terça-feira, 31 de maio de 2016

Alma

Alma. Deriva do latim animu, que significa “o que anima”. O texto de hoje se iniciou numa discussão entre amigos sobre o que faltava ao “Flamengo da crise”, de duas semanas atrás, o time derrotado, queixo de vidro que não conseguia reagir. O que seria a alma ou a falta dela em campo. Discussão forte com opiniões firmes e perspectivas diferentes. Discussão das boas, com ânimos à flor da pele, diferente daquele time em campo, apático, que corria, mas “não se matava”... Somos Flamengo, queremos o bem, e somos amigos, portanto a sanguínea conversa apenas expunha nossos pontos de vista sobre o que se passa no departamento de futebol, no time.

A ilustração que inicia o texto é o exemplo do que me proponho a dizer no decorrer do mesmo: o FlaBasquete no gramado do Maracanã. Seria lindo uma final por lá. Já pensaram? Em linhas gerais, todos reconhecemos que falta alma, um algo mais no futebol, que nos passa uma sensação de baixíssima reatividade, falta de ímpeto, diversas sensações subjetivas. Quando perde e quando vence. Falta uma fagulha, vergonha, empenho, sei lá. Ou faltava. No domingo essa fagulha se acendeu, o time agiu diferente, mesmo depois do gol sofrido, onde não se desesperou e venceu com justiça e suor ao time da Ponte Preta, em Campinas, depois de muitos anos. Literalmente o time se “animou”.

Pensamos em aspectos do mundo do futebol e das arquibancadas para tentar definir o que falta ao Flamengo. Pensamos geralmente em conceitos como “personalidade”, “orgulho”, “sangue”, “vontade”, “conhecimento do que seja o clube”, “paixão” e outros mais. Pensamos em “alma”, me apeguei a “Alma”, título do texto e ao termo “senso coletivo”. Mas como tentar explicar de modo menos subjetivo? Difícil. Tentarei com as minhas limitações, visões de um torcedor. Penso que a “tal” alma é a soma de conceitos da vida cotidiana que também se aplicam ao futebol. Às explicações:

Concentração
  • Proporção em massa, volume ou número de moléculas do soluto em relação ao solvente ou à solução; riqueza;
  • Ato ou efeito de agrupar o que se acha disperso ou separado;
  • Ato ou efeito de se reunirem várias pessoas ou coisas num ponto determinado;
  • Ato ou efeito de orientar a atenção ou as energias para um tema ou objetivo determinado.

Todas as definições anteriores se aplicam, porém fico com a última, a questão da atenção ao que se pede, ao que deseja o treinador, mas durante os 90 minutos e os acréscimos. Em geral, nossos jogadores são dispersos, talvez relapsos e essa falta de atenção tem como punição gols sofridos por erros bobos individuais, como erros de passe e posicionamento e falta de senso coletivo. Um atleta concentrado procura se posicionar melhor para receber a bola. O único que faz isso com naturalidade é Cuellar.

Sobre o “ato ou o efeito de agrupar o que se acha disperso” ou o “ato ou efeito de se reunirem várias pessoas ou coisas num ponto determinado”, em linhas gerais é “focar”, a palavra da moda no futebol. Foco. Objetivo. O elenco deve rumar para o mesmo lado, corrigindo as rotas, treinando com maior eficiência, para que nos jogos o resultado apareça. Tem treinado bem? Não dá pra saber. Mesmo em com meses de temporada. É provável que não, mas por quê? Aí mesmo é que não dá pra saber... nós, torcedores. O clube tem a obrigação de saber para aonde está caminhando.

Sem treinador não vai poder ficar. Mas qual o perfil? Quem? Avançando no assunto e recuando no tempo, me parece uma equipe mal treinada. Antes pela falta de equipamentos e ferramentas que auxiliam no dia a dia dos atletas, hoje por conta da proposta de trabalho e do entendimento dos atletas sobre o jogo, sobre sua profissão. Não creio que Muricy seja burro, Oswaldo, Mano, Dorival e os outros que passaram. Existem treinadores melhores, lógico, mas são tão burros assim? Culpas divididas entre clube (dirigentes), elenco e treinador.

Dentro de campo, individualizando a questão, os atletas estão preparados? Penso que falta QI esportivo para alguns, entendimento sobre o jogo, sobre suas funções e isso resvala na concentração, detalhes que podem e decidem, as partidas. Um passe errado, uma marcação frouxa, um atacante livre, desatenção na bola parada... tudo isso é treinável. Quanto melhores preparados, menos desatentos estarão os jogadores. Passemos para outro conceito.

Intensidade
  • Intensidade (física) — variação do fluxo de energia no tempo de uma onda;
  • Intensidade (radiação) — valor do fluxo de energia por unidade de área x unidade de tempo;
  • Intensidade (transferência de calor) — medida da distribuição de fluxo de calor radiante por unidade de área e ângulo sólido;
  • Intensidade sísmica — medida qualitativa que descreve os efeitos produzidos por sismos na superfície terrestre.

A intensidade deve ser aplicada, transferida para o futebol como o “fluxo de energia” deixada no campo pelos jogadores, ainda entregue nos 90 minutos, todo o tempo. Também com o “fluxo de calor radiante” e a capacidade de contagiar aos companheiros de equipe e o “efeitos produzidos por sismos na superfície terrestre”, os adversários devem tremer em campo, com o sufoco imposto pelo time do Flamengo e sua torcida, no estádio ou não.

Para Léo Miranda, esse é o maior problema do Flamengo. Compartilho dessa visão. “O problema mora no coletivo, nos movimentos de quem não está com a bola. Poucas vezes se vê aproximação de quem está com a bola, criando linhas de passes para circular até quebrar as linhas do adversário. Isso tem nome: apoio. O Fla trabalha mal o apoio, e quando o faz, é no seu próprio campo ou sob marcação intensa. Resultado: o adversário nunca é desequilibrado e a bola sempre volta pra defesa”.

E Ainda: “Não adianta copiar o 4-3-3. Na prática, o mais importante é o modelo de jogo. No Barça, as ações acontecem em alta velocidade e a equipe inteira trabalha para criar espaços no adversário. Os treinamentos são curtos, com máxima intensidade e sempre focam em um aspecto tático do modelo de jogo”. Para terminar: “Tudo no Fla parece acontecer numa velocidade e concentração abaixo do normal: os passes não se transformam em gols, o adversário se fecha, a recomposição defensiva é lenta e a linha de defesa fica vulnerável, como Vasco e Fortaleza bem aproveitaram”. O vídeo abaixo demonstra essa falta de intensidade ofensiva, um time imóvel, previsível.

 O problema não é o esquema é a execução, o sistema de jogo é como se treina e se joga, principalmente. Me iludi com Muricy. Não pelo “mimimi Barcelunático”, como diria o Jamílton, frequente comentarista e blogueiro aqui do Buteco. Me iludi porque achei que o Muricy vencedor e pragmático daria tranquilidade ao Flamengo. Com vitórias simples. Precisamos de paz. Observando jogo e conceito, aprofundo com um cara que virei fã e recomendo, Caio Gondo, bogueiro do GE no Blog do torcedor do Atlético-PR. Um cara que fala de coisas que eu enxergava mas não conseguia exprimir.

Para o Caio Gondo, a intensidade “está relacionada com a velocidade de pensar sobre as jogadas realizadas e/ou as serem realizadas e, também, com a velocidade de execução dos movimentos dos jogadores”. [...] “Como a intensidade é composta pela velocidade e a concentração, a maneira a qual a equipe deve atuar sem a bola devem estar muito claro para que os jogadores realizem os movimentos os mais rápidos e precisos possíveis”. Ele diz que a intensidade está sempre com o time sem a bola. É ali que se enxerga a tal intensidade. Acho que este é o setor que mais sofre o Flamengo, sua recomposição defensiva é ruim, geralmente “bagunçado” por recompor mal, até pela falta de concentração e a cultura de se esperar a bola. Mais um aspecto treinável. Na ilustração abaixo ele demonstra exatamente isso (está no post dele). A organização é a chave e a repetição, o treinamento. Perdemos tempo.
Motivação
  • Deriva do Latim movere, mover.
  • Refere-se em psicologia, em etologia e em outras ciências humanas à condição do organismo que influência a direção (orientação para um objetivo) do comportamento. Em outras palavras é o impulso interno que leva à ação.

Motivação é algo que vem de dentro, é interno, do individuo. Por mais que tentemos, cada pessoa reage de uma maneira, porém precisamos de ferramentas para que essa motivação permaneça. Nós torcedores, não precisamos, somos apaixonados pelo Flamengo, mas como motivar profissionais? Essa questão da personalidade e do “perfil do elenco” é complicada. O time é quieto, calado, não se cobra. E a cobrança interna? Não há. Suspeito dessas questões. É o que transparece em campo. Mas nem tudo é o que parece...

Como já disse neste mesmo texto, pode ser falta de treinamento, erro de treinamento, erro de gestão do elenco, do contato entre as pessoas. Presumo que haja erro de gestão. Mas como assim, se o Flamengo é premiado, reconhecido como melhor gestão? O clube sim, o futebol, não. No futebol a coisa parece funcionar diferente, existem coisas que nos escapam. Se foi executado o investimento no elenco (mesmo com falhas de planejamento, como no caso do zagueiro), se foi executado investimento nas condições de trabalho (CT), o que falta? Gestão.

O basquete demonstra que falta é competência, gestão, processos, organização, cada vez mais... no basquete temos alma, identificação, simbiose entre time e torcida. O futebol é um “clubinho hermético” e que acha que se basta, um local fechado. Observo de fora e penso que alguma coisa está errada, mas o que é? Porque só os processos do futebol não “performam”? Há sim alguma falha de gestão de elenco, treinamento, nos processos internos. Pode faltar o “tal” gerente, mas isso é “um achar meu”. Mas o que isso tem a ver com motivação?

Quanto melhor preparado está o atleta (individual e coletivamente) mais motivado estará. A motivação vem também do senso coletivo de cada atleta, de sua importância para o elenco, para o time, suas obrigações e funções, clareza de ações. Lembremos da melhor atuação contra o Vasco esse ano. Alguém se recorda o que ocorreu antes? A famosa palestra do Bope. Estavam bem preparados para aquele jogo e a palestra foi apenas a fagulha. Bope, corporação, senso coletivo. Time e torcida (e clube) devem estar em sintonia.

Dessa motivação, vem algo importante para nosso clube, para o time em campo, a vibração. O Flamengo vibra, pulsa, mas como vibrar desmotivado? Vibração que se define como “sentimento ou manifestação de intensa alegria ou entusiasmo”. Vamos nos entusiasmar despreparados? A alegria vem com a vitória, é um ciclo, um círculo virtuoso, retroalimentador. Trabalho correto, vitórias, alegria. Parece simples, mas vimos que não é.

Estamos cansados de perder, vivemos de vitórias. Devemos nos preparar melhor para atingir aos objetivos e corrigir rotas para trilhar o caminho de vitórias que merecemos depois de tanto tempo. Merecemos. Fizemos todo o caminho, agora é acertar e colher. Lutando. Não considero este time sem sangue, sem vontade. Em 2016, vejo um elenco/time correndo e muito, porém de forma desorganizada. Confio no campeão da Copinha, Zé Ricardo. Seu time era bem organizado, não se entregava, estava tranquilo e motivado.

O Flamengo sub-20 de Zé Ricardo, campeão da Copinha, era o que a gente imaginava para o time profissional. Um time com alma. No último domingo enxerguei um time tranquilo, sem desespero. Depois do gol de empate controlou o jogo e não sofreu. Willian Arão disse ontem em coletiva que o novo treinador modificou e instruiu o elenco para a melhoria da saída de bola e do posicionamento. São aspectos importantes, mesmo que iniciais. Aspectos explicados por Caio Gondo e Léo Miranda. Precisamos de Alma. Alma para mim é Concentração + Intensidade + Motivação. Vitórias.