorou tanto quando ele chegou...
O anúncio
de sua contratação, decorrente de uma operação tão ousada quanto
inesperada, rebentou como uma bomba nos meios esportivos de todo o
país. Jogador de ponta, vitorioso, currículo de campeão do mundo. Era o símbolo de um Flamengo grande, gigante, que voltava aos
seus melhores dias de predador. Um Flamengo que tornaria a disputar,
e a ganhar, competições nacionais, continentais, mundiais.
Essa era
a ideia. Desde a apresentação.
A crônica
esportiva, atônita, perdia-se em digressões aturdidas: “como vai
pagar?”, “isso é loucura, não há dinheiro”. Outros
ponderavam que um círculo virtuoso poderia ser gerado, pois craque
traz gols, títulos, chama a torcida pro campo, faz o adepto comprar,
consumir, ostentar sua paixão.
Um ano.
Não houve conquistas, não houve títulos, não houve sucesso. E
pouca gente comprou, consumiu, ostentou.
O
goleador foi recebido com euforia. Desfrutou do carinho de um
torcedor carente de ídolos. Ganhou musiquinha. Recebeu todas as
demonstrações de afeto possíveis, quase de idolatria. Tudo parecia
caminhar para uma sintonia fina, uma troca de energia que
catapultaria o time ao êxito.
Mas não
foi bem assim.
O time
passou longe do protagonismo. No Estadual, sofreu com a
irregularidade e a incapacidade de derrotar um rival e colocar fim a
uma incômoda sequência de reveses contra o adversário que, com um
punhado de jogadores rejeitados em outros centros, foi mais
competitivo e ergueu a taça. No Brasileiro a coisa foi ainda pior,
um elenco limitado, desunido, desmotivado e coalhado de problemas
extracampo simplesmente não foi capaz de transpor as camadas
intermediárias da tabela, lá chafurdando até o final da
competição.
Houve o
desempenho em clássicos. O torcedor é muito cioso de sua
superioridade nos jogos contra os rivais regionais. No entanto, no
último ano o Flamengo, nos dez embates com a presença da estrela em
campo, conseguiu aproveitamento de apenas 30%, com o craque marcando
em apenas três desses jogos. Muito pouco para quem erigiu reputação
de “goleador de jogo grande”.
Analisando
os números, no entanto, não há que se falar em desempenho
“sofrível”. O goleador manteve a média de gols registrada na
carreira, repetindo a performance auferida em outros clubes. Decidiu
alguns jogos, viveu até bons momentos. Individualmente, de certa
forma, contribuiu dentro do escopo que permeou sua carreira, embora o
desempenho no Brasileiro tenha sido fraco até para seus padrões.
Mas, coletivamente, não pareceu capaz de conduzir o Flamengo às
conquistas e aos títulos que se julgava e se esperava lograr.
Aterrada, uma Nação começou a perceber que seu heroi não reunia
estofo para ser o comandante, o líder da travessia à glória.
Em que
pese sua personalidade forte, dura, a estrela mostrou-se de caráter
arredio, taciturno, excessivamente quieto. Em alguns momentos, mesmo
certa melancolia e introspecção pareciam dar o tom. Os gols
comemorados com discrição faziam supor infelicidade, incômodo.
“Ele se cobra muito, está triste porque os resultados não estão
vindo”, alguns apunham. E a Nação, antes de braços abertos,
retraiu-se diante do craque em crise, estrela única em um plantel de
coadjuvantes de nível menor.
O
extracampo. O excesso de lesões, que o tirou de vários jogos
importantes. As suspeitas de problemas de relacionamento com outros
jogadores, os rumores de brigas com alguns companheiros. Mesmo boatos
de boicote, como em uma derrota em que o time andou em campo pelo
Brasileiro sem lhe passar a bola. A inquietação e o relacionamento
conturbado com alguns dos muitos treinadores que passaram pelo
comando técnico nesses doze meses. Enfim, a série de polêmicas
envolvendo seu nome fazendo crer que talvez sua convivência no
vestiário não fosse tão harmônica, enfim. Talvez pelo fato de
auferir o maior salário do elenco e não estar entregando os títulos
prometidos.
E as
chacotas. O que fere e sangra a alma do torcedor flamengo é a
bazófia. A humilhação. A vergonha. O rubro-negro acreditou em um
time vencedor, recebeu de volta derrotas doloridas, contundentes.
Alguns flamengos ilustres torcem a cara para o craque, “é o
símbolo maior de um time sem identificação com nossas raízes”.
Ironicamente, os dois melhores jogos recentes do Flamengo (uma virada
histórica fora de casa e uma goleada em um clássico) aconteceram
sem sua presença em campo. Dois jogos em que o time correu, brigou,
buscou. Que foi, ainda que por escassos momentos, Flamengo.
Doze
meses se passaram. Algo frustrada, a diretoria já não parece
refratária à corredeira de sondagens que inunda os telefones da
Gávea interessada nos gols da estrela. O próprio craque não parece
indiferente à ideia de sair, embora dê sinais, em sua vida pessoal,
de que pretende permanecer no Rio.
No
entanto, as duas partes reconhecem que algo deu errado. Que algo está
errado. E que é necessário aplicar vários elementos de correção,
se se pretende prolongar a relação com o clube. Um novo período se
inicia. Acredita-se melhor, embora haja consistentes razões para o
ceticismo.
1996 está
no início. E Romário, enfim, estreará de verdade.