quarta-feira, 1 de junho de 2016

Alfarrábios do Melo

Saudações flamengas a todos,

Hoje publico o segundo e último texto da série que trata do histórico recente de alguns treinadores que passaram pela Gávea, agora abordando alguns treinadores “de fora”, com carreiras construídas em outros clubes antes de chegarem ao Flamengo.

Boa leitura e reflexão.

* * *

OS TREINADORES “DE FORA”

QUANDO DÁ CERTO

TELÊ SANTANA (1988-1989)
Experiente, rodado, com vários títulos (nenhum deles recente, o que lhe valeu fama de “pé-frio”) e duas Copas do Mundo na bagagem, chegou ao Flamengo após um trabalho muito bem sucedido no Atlético-MG. No rubro-negro, propôs desenvolver uma linha simples, ancorada nos valores do clube: futebol ofensivo, vibrante e com vasto aproveitamento da base, considerada bastante talentosa. Após uma fantástica sequência inicial, padeceu com lesões e convocações, mas com um time cheio de jovens conseguiu arrancar para uma improvável classificação às Quartas do Brasileiro, do qual foi eliminado depois de uma parada que quebrou o bom momento. No Estadual conseguiu encaixar todos os jogadores mais técnicos na equipe, montando um time de jogo deslumbrante, que empilhou goleadas, vitórias contundentes e o título invicto da Taça Guanabara (a torcida, eufórica, chegou a pedi-lo de volta na Seleção). Mas o assédio europeu aos principais jogadores, a falta de variação tática e a perda de foco custaram o título. Depois, veio o terremoto causado pela saída de Bebeto e o já esperado desmanche. Com reforços de perfil inteiramente distinto (a maioria medalhões), não conseguiu remontar a equipe a curto prazo. A gota d'água foi o previsível atrito com um desses reforços, o então desafeto Renato Gaúcho. Mas sua passagem pelo Flamengo pode ser considerada positiva, por ter lançado jogadores como Marquinhos, Marcelinho e Júnior Baiano e consolidado nomes como Aldair, Alcindo e Zé Carlos II.

PAULO AUTUORI (1997-1998)
Um Flamengo desacreditado, abalado emocionalmente, às portas da zona de rebaixamento e sofrendo com a perda de seu melhor jogador, Romário (que retornou ao Valencia após empréstimo). Obstáculos que o tranquilo e estudioso Paulo Autuori soube contornar, através de carinho, conversa e de um trabalho onde conseguiu aproveitar o melhor das peças de que dispunha. Com um elenco onde o único atacante de área era o inconstante veterano Renato Gaúcho (que não tinha condições de jogar 90 minutos) conseguiu a 5ª posição do Brasileiro, fazendo funcionar um time compacto e muito veloz, onde despontavam nomes como Lê, Luís Alberto, Iranildo, Lúcio, Evandro e Sávio, além de Júnior Baiano, cujas atuações lhe valeram a convocação para a Copa do Mundo.
No ano seguinte, não conseguiu remontar o time tendo à mão um pacote de reforços (Romário, Rodrigo Fabri, Zé Roberto, Cleisson e Palhinha). Sua filosofia solidária foi repelida pelas novas lideranças, e, sem controle do vestiário, rapidamente perdeu o cargo. O restante da temporada (sob o comando de diversos treinadores) revelou-se um fiasco, o que motivou a retomada de elementos da filosofia de Autuori no trabalho que se iniciaria em 1999, especialmente na utilização das divisões de base.

ZAGALLO (2000-2001)
Assumiu um clube em crise, devastado pela falta de controle administrativo e pelo caos no vestiário. Experiente e já conhecedor das coisas flamengas (havia realizado um ótimo trabalho em 1972-73 e uma boa passagem em 1984-85), o Velho Lobo esvaziou algumas lideranças, deu espaço a jogadores relegados (como Petkovic, que andava às turras com o antecessor, Carlinhos) e promoveu alguns jovens, como o novato Adriano. Em sua estreia, amassou o favorito Vasco com contundentes 4-0, saindo do Maracanã aos prantos, o que sensibilizou a torcida. Deu ao Flamengo, que acumulava vexames, um final relativamente digno no Brasileiro.
No ano seguinte, apesar dos sérios problemas de relacionamento que se agravavam, conseguiu unir o elenco em torno do ideal do tricampeonato. Soube montar uma equipe competitiva, lastreada nos desafetos Edilson e Petkovic. O antológico final do Estadual criou um efeito tão violento que impulsionou o rubro-negro à conquista da Copa dos Campeões, vencendo categoricamente adversários tidos como favoritos. A vaga precoce à Libertadores iludiu e acomodou o elenco, que, desinteressado e desmotivado, “brincou” perigosamente estacionado na zona de rebaixamento do Brasileiro. Quando acordou, já era tarde para Zagallo, que não conseguiu reanimar um grupo já inerte. Sua saída acabou se mostrando necessária para impedir a tragédia.

NEY FRANCO (2006, 2007)
Após excelente trabalho no modesto Ipatinga, que ao derrotar, entre outros, o Botafogo e o Santos de V.Luxemburgo, chegara às Semifinais da Copa do Brasil, onde por pouco não eliminou o favorito Flamengo, o ex-auxiliar técnico do Cruzeiro Ney Franco acabou sendo surpreendentemente contratado pelo próprio rubro-negro, pouco antes do intervalo da Copa do Mundo, antes das finais da competição nacional. Assumiu sob intensa pressão, seja por conta dos bons resultados do antecessor Waldemar Lemos, seja em função dos alegados problemas de relacionamento no elenco (o que, segundo a diretoria, teria sido o estopim para a demissão de Waldemar), ou mesmo pelo fato de ser um treinador, posto que elogiado, ainda desconhecido, de currículo tido como insuficiente para assumir um clube como o Flamengo.
Mas Ney Franco surpreendeu. Nos primeiros jogos, pelo Brasileiro, arrancou bons resultados. Soube aproveitar a parada da Copa para testar novas variações táticas. Implantou o esquema de três zagueiros, dando absoluta liberdade aos laterais Léo Moura e Juan, destaques da equipe, transformados em alas. Promoveu (segundo alguns, após ser “convencido” pela diretoria) o jovem Renato Augusto. E montou uma equipe sólida, que derrotou com inusitada tranquilidade o Vasco, considerado favorito, levando a Copa do Brasil. A conquista deu a Ney Franco paz para seguir seu trabalho.
No ano seguinte, as limitações do elenco, algumas delas motivadas por erros de avaliação do treinador (que manifestou excessiva insistência na contratação de jogadores egressos do Ipatinga, a tal “República do Pão de Queijo”), foram minando seu prestígio. Conseguiu conquistar, aos trancos, o Estadual, mas o fracasso na Libertadores (onde foi abertamente confrontado pelo experiente Juninho Paulista) e a forte desmotivação daí decorrente fulminaram sua passagem. Seu jeito tranquilo e conciliador não conseguiu mais transmitir vibração e entrega em um momento de forte crise. Assim, após cerca de um ano e dois títulos, deixou o clube.

JOEL SANTANA (2005, 2007)
Decadente, ultrapassado, obsoleto. Esses eram alguns dos adjetivos com os quais o controverso Joel Santana era brindado em fins de 2005, após ser demitido do Brasiliense. Com efeito, após passagens ruins por Vitória, Internacional e Guarani, e a desastrosa experiência no Vasco (onde protagonizou “façanhas” como a eliminação da Copa do Brasil, em São Januário, para o Baraúnas do quarentão Cícero Ramalho, históricos 0-3), Joel parecia caminhar para a aposentadoria, quando apareceu o convite do Flamengo.
O rubro-negro vivia o fundo do poço. Parecia contar os dias para que fosse decretado um inédito e vergonhoso rebaixamento, o qual reunia, segundo os especialistas, cerca de 90% de chances de acontecer. Rejeitado e quase hostilizado pela torcida, Joel (que conhecia o Flamengo, escorado por duas passagens anteriores) conseguiu fechar um elenco desunido e, jogo a jogo, ponto a ponto, logrou uma arrancada histórica, com seis vitórias em nove jogos, num aproveitamento de 78% , salvando o time do descenso.
Mas, esperto, soube capitalizar o sucesso, aceitando, apesar dos apelos da torcida, uma proposta para treinar um clube da Segunda Divisão japonesa.
Em 2007, após retornar ao Brasil e protagonizar mais um trabalho ruim, dessa vez no Fluminense, Joel voltou ao Flamengo, mais uma vez para tirar o clube da incômoda zona do rebaixamento. Seu estilo vibrante sacudiu o marasmo que infestava a Gávea. Recebeu alguns reforços que qualificaram dramaticamente o elenco. Montou uma equipe sólida, competitiva e aguerrida, carinhosamente apelidada “Tropa de Elite”. Conseguiu aproveitar a sequência de jogos no Maracanã. E protagonizou uma façanha ainda maior que a de 2005, levando o time da lanterna à Libertadores, com o terceiro lugar na competição. Mais que isso, incendiou o Brasileiro, fazendo do Flamengo o “nome do campeonato”, com prestígio nas alturas. Dessa vez, resolveu permanecer para o ano seguinte. E, ao contrário de passagens anteriores, mostrou maturidade, trabalhando com reforços que efetivamente melhoraram e deram consistência ofensiva ao time. Conquistou, até com certa sobra, o Bi Estadual, e marchava para uma campanha brilhante na Libertadores, quando, repetindo prática usual na carreira, anunciou a saída do clube antes do fim da competição continental (foi treinar a Seleção Sul-Africana), o que derrubou (como no Fluminense-1995) mentalmente o elenco antes de uma partida decisiva. Acabou sendo marcado pela traumática eliminação.


QUANDO DÁ ERRADO

ANTONIO LOPES (1987)
Chegou para a disputa da Taça Rio, após um choque entre Lazaroni e as lideranças do vestiário rubro-negro, o que gerou o diagnóstico, por parte da diretoria, da necessidade da chegada de um nome “linha-dura”. No início funcionou. O time engatou uma sequência de várias vitórias seguidas, mas quando parecia marchar para o título do turno acabou tropeçando no Bangu e perdeu fôlego. Ainda conquistaria o Terceiro Turno, na esteira do retorno de Zico, após quase um ano de inatividade. Mas a perda do Estadual amplificou o desgaste com algumas referências do elenco. Pediu à diretoria o afastamento de Adílio (que acabou dispensado após fim do contrato) e responsabilizou publicamente o zagueiro Leandro pela perda do título. Após uma excursão de resultados desastrosos (onde pipocaram rumores de boicote de alguns jogadores), já chegou ao Brasil sem o controle do elenco. A queda, inevitável, foi apenas protelada, consumando-se depois de uma vergonhosa derrota na estreia do Brasileiro, em uma atuação apática contra o São Paulo. Ao menos deixou um legado, pois a escalação que concebeu com a presença de Zico foi utilizada como ponto de partida para o sucessor Carlinhos conquistar o tetra brasileiro.

CANDINHO (1988)
Choque de competitividade. Essa foi a solução concebida pela diretoria para reerguer o ânimo de uma equipe abatida e desmotivada com a perda do Estadual. O nome escolhido foi o de Candinho, treinador com histórico recente de bons trabalhos no futebol paulista. Mas a Candinho, recebido com festa, pompa e circunstância, faltou certa prudência. De pronto, promoveu a barração dos experientes Leandro e Edinho, o que motivou a rescisão contratual do segundo (que brilharia na zaga do Fluminense e, mais tarde, do Grêmio). Num jogo contra o Vasco, sacou Zico prematuramente de campo, o que irritou a torcida e parte dos dirigentes. Indicou vários jogadores egressos do futebol de São Paulo, completamente sem identificação com o Flamengo. Mandou buscar do Japão o veterano Darío Pereyra, decisão interpretada como incoerente, uma vez que apregoava a necessidade de montar uma zaga jovem e rápida. Após uma magra vitória sobre o Corinthians (1-0) no Maracanã, declarou abertamente não poder fazer “milagre” com o “parco” material humano de que dispunha. Esses e outros incidentes lhe solaparam rapidamente o ambiente na Gávea. O clímax aconteceu no empate contra o Santa Cruz (2-2) no Maracanã, em que insultou publicamente o goleiro Cantarele, que falhara na partida. Candinho, já fortemente pressionado, sinalizou positivamente a uma sondagem do Oriente Médio e se desligou. Não deixou saudades.

VALDIR ESPINOZA (1989-1990)
O ótimo trabalho realizado no Botafogo, em que conduziu um elenco bastante limitado à conquista de um Estadual que o clube não ganhava há 21 anos, chamou a atenção de vários clubes grandes e mesmo da Seleção Brasileira (chegou a ser cogitado para o lugar de Lazaroni, em baixa na época). Com o mau início do alvinegro no Brasileiro, acabou sendo desligado e rapidamente contratado pelo Flamengo, que o sondava desde o início da competição (segundo alguns, sob forte lobby do atacante Renato, amigo pessoal do treinador). Espinoza realizou um trabalho opaco, com dificuldades para encaixar veteranos como Júnior e Zico a jogadores lentos/técnicos como Nando, Renato Carioca e Fernando. Terminou por usar o Capacete na posição de líbero. A campanha no Brasileiro foi medíocre, com destaque apenas para as vitórias nos clássicos contra Vasco (2-0, o jogo do Bujica) e Fluminense (5-0, na despedida de Zico). Em que pese ter lançado jovens como Bujica e Luís Carlos, nunca escondeu sua preferência por jogadores rodados e experientes. No ano seguinte, com um time recheado de medalhões, naufragou na Taça Guanabara, o que, com o sucesso dos juniores na Copa São Paulo, acendeu pesada pressão pela utilização da base. Irritado, denunciou aos jornais estar sendo “boicotado” por “setores” ligados aos dirigentes dos juniores. Acabaria recuando, mas já era tarde. Sem clima, arrastou-se pela Taça Rio e acabou demitido após o Estadual, onde, com o 4º lugar, realizou a pior campanha rubro-negra em 14 anos.

CELSO ROTH (2005)
Sem perspectivas de alívio financeiro, com um dos piores elencos de sua história e uma campanha simplesmente deprimente no Estadual, o Flamengo parecia fortíssimo candidato ao rebaixamento. Assustada e sem solução aparente de curto prazo, a diretoria resolveu apostar em um treinador com forte característica defensiva, visando à montagem de um time fechado, transpirante. Funcionou um pouco no início. Com jogadores como Rodrigo Arroz, André, Róbson, China e Emerson Geninho, o Flamengo colheu alguns resultados heróicos, como um 1-0 sobre o Figueirense em SC e um histórico 2-1, de virada, contra o estrelado Santos de Robinho, Deivid & Cia. Mas, com o decorrer dos jogos, Roth seria tragado pela absoluta indigência técnica do elenco. Com pouco mais a oferecer do que esforço e retranca, o treinador foi solapado pela sucessão de reveses que afundaram a equipe na zona de rebaixamento. Com 10 derrotas em 19 jogos, deu o lugar a Andrade. Que não mudaria muito o quadro.

CAIO JÚNIOR (2008)
Apesar de jovem, vinha chamando a atenção da crônica esportiva desde 2005, quando, comandando o desconhecido Cianorte, enfiou 3-0 no Corinthians num jogo de ida pela Copa do Brasil. No ano seguinte, levou o Paraná Clube à Libertadores, feito que quase repetiu no ano seguinte comandando o Palmeiras. A diretoria do Flamengo, lembrando a boa experiência com Ney Franco, decidiu apostar novamente em um treinador de perfil jovem. Mas, dessa vez, a aposta não funcionou.
Caio Júnior assumiu o Flamengo no vácuo deixado pela traumática eliminação da Libertadores e da saída repentina do carismático Joel Santana. No entanto, conseguiu aproveitar a boa base montada pelo antecessor, aprimorou a forma de jogar da equipe e, com um futebol bonito e vistoso, logo chegou à liderança do Brasileiro, tornando-se precocemente a sensação do campeonato. Emulando Joel, declarou-se balançado com uma suposta proposta do Oriente Médio, o que lhe valeu um gordo aumento salarial e o início do desgaste com o elenco. A janela de transferências levou peças importantes do time, e Caio Jr não conseguiu remontar o esquema, com as reposições, a tempo de seguir vivo na disputa do título. Para piorar, o treinador entrou em rota de colisão com alguns líderes do elenco e viu sua relação se deteriorar progressivamente. Na reta final, o Flamengo ainda reunia chances bastante concretas de se classificar para a Libertadores. A diretoria sinalizou sua permanência em caso de conquista do objetivo. No entanto, arrastando-se em campo nos últimos jogos, o Flamengo perdeu uma vaga que parecia encaminhada. E Caio Jr, o cargo.

CUCA (2009)

Deposto Caio Jr, a diretoria (segundo alguns, por retaliação à indolência do elenco) decidiu efetivar o controverso Cuca no comando do time, ao qual retornava após passagem ruim em 2005. Treinador que vinha apresentando bons trabalhos, com concepções táticas interessantes mas uma absoluta incapacidade de render em momentos decisivos, Cuca recebeu carta branca para remontar a equipe do Flamengo. Tentou reeditar o esquema 3.4.3, elogiado no Botafogo, mas o time não respondeu. Impaciente, Cuca logo entrou em atrito com Marcelinho Paraíba, Obina, Juan e outros jogadores. Após a eliminação da Taça Guanabara para o modesto Resende e uma derrota para o Vasco na Taça Rio, balançou no cargo. Mas o anúncio da aposentadoria do capitão Fábio Luciano uniu a equipe, que arrancou para o tri estadual, primeiro título da carreira do treinador. A essa altura, Cuca era apenas tolerado pelo elenco, e a chegada de Adriano azedou de vez a relação. Após algumas goleadas sofridas em circunstâncias estranhas, resistiu mais algum tempo, mas acabou deixando o cargo sob  o coro de “Adeus, Cuca” no Maracanã.