A história jamais se repete. Invoca-se fatos pretéritos para que
eventuais erros e acertos subsidiem contextos distintos. Estes, ainda
que semelhantes a momentos passados, sempre serão eivados de
especificidades que tornam inviável sua repetição “per se”,
mas, se bem estudados, poderão estimular o desenvolvimento de
eventuais pontos de convergência. Nisto reside a delicadeza da
análise de marcos temporais que forjaram a história e o caráter de
um organismo.
Saudações
flamengas a todos,
Atendendo
a um pedido do amigo Gustavo Brasília, passo a publicar os textos
dos Alfarrábios às quartas-feiras. Penso ser uma enorme
responsabilidade ocupar o espaço antes destinado ao grande Carlos
Mouta, que sempre nos brindou com colocações seguras, ponderadas e
notavelmente lúcidas.
Que
possamos, em um curto espaço de tempo, voltar a dispor do privilégio
de desfrutar os textos da lavra do Mouta. Fará muita falta.
* * *
PONTOS E
CONTRAPONTOS
“WALLACE
E PAULO VICTOR SÃO OS PROBLEMAS DESSE TIME”
WALLACE
Em
momentos de instabilidade da equipe (ou mesmo em épocas nem tão
instáveis), o torcedor sempre encontrará alguém sobre o qual
recairá a maior parte dos impropérios. O Judas. O bode. A figura
que expiará, à guisa de repositório, os pecados, as mazelas e as
imperfeições de toda uma equipe. É natural, é do jogo. Wallace
hoje “ocupa” o espaço outrora reservado a Jaílton, Carlos
Eduardo, Wellinton, Cantarele, Tita, Delacir...
Um dia,
sairá. E outro “exercerá” a função.
Donde,
indaga-se: é pertinente?
Wallace é
um zagueiro mediano, dado a bicudas, com certa velocidade, de
razoável a medíocre desempenho nas bolas aéreas, que costuma
bagunçar o sistema defensivo com botes e arrancadas tresloucadas
(embora análises recentes deem conta que esse defeito tem sido
minimizado). É voluntarioso, possui certa bravura e, em bons
momentos (como no final de 2013), até demonstra algum espírito de
luta.
Tendo em
vista que o Flamengo já contou com outros zagueiros fracos
tecnicamente, que se tornaram queridos e mesmo ídolos, onde então
estaria o problema?
Há
alguns meses, foi postado este texto, em que se coloca os efeitos
danosos que advêm quando se busca extrair do profissional algo que
está acima de suas limitações. Wallace, como zagueiro para compor
elenco (não necessariamente como titular), coadjuvante, até atende,
se levarmos em conta a aridez técnica que permeia o futebol local.
No entanto, o protagonismo, a liderança, o papel de capitão, estão
devastando o jogador, que nitidamente “sentiu” a
responsabilidade. É impulsivo. Não demonstra equilíbrio. Queda-se
entregue à primeira adversidade. E, para piorar, costuma adotar
postura de confronto, manifesta ou velada, com o torcedor.
Ou seja,
o capitão do time, o representante do elenco, a liderança máxima,
não gosta da torcida. E o torcedor, naturalmente, não gosta dele.
Pode
parecer banal, mas algumas das evidências de fragilidade mental da
equipe, fartamente apontadas nos mais diversos textos e comentários,
encontram paralelo com a atitude do seu capitão em campo. Um time
que usualmente se permite soçobrar à menor dificuldade. Que perde
facilmente o controle da partida. Que, aos VINTE minutos do segundo
tempo, diante de um contexto desfavorável (como ocorreu em Manaus),
já roda a bola desanimadamente para o lado, animicamente exangue,
entregue.
Em que
pese o caráter de “bode expiatório” que não raro encerra certo
exagero, entendo que o problema na manutenção do Wallace não está
afeto à parte técnica (embora nesse aspecto o jogador ande
cometendo falhas infantis), mas à mental. Sua saída do onze
titular, mesmo que trocado por um zagueiro menos dotado de
qualidades, provavelmente se revestirá de algo benéfico, abrindo
espaço para outro tipo de liderança, menos melancólica, menos
reflexiva, menos afeita a desabafos inoportunos e inapropriados. E
com uma mentalidade mais competitiva. E vencedora.
PAULO
VICTOR
Goleiro
mediano, de bom reflexo, razoável nas saídas pelo chão (o tal
“mano-a-mano”), bastante fraco nas bolas aéreas, com
dificuldades em tiros de longa distância (melhorou um pouco nesse
aspecto), bom pegador de pênaltis, destacou-se na temporada de 2014,
caindo muito de produção no ano passado, provavelmente em função
de lesões e de processos apressados de recuperação.
Informações
de bastidores e mesmo as entrevistas coletivas que concede têm
demonstrado que o goleiro não digeriu nada bem a contratação de
uma “sombra”, o emergente Alex Muralha, que vem de boa temporada
defendendo o Figueirense.
Normalmente
os profissionais, quando se veem desafiados, costumam responder
dentro do campo, subindo de produção e apresentando atuações mais
consistentes. Isso chegou a acontecer no início do ano, mas logo
Paulo Victor passou a falhar e/ou demonstrar evidentes limitações
técnicas, especialmente nos jogos mais fortes, onde teoricamente
seria mais exigido.
Aparentemente,
o goleiro demonstra desmotivação, e talvez uma mudança de ares lhe
faça bem. A torcida já o colocou na berlinda, e quando isso
acontece a reversão se torna difícil. O São Paulo andou sondando,
e o jogador manifestou simpatia à ideia de defender outras cores.
No
entanto, pelo que se mostrou até aqui, não se espere grande melhora
de performance com a entrada do Alex Muralha, goleiro que exibiu
qualidades e certa propensão a falhas, especialmente em bolas
rasteiras.
“O
ESTADUAL DEVERIA SER USADO PARA DAR CHANCES AOS GAROTOS”
O roteiro
parece perfeito. Aproveitar os jogos do Estadual, de nível técnico
mais baixo, para promover jovens revelações da base. O garoto,
diante de adversários mais fracos, consegue desenvolver seu
potencial, vai ganhando confiança e, após algumas partidas, já
está apto para entrar em duelos mais árduos. Quando menos se
espera, já está incorporado ao elenco, disputando jogos.
No
entanto, o Flamengo não tem se valido dessa prática, salvo em
algumas temporadas específicas, quando se vê às voltas com a
disputa da Libertadores.
Eu vejo
dois aspectos ligados a essa questão: a primeira é que, se é
verdade que o primeiro semestre poderia ser utilizado para promover
jovens destaques, também é correto imaginar que há uma equipe a
ser montada e trabalhada, para que seu sistema de jogo esteja
plenamente assimilado quando do início da competição mais
importante, o Brasileiro (no caso atual).
Ademais,
o fato de não ter havido testes prévios não impediu que jogadores
como Jorge (utilizado apenas em um ou dois jogos do Estadual) ou
Diego Maurício (principal destaque flamengo no Brasileiro de 2010)
ascendessem ao time titular. Há que se destacar que o nível técnico
do Campeonato Brasileiro não é suficientemente alto para impedir
que emerjam jogadores de qualidade oriundos da base.
Ressalte-se,
ainda, que os tais “testes” costumam trazer, em alguns casos, o
efeito inverso, ou seja, a crença excessiva na qualidade de
determinado jogador, que se destaca atuando nas frágeis partidas do
Estadual e não consegue se firmar diante de adversários algo mais
difíceis. Casos de Bruno Mezenga, Vinicius Pacheco, Erick Flores,
Rodolfo e Rafinha, entre outros, que encantaram em jogos regionais,
apagando-se rapidamente.
O
Estadual pode, sim, ser usado para testes. Com moderação, e tendo
como objetivo maior a preservação da equipe principal. Aliás, a
temerária decisão de escalar o nosso melhor zagueiro na véspera
das Semifinais, que se revelou fatal, mostra que a gestão de elenco
precisa ser mais cuidadosa e criteriosa, baseando-se também em
certos aspectos subjetivos e intuitivos.
Para o
Brasileiro, acredito ser interessante abrir espaço para dois
jogadores, que aparentemente possuem condição técnica de integrar
o elenco profissional: o zagueiro Léo Duarte e o volante Ronaldo. O
Felipe Vizeu já está integrado. Os demais ainda podem esperar um
tantinho, em princípio.
“O
FLAMENGO NÃO SE PREPAROU PARA A FALTA DE ESTÁDIOS”
Diversas
manifestações emanadas da diretoria, principalmente do seu
presidente, indicam que o Flamengo tem no Maracanã a sua primeira
opção de estádio para exercer o mando de campo, desde que
atendidas determinadas condições, especialmente no que tange à
gestão do equipamento. No entanto, o estádio permanecerá fechado
durante praticamente todo o Campeonato Brasileiro, restando dúvidas
inclusive se o clube tornará a utilizá-lo ainda esse ano.
É
inegável que o excesso de viagens cria um desgaste acima do normal,
além de prejudicar a rotina de treinamentos do elenco, o que se
reveste de um obstáculo a mais à preparação da equipe para a
competição. No entanto, a diretoria do Flamengo transmite a
impressão de que, com efeito, leva em consideração a utilização
de estádios pelo país em detrimento de opções “locais”, o
que, se maximiza os efeitos deletérios ao desempenho esportivo da
equipe, possibilita ao clube auferir receitas maiores, mitigando, ou
mesmo suplantando, a ausência do Maracanã. Evidencia-se esta
impressão a partir do momento em que o clube demonstrou desinteresse
em buscar, de forma mais assertiva, alternativas para atuar dentro do
Rio de Janeiro ou arredores, como os estádios da Ilha do Governador
ou Edson Passos, que, ao que tem sido noticiado, serão utilizados
pelos outros clubes cariocas da Série A. Mesmo o uso do Raulino de
Oliveira não parece ter sido a opção inicial, tendo sido
“arrancado” por uma série de declarações contundentes do
treinador Muricy Ramalho.
Entendo
que, se procedente, trata-se de visão equivocada da diretoria, que,
com efeito, deveria se preocupar em proporcionar o máximo de
recursos possíveis capazes de viabilizar ganho no rendimento
esportivo. O Flamengo vive profunda carência de resultados, e
precisa desenvolver todos os esforços necessários para que estes
surjam a curto prazo. Transferir uma ou outra partida potencialmente
mais rentável para um estádio maior soa razoável, até desejável,
mas fazê-lo de forma sistemática significa transformar o desempenho
esportivo em um objetivo secundário, o que é inaceitável e
inadmissível sob qualquer prisma ou ângulo de análise.
Aliás, vejo muitos interpretarem as constantes e enfadonhas queixas do Muricy, acerca do que julga excesso de viagens, como uma espécie de "mimimi" ou "justificativa" para eventuais reveses. Pode ser. No entanto, entendo essa insistência do treinador de forma distinta. Na minha visão, o técnico, ao enxergar um vácuo de atitude na postura da diretoria, pressiona por uma definição rápida para essa questão do mando de campo. Provavelmente os movimentos de Botafogo e Fluminense o incomodaram.
MURICY
RAMALHO
Acredito
que o trabalho do treinador Muricy Ramalho até aqui pode ser
qualificado de regular. Houve quatro meses para a montagem de uma
equipe, o elenco é o melhor desde 2011 (embora haja falta de peças
qualificadas no miolo de zaga) e toda uma estrutura foi posta à
disposição da comissão técnica. O número de afastamento
prolongado de jogadores devido a lesões foi consideravelmente
reduzido (salvo alguns casos um tanto mal explicados) e atletas com
problemático histórico de contusões, como Juan e Ederson, têm
conseguido manter uma sequência de jogos.
No
entanto, o próprio Muricy delineou bem os critérios de avaliação
do seu trabalho em sua primeira entrevista, quando pontuou, de forma
lúcida, que “o que define o êxito de uma passagem é o
resultado”, algo aliás reforçado recentemente.
Muricy
não é um estrategista, tem dificuldade para ler e interpretar a
dinâmica dos jogos, é excessivamente conservador nas substituições.
Baseia-se na repetição exaustiva de jogadas e movimentos, moldando
as equipes que dirige com uma mentalidade competitiva ao extremo.
Dotado de uma convicção que beira a teimosia, é um discípulo da
escola de Telê Santana.
Muricy
parece empenhado em consolidar no Flamengo o tal esquema 4.1.4.1 (ou
4.3.3), chamado de “esquema dos pontas”. A equipe, com essa
formação, em alguns momentos até consegue desenvolver um futebol
competitivo, mesmo vistoso, mas ainda é instável, oscilante. Há
problemas para compactar o sistema defensivo, o que pode ser
explicado pelo perfil dos jogadores que compõem a primeira linha e
mesmo pelo posicionamento dos volantes. Com isso, o desempenho
rubro-negro em jogos mais fortes costuma se revestir de uma
incógnita. Há boas atuações, como os 2-1 no Fla-Flu ou o empate
contra o Vasco e exibições bastante ruins, como o Fla-Flu no
Pacaembu e o recente jogo de Manaus.
O
torcedor defende um sistema mais conservador, o tal 4.4.2 em losango
(ou 4.3.1.2), que foi utilizado em momentos esporádicos, gerando
alguns bons resultados e exibições interessantes. No entanto, é um
sistema que depende excessivamente de um meia criador, e Muricy não
parece disposto a montar sua equipe em função do instável Alan
Patrick.
Enfim, é
um trabalho que pode ser qualificado como regular, pois a equipe, em
que pese os problemas defensivos, tem funcionado melhor que no ano
passado, alguns jogadores têm conseguido desenvolver um bom futebol
e, salvo um momento de forte instabilidade decorrente de alguns
fatores (que gerou resultados desastrosos), o time tem mostrado certo
padrão de jogo. Falta uma defesa mais sólida e confiável e um
meio-campo mais agressivo no trabalho defensivo.
E,
naturalmente, há um problema que não é pequeno. A questão
emocional da equipe. Que, se não trabalhada, inviabilizará qualquer
prognóstico de bom desempenho no Brasileiro.
CURTAS
GUERRERO
– Está devendo. Parece sentir a camisa. Nitidamente joga com um
peso, não está leve. Nem todo jogador de alto nível encaixa no
Flamengo. Acontece. Talvez seja o caso de avaliar eventual
substituição por outro nome do mercado.
HERNANE –
No rastro da decepção com o Guerrero irromperam uivos de saudade
pelo Hernane, muito por conta do bom número de gols marcados pelo
Brocador no início da temporada, defendendo o Bahia. Com efeito,
Hernane “encheu o pote” contra juazeirenses e guanambis da vida.
Domingo, disputou seu primeiro Ba-Vi. Anulado pelo possante Victor
Ramos (que foi dispensado do Palmeiras por deficiência técnica),
mal pegou na bola. Quando o fez, perdeu uma chance clara de gol.
Hernane foi importante em determinado momento no Flamengo. Foi.
Recorde-se que até outro dia o Brocador era reserva no “poderoso”
Sport de Recife.
EDERSON –
Não aparenta problemas físicos. Mas tem jogado muito abaixo do que
as credenciais fartamente exibidas quando de sua contratação, mesmo
tendo como base o acidentado 2015. Outro que, pelo salário, deveria
exibir mais. Não é organizador, e aí pode estar o erro em sua
utilização.
DECLARAÇÕES
DO EBM – O presidente, até para se preservar, poderia evitar falar
sobre determinados assuntos. Futebol, definitivamente, não é a
dele. Profundamente infeliz a avaliação de “excelente”,
referindo-se ao trabalho do Muricy até aqui.
ANTONIO
CARLOS – Houve certa grita por sua dispensa, várias vozes falando
em decisão “incompreensível”. Talvez se esteja negligenciando o
mais banal dos motivos. Talvez ele tenha sido descartado simplesmente
por ser ruim.
JORGE –
Fala-se em oscilação. Antigamente a postura marrenta e indolente em
campo tinha outro nome. Precisa de um choque de competitividade.
Falhou nos dois gols de Manaus, o que foi meio “esquecido” pelas
atenções voltadas para o Wallace e o Paulo Victor. Em sua defesa,
há a ponderação, que considero justa, que, se é um lateral
ofensivo, não adianta mantê-lo guardando posição. Perdemos um
ótimo apoiador, ganhamos um marcador medíocre. Precisa ganhar mais
liberdade para apoiar. E, claro, mostrar mais vontade, mais gana.
FORTALEZA
x FLAMENGO, LOGO MAIS – Que o time tenha aprendido com o exemplo de
Aracaju. Vai enfrentar um adversário jogando a vida, disposto a voar
no pescoço, que correrá infatigavelmente os 90 minutos. Que o
rubro-negro não sucumba à “pressão” do Castelão e traga da
capital cearense uma vitória. De preferência, junto com a
classificação.
Boa
semana a todos,