Saudações flamengas a
todos,
Hoje
publico o segundo e último texto da série que trata do histórico
recente de alguns treinadores que passaram pela Gávea, agora
abordando alguns treinadores “de fora”, com carreiras construídas
em outros clubes antes de chegarem ao Flamengo.
Boa
leitura e reflexão.
* * *
OS TREINADORES “DE
FORA”
QUANDO DÁ CERTO
TELÊ SANTANA
(1988-1989)
Experiente,
rodado, com vários títulos (nenhum deles recente, o que lhe valeu
fama de “pé-frio”) e duas Copas do Mundo na bagagem, chegou ao
Flamengo após um trabalho muito bem sucedido no Atlético-MG. No
rubro-negro, propôs desenvolver uma linha simples, ancorada nos
valores do clube: futebol ofensivo, vibrante e com vasto
aproveitamento da base, considerada bastante talentosa. Após uma
fantástica sequência inicial, padeceu com lesões e convocações,
mas com um time cheio de jovens conseguiu arrancar para uma
improvável classificação às Quartas do Brasileiro, do qual foi
eliminado depois de uma parada que quebrou o bom momento. No Estadual
conseguiu encaixar todos os jogadores mais técnicos na equipe,
montando um time de jogo deslumbrante, que empilhou goleadas, vitórias contundentes e o título invicto da Taça Guanabara (a torcida, eufórica, chegou a pedi-lo de
volta na Seleção). Mas o assédio europeu aos principais jogadores,
a falta de variação tática e a perda de foco custaram o título.
Depois, veio o terremoto causado pela saída de Bebeto e o já
esperado desmanche. Com reforços de perfil inteiramente distinto (a
maioria medalhões), não conseguiu remontar a equipe a curto prazo.
A gota d'água foi o previsível atrito com um desses reforços, o
então desafeto Renato Gaúcho. Mas sua passagem pelo Flamengo pode
ser considerada positiva, por ter lançado jogadores como Marquinhos,
Marcelinho e Júnior Baiano e consolidado nomes como Aldair, Alcindo
e Zé Carlos II.
PAULO
AUTUORI (1997-1998)
Um
Flamengo desacreditado, abalado emocionalmente, às portas da zona de
rebaixamento e sofrendo com a perda de seu melhor jogador, Romário
(que retornou ao Valencia após empréstimo). Obstáculos que o
tranquilo e estudioso Paulo Autuori soube contornar, através de
carinho, conversa e de um trabalho onde conseguiu aproveitar o melhor
das peças de que dispunha. Com um elenco onde o único atacante de
área era o inconstante veterano Renato Gaúcho (que não tinha
condições de jogar 90 minutos) conseguiu a 5ª posição do
Brasileiro, fazendo funcionar um time compacto e muito veloz, onde
despontavam nomes como Lê, Luís Alberto, Iranildo, Lúcio, Evandro
e Sávio, além de Júnior Baiano, cujas atuações lhe valeram a
convocação para a Copa do Mundo.
No ano
seguinte, não conseguiu remontar o time tendo à mão um pacote de
reforços (Romário, Rodrigo Fabri, Zé Roberto, Cleisson e
Palhinha). Sua filosofia solidária foi repelida pelas novas
lideranças, e, sem controle do vestiário, rapidamente perdeu o
cargo. O restante da temporada (sob o comando de diversos
treinadores) revelou-se um fiasco, o que motivou a retomada de
elementos da filosofia de Autuori no trabalho que se iniciaria em
1999, especialmente na utilização das divisões de base.
ZAGALLO
(2000-2001)
Assumiu
um clube em crise, devastado pela falta de controle administrativo e
pelo caos no vestiário. Experiente e já conhecedor das coisas
flamengas (havia realizado um ótimo trabalho em 1972-73 e uma boa
passagem em 1984-85), o Velho Lobo esvaziou algumas lideranças, deu
espaço a jogadores relegados (como Petkovic, que andava às turras
com o antecessor, Carlinhos) e promoveu alguns jovens, como o novato
Adriano. Em sua estreia, amassou o favorito Vasco com contundentes
4-0, saindo do Maracanã aos prantos, o que sensibilizou a torcida.
Deu ao Flamengo, que acumulava vexames, um final relativamente digno no Brasileiro.
No ano
seguinte, apesar dos sérios problemas de relacionamento que se
agravavam, conseguiu unir o elenco em torno do ideal do
tricampeonato. Soube montar uma equipe competitiva, lastreada nos
desafetos Edilson e Petkovic. O antológico final do Estadual criou
um efeito tão violento que impulsionou o rubro-negro à conquista da
Copa dos Campeões, vencendo categoricamente adversários tidos como
favoritos. A vaga precoce à Libertadores iludiu e acomodou o elenco,
que, desinteressado e desmotivado, “brincou” perigosamente
estacionado na zona de rebaixamento do Brasileiro. Quando acordou, já
era tarde para Zagallo, que não conseguiu reanimar um grupo já
inerte. Sua saída acabou se mostrando necessária para impedir a
tragédia.
NEY
FRANCO (2006, 2007)
Após
excelente trabalho no modesto Ipatinga, que ao derrotar, entre
outros, o Botafogo e o Santos de V.Luxemburgo, chegara às Semifinais
da Copa do Brasil, onde por pouco não eliminou o favorito Flamengo,
o ex-auxiliar técnico do Cruzeiro Ney Franco acabou sendo
surpreendentemente contratado pelo próprio rubro-negro, pouco antes
do intervalo da Copa do Mundo, antes das finais da competição
nacional. Assumiu sob intensa pressão, seja por conta dos bons resultados do antecessor Waldemar Lemos, seja em função dos alegados
problemas de relacionamento no elenco (o que, segundo a diretoria,
teria sido o estopim para a demissão de Waldemar), ou mesmo pelo
fato de ser um treinador, posto que elogiado, ainda desconhecido, de
currículo tido como insuficiente para assumir um clube como o
Flamengo.
Mas Ney
Franco surpreendeu. Nos primeiros jogos, pelo Brasileiro, arrancou
bons resultados. Soube aproveitar a parada da Copa para testar novas
variações táticas. Implantou o esquema de três zagueiros, dando
absoluta liberdade aos laterais Léo Moura e Juan, destaques da
equipe, transformados em alas. Promoveu (segundo alguns, após ser
“convencido” pela diretoria) o jovem Renato Augusto. E montou uma
equipe sólida, que derrotou com inusitada tranquilidade o Vasco,
considerado favorito, levando a Copa do Brasil. A conquista deu a Ney
Franco paz para seguir seu trabalho.
No ano
seguinte, as limitações do elenco, algumas delas motivadas por
erros de avaliação do treinador (que manifestou excessiva
insistência na contratação de jogadores egressos do Ipatinga, a
tal “República do Pão de Queijo”), foram minando seu prestígio.
Conseguiu conquistar, aos trancos, o Estadual, mas o fracasso na
Libertadores (onde foi abertamente confrontado pelo experiente Juninho Paulista) e a forte desmotivação
daí decorrente fulminaram sua passagem. Seu jeito tranquilo e
conciliador não conseguiu mais transmitir vibração e entrega em um
momento de forte crise. Assim, após cerca de um ano e dois títulos,
deixou o clube.
JOEL
SANTANA (2005, 2007)
Decadente,
ultrapassado, obsoleto. Esses eram alguns dos adjetivos com os quais
o controverso Joel Santana era brindado em fins de 2005, após ser
demitido do Brasiliense. Com efeito, após passagens ruins por
Vitória, Internacional e Guarani, e a desastrosa experiência no
Vasco (onde protagonizou “façanhas” como a eliminação da Copa
do Brasil, em São Januário, para o Baraúnas do quarentão Cícero
Ramalho, históricos 0-3), Joel parecia caminhar para a
aposentadoria, quando apareceu o convite do Flamengo.
O
rubro-negro vivia o fundo do poço. Parecia contar os dias para que
fosse decretado um inédito e vergonhoso rebaixamento, o qual reunia,
segundo os especialistas, cerca de 90% de chances de acontecer.
Rejeitado e quase hostilizado pela torcida, Joel (que conhecia o
Flamengo, escorado por duas passagens anteriores) conseguiu fechar um
elenco desunido e, jogo a jogo, ponto a ponto, logrou uma arrancada
histórica, com seis vitórias em nove jogos, num aproveitamento de
78% , salvando o time do descenso.
Mas,
esperto, soube capitalizar o sucesso, aceitando, apesar dos apelos da
torcida, uma proposta para treinar um clube da Segunda Divisão
japonesa.
Em 2007,
após retornar ao Brasil e protagonizar mais um trabalho ruim, dessa
vez no Fluminense, Joel voltou ao Flamengo, mais uma vez para tirar o
clube da incômoda zona do rebaixamento. Seu estilo vibrante sacudiu
o marasmo que infestava a Gávea. Recebeu alguns reforços que
qualificaram dramaticamente o elenco. Montou uma equipe sólida,
competitiva e aguerrida, carinhosamente apelidada “Tropa de Elite”.
Conseguiu aproveitar a sequência de jogos no Maracanã. E
protagonizou uma façanha ainda maior que a de 2005, levando o time
da lanterna à Libertadores, com o terceiro lugar na competição.
Mais que isso, incendiou o Brasileiro, fazendo do Flamengo o “nome
do campeonato”, com prestígio nas alturas. Dessa vez, resolveu
permanecer para o ano seguinte. E, ao contrário de passagens
anteriores, mostrou maturidade, trabalhando com reforços que
efetivamente melhoraram e deram consistência ofensiva ao time.
Conquistou, até com certa sobra, o Bi Estadual, e marchava para uma
campanha brilhante na Libertadores, quando, repetindo prática usual na carreira, anunciou a saída do clube antes do fim da competição
continental (foi treinar a Seleção Sul-Africana), o que derrubou
(como no Fluminense-1995) mentalmente o elenco antes de uma partida
decisiva. Acabou sendo marcado pela traumática eliminação.
QUANDO DÁ
ERRADO
ANTONIO
LOPES (1987)
Chegou
para a disputa da Taça Rio, após um choque entre Lazaroni e as
lideranças do vestiário rubro-negro, o que gerou o diagnóstico,
por parte da diretoria, da necessidade da chegada de um nome
“linha-dura”. No início funcionou. O time engatou uma sequência
de várias vitórias seguidas, mas quando parecia marchar para o
título do turno acabou tropeçando no Bangu e perdeu fôlego. Ainda
conquistaria o Terceiro Turno, na esteira do retorno de Zico, após
quase um ano de inatividade. Mas a perda do Estadual amplificou o
desgaste com algumas referências do elenco. Pediu à diretoria o
afastamento de Adílio (que acabou dispensado após fim do contrato)
e responsabilizou publicamente o zagueiro Leandro pela perda do
título. Após uma excursão de resultados desastrosos (onde
pipocaram rumores de boicote de alguns jogadores), já chegou ao Brasil sem o
controle do elenco. A queda, inevitável, foi apenas protelada,
consumando-se depois de uma vergonhosa derrota na estreia do
Brasileiro, em uma atuação apática contra o São Paulo. Ao menos
deixou um legado, pois a escalação que concebeu com a presença de
Zico foi utilizada como ponto de partida para o sucessor Carlinhos
conquistar o tetra brasileiro.
CANDINHO
(1988)
Choque de
competitividade. Essa foi a solução concebida pela diretoria para
reerguer o ânimo de uma equipe abatida e desmotivada com a perda do
Estadual. O nome escolhido foi o de Candinho, treinador com histórico
recente de bons trabalhos no futebol paulista. Mas a Candinho,
recebido com festa, pompa e circunstância, faltou certa prudência.
De pronto, promoveu a barração dos experientes Leandro e Edinho, o
que motivou a rescisão contratual do segundo (que brilharia na zaga
do Fluminense e, mais tarde, do Grêmio). Num jogo contra o Vasco,
sacou Zico prematuramente de campo, o que irritou a torcida e parte
dos dirigentes. Indicou vários jogadores egressos do futebol de São
Paulo, completamente sem identificação com o Flamengo. Mandou
buscar do Japão o veterano Darío Pereyra, decisão interpretada
como incoerente, uma vez que apregoava a necessidade de montar uma
zaga jovem e rápida. Após uma magra vitória sobre o Corinthians
(1-0) no Maracanã, declarou abertamente não poder fazer “milagre”
com o “parco” material humano de que dispunha. Esses e outros
incidentes lhe solaparam rapidamente o ambiente na Gávea. O clímax
aconteceu no empate contra o Santa Cruz (2-2) no Maracanã, em que
insultou publicamente o goleiro Cantarele, que falhara na partida.
Candinho, já fortemente pressionado, sinalizou positivamente a uma
sondagem do Oriente Médio e se desligou. Não deixou saudades.
VALDIR
ESPINOZA (1989-1990)
O ótimo
trabalho realizado no Botafogo, em que conduziu um elenco bastante
limitado à conquista de um Estadual que o clube não ganhava há 21
anos, chamou a atenção de vários clubes grandes e mesmo da Seleção
Brasileira (chegou a ser cogitado para o lugar de Lazaroni, em baixa
na época). Com o mau início do alvinegro no Brasileiro, acabou
sendo desligado e rapidamente contratado pelo Flamengo, que o sondava
desde o início da competição (segundo alguns, sob forte lobby do
atacante Renato, amigo pessoal do treinador). Espinoza realizou um
trabalho opaco, com dificuldades para encaixar veteranos como Júnior
e Zico a jogadores lentos/técnicos como Nando, Renato Carioca e
Fernando. Terminou por usar o Capacete na posição de líbero. A
campanha no Brasileiro foi medíocre, com destaque apenas para as
vitórias nos clássicos contra Vasco (2-0, o jogo do Bujica) e
Fluminense (5-0, na despedida de Zico). Em que pese ter lançado
jovens como Bujica e Luís Carlos, nunca escondeu sua preferência
por jogadores rodados e experientes. No ano seguinte, com um time
recheado de medalhões, naufragou na Taça Guanabara, o que, com o
sucesso dos juniores na Copa São Paulo, acendeu pesada pressão pela
utilização da base. Irritado, denunciou aos jornais estar sendo
“boicotado” por “setores” ligados aos dirigentes dos
juniores. Acabaria recuando, mas já era tarde. Sem clima,
arrastou-se pela Taça Rio e acabou demitido após o Estadual, onde,
com o 4º lugar, realizou a pior campanha rubro-negra em 14 anos.
CELSO
ROTH (2005)
Sem
perspectivas de alívio financeiro, com um dos piores elencos de sua
história e uma campanha simplesmente deprimente no Estadual, o
Flamengo parecia fortíssimo candidato ao rebaixamento. Assustada e
sem solução aparente de curto prazo, a diretoria resolveu apostar
em um treinador com forte característica defensiva, visando à
montagem de um time fechado, transpirante. Funcionou um pouco no
início. Com jogadores como Rodrigo Arroz, André, Róbson, China e
Emerson Geninho, o Flamengo colheu alguns resultados heróicos, como
um 1-0 sobre o Figueirense em SC e um histórico 2-1, de virada,
contra o estrelado Santos de Robinho, Deivid & Cia. Mas, com o
decorrer dos jogos, Roth seria tragado pela absoluta indigência
técnica do elenco. Com pouco mais a oferecer do que esforço e
retranca, o treinador foi solapado pela sucessão de reveses que
afundaram a equipe na zona de rebaixamento. Com 10 derrotas em 19
jogos, deu o lugar a Andrade. Que não mudaria muito o quadro.
CAIO
JÚNIOR (2008)
Apesar de
jovem, vinha chamando a atenção da crônica esportiva desde 2005,
quando, comandando o desconhecido Cianorte, enfiou 3-0 no Corinthians
num jogo de ida pela Copa do Brasil. No ano seguinte, levou o Paraná
Clube à Libertadores, feito que quase repetiu no ano seguinte
comandando o Palmeiras. A diretoria do Flamengo, lembrando a boa
experiência com Ney Franco, decidiu apostar novamente em um
treinador de perfil jovem. Mas, dessa vez, a aposta não funcionou.
Caio
Júnior assumiu o Flamengo no vácuo deixado pela traumática
eliminação da Libertadores e da saída repentina do carismático
Joel Santana. No entanto, conseguiu aproveitar a boa base montada
pelo antecessor, aprimorou a forma de jogar da equipe e, com um
futebol bonito e vistoso, logo chegou à liderança do Brasileiro,
tornando-se precocemente a sensação do campeonato. Emulando Joel,
declarou-se balançado com uma suposta proposta do Oriente Médio, o que lhe valeu um gordo aumento salarial e o início do desgaste com o
elenco. A janela de transferências levou peças importantes do time,
e Caio Jr não conseguiu remontar o esquema, com as reposições, a
tempo de seguir vivo na disputa do título. Para piorar, o treinador
entrou em rota de colisão com alguns líderes do elenco e viu sua
relação se deteriorar progressivamente. Na reta final, o Flamengo
ainda reunia chances bastante concretas de se classificar para a
Libertadores. A diretoria sinalizou sua permanência em caso de
conquista do objetivo. No entanto, arrastando-se em campo nos últimos
jogos, o Flamengo perdeu uma vaga que parecia encaminhada. E Caio Jr,
o cargo.
CUCA
(2009)
Deposto
Caio Jr, a diretoria (segundo alguns, por retaliação à indolência
do elenco) decidiu efetivar o controverso Cuca no comando do time, ao
qual retornava após passagem ruim em 2005. Treinador que vinha
apresentando bons trabalhos, com concepções táticas interessantes mas
uma absoluta incapacidade de render em momentos decisivos, Cuca
recebeu carta branca para remontar a equipe do Flamengo. Tentou
reeditar o esquema 3.4.3, elogiado no Botafogo, mas o time não
respondeu. Impaciente, Cuca logo entrou em atrito com Marcelinho
Paraíba, Obina, Juan e outros jogadores. Após a eliminação da
Taça Guanabara para o modesto Resende e uma derrota para o Vasco na
Taça Rio, balançou no cargo. Mas o anúncio da aposentadoria do
capitão Fábio Luciano uniu a equipe, que arrancou para o tri
estadual, primeiro título da carreira do treinador. A essa altura,
Cuca era apenas tolerado pelo elenco, e a chegada de Adriano azedou
de vez a relação. Após algumas goleadas sofridas em circunstâncias
estranhas, resistiu mais algum tempo, mas acabou deixando o cargo sob o coro de “Adeus, Cuca” no Maracanã.