quarta-feira, 4 de maio de 2016

Alfarrábios do Melo

A história jamais se repete. Invoca-se fatos pretéritos para que eventuais erros e acertos subsidiem contextos distintos. Estes, ainda que semelhantes a momentos passados, sempre serão eivados de especificidades que tornam inviável sua repetição “per se”, mas, se bem estudados, poderão estimular o desenvolvimento de eventuais pontos de convergência. Nisto reside a delicadeza da análise de marcos temporais que forjaram a história e o caráter de um organismo.

Saudações flamengas a todos,

Atendendo a um pedido do amigo Gustavo Brasília, passo a publicar os textos dos Alfarrábios às quartas-feiras. Penso ser uma enorme responsabilidade ocupar o espaço antes destinado ao grande Carlos Mouta, que sempre nos brindou com colocações seguras, ponderadas e notavelmente lúcidas.

Que possamos, em um curto espaço de tempo, voltar a dispor do privilégio de desfrutar os textos da lavra do Mouta. Fará muita falta.

* * *

PONTOS E CONTRAPONTOS


“WALLACE E PAULO VICTOR SÃO OS PROBLEMAS DESSE TIME”

WALLACE
Em momentos de instabilidade da equipe (ou mesmo em épocas nem tão instáveis), o torcedor sempre encontrará alguém sobre o qual recairá a maior parte dos impropérios. O Judas. O bode. A figura que expiará, à guisa de repositório, os pecados, as mazelas e as imperfeições de toda uma equipe. É natural, é do jogo. Wallace hoje “ocupa” o espaço outrora reservado a Jaílton, Carlos Eduardo, Wellinton, Cantarele, Tita, Delacir...

Um dia, sairá. E outro “exercerá” a função.

Donde, indaga-se: é pertinente?

Wallace é um zagueiro mediano, dado a bicudas, com certa velocidade, de razoável a medíocre desempenho nas bolas aéreas, que costuma bagunçar o sistema defensivo com botes e arrancadas tresloucadas (embora análises recentes deem conta que esse defeito tem sido minimizado). É voluntarioso, possui certa bravura e, em bons momentos (como no final de 2013), até demonstra algum espírito de luta.

Tendo em vista que o Flamengo já contou com outros zagueiros fracos tecnicamente, que se tornaram queridos e mesmo ídolos, onde então estaria o problema?

Há alguns meses, foi postado este texto, em que se coloca os efeitos danosos que advêm quando se busca extrair do profissional algo que está acima de suas limitações. Wallace, como zagueiro para compor elenco (não necessariamente como titular), coadjuvante, até atende, se levarmos em conta a aridez técnica que permeia o futebol local. No entanto, o protagonismo, a liderança, o papel de capitão, estão devastando o jogador, que nitidamente “sentiu” a responsabilidade. É impulsivo. Não demonstra equilíbrio. Queda-se entregue à primeira adversidade. E, para piorar, costuma adotar postura de confronto, manifesta ou velada, com o torcedor.

Ou seja, o capitão do time, o representante do elenco, a liderança máxima, não gosta da torcida. E o torcedor, naturalmente, não gosta dele.

Pode parecer banal, mas algumas das evidências de fragilidade mental da equipe, fartamente apontadas nos mais diversos textos e comentários, encontram paralelo com a atitude do seu capitão em campo. Um time que usualmente se permite soçobrar à menor dificuldade. Que perde facilmente o controle da partida. Que, aos VINTE minutos do segundo tempo, diante de um contexto desfavorável (como ocorreu em Manaus), já roda a bola desanimadamente para o lado, animicamente exangue, entregue.

Em que pese o caráter de “bode expiatório” que não raro encerra certo exagero, entendo que o problema na manutenção do Wallace não está afeto à parte técnica (embora nesse aspecto o jogador ande cometendo falhas infantis), mas à mental. Sua saída do onze titular, mesmo que trocado por um zagueiro menos dotado de qualidades, provavelmente se revestirá de algo benéfico, abrindo espaço para outro tipo de liderança, menos melancólica, menos reflexiva, menos afeita a desabafos inoportunos e inapropriados. E com uma mentalidade mais competitiva. E vencedora.

PAULO VICTOR
Goleiro mediano, de bom reflexo, razoável nas saídas pelo chão (o tal “mano-a-mano”), bastante fraco nas bolas aéreas, com dificuldades em tiros de longa distância (melhorou um pouco nesse aspecto), bom pegador de pênaltis, destacou-se na temporada de 2014, caindo muito de produção no ano passado, provavelmente em função de lesões e de processos apressados de recuperação.

Informações de bastidores e mesmo as entrevistas coletivas que concede têm demonstrado que o goleiro não digeriu nada bem a contratação de uma “sombra”, o emergente Alex Muralha, que vem de boa temporada defendendo o Figueirense.

Normalmente os profissionais, quando se veem desafiados, costumam responder dentro do campo, subindo de produção e apresentando atuações mais consistentes. Isso chegou a acontecer no início do ano, mas logo Paulo Victor passou a falhar e/ou demonstrar evidentes limitações técnicas, especialmente nos jogos mais fortes, onde teoricamente seria mais exigido.

Aparentemente, o goleiro demonstra desmotivação, e talvez uma mudança de ares lhe faça bem. A torcida já o colocou na berlinda, e quando isso acontece a reversão se torna difícil. O São Paulo andou sondando, e o jogador manifestou simpatia à ideia de defender outras cores.

No entanto, pelo que se mostrou até aqui, não se espere grande melhora de performance com a entrada do Alex Muralha, goleiro que exibiu qualidades e certa propensão a falhas, especialmente em bolas rasteiras.


“O ESTADUAL DEVERIA SER USADO PARA DAR CHANCES AOS GAROTOS”

O roteiro parece perfeito. Aproveitar os jogos do Estadual, de nível técnico mais baixo, para promover jovens revelações da base. O garoto, diante de adversários mais fracos, consegue desenvolver seu potencial, vai ganhando confiança e, após algumas partidas, já está apto para entrar em duelos mais árduos. Quando menos se espera, já está incorporado ao elenco, disputando jogos.

No entanto, o Flamengo não tem se valido dessa prática, salvo em algumas temporadas específicas, quando se vê às voltas com a disputa da Libertadores.

Eu vejo dois aspectos ligados a essa questão: a primeira é que, se é verdade que o primeiro semestre poderia ser utilizado para promover jovens destaques, também é correto imaginar que há uma equipe a ser montada e trabalhada, para que seu sistema de jogo esteja plenamente assimilado quando do início da competição mais importante, o Brasileiro (no caso atual).

Ademais, o fato de não ter havido testes prévios não impediu que jogadores como Jorge (utilizado apenas em um ou dois jogos do Estadual) ou Diego Maurício (principal destaque flamengo no Brasileiro de 2010) ascendessem ao time titular. Há que se destacar que o nível técnico do Campeonato Brasileiro não é suficientemente alto para impedir que emerjam jogadores de qualidade oriundos da base.

Ressalte-se, ainda, que os tais “testes” costumam trazer, em alguns casos, o efeito inverso, ou seja, a crença excessiva na qualidade de determinado jogador, que se destaca atuando nas frágeis partidas do Estadual e não consegue se firmar diante de adversários algo mais difíceis. Casos de Bruno Mezenga, Vinicius Pacheco, Erick Flores, Rodolfo e Rafinha, entre outros, que encantaram em jogos regionais, apagando-se rapidamente.

O Estadual pode, sim, ser usado para testes. Com moderação, e tendo como objetivo maior a preservação da equipe principal. Aliás, a temerária decisão de escalar o nosso melhor zagueiro na véspera das Semifinais, que se revelou fatal, mostra que a gestão de elenco precisa ser mais cuidadosa e criteriosa, baseando-se também em certos aspectos subjetivos e intuitivos.

Para o Brasileiro, acredito ser interessante abrir espaço para dois jogadores, que aparentemente possuem condição técnica de integrar o elenco profissional: o zagueiro Léo Duarte e o volante Ronaldo. O Felipe Vizeu já está integrado. Os demais ainda podem esperar um tantinho, em princípio.


“O FLAMENGO NÃO SE PREPAROU PARA A FALTA DE ESTÁDIOS”

Diversas manifestações emanadas da diretoria, principalmente do seu presidente, indicam que o Flamengo tem no Maracanã a sua primeira opção de estádio para exercer o mando de campo, desde que atendidas determinadas condições, especialmente no que tange à gestão do equipamento. No entanto, o estádio permanecerá fechado durante praticamente todo o Campeonato Brasileiro, restando dúvidas inclusive se o clube tornará a utilizá-lo ainda esse ano.

É inegável que o excesso de viagens cria um desgaste acima do normal, além de prejudicar a rotina de treinamentos do elenco, o que se reveste de um obstáculo a mais à preparação da equipe para a competição. No entanto, a diretoria do Flamengo transmite a impressão de que, com efeito, leva em consideração a utilização de estádios pelo país em detrimento de opções “locais”, o que, se maximiza os efeitos deletérios ao desempenho esportivo da equipe, possibilita ao clube auferir receitas maiores, mitigando, ou mesmo suplantando, a ausência do Maracanã. Evidencia-se esta impressão a partir do momento em que o clube demonstrou desinteresse em buscar, de forma mais assertiva, alternativas para atuar dentro do Rio de Janeiro ou arredores, como os estádios da Ilha do Governador ou Edson Passos, que, ao que tem sido noticiado, serão utilizados pelos outros clubes cariocas da Série A. Mesmo o uso do Raulino de Oliveira não parece ter sido a opção inicial, tendo sido “arrancado” por uma série de declarações contundentes do treinador Muricy Ramalho.

Entendo que, se procedente, trata-se de visão equivocada da diretoria, que, com efeito, deveria se preocupar em proporcionar o máximo de recursos possíveis capazes de viabilizar ganho no rendimento esportivo. O Flamengo vive profunda carência de resultados, e precisa desenvolver todos os esforços necessários para que estes surjam a curto prazo. Transferir uma ou outra partida potencialmente mais rentável para um estádio maior soa razoável, até desejável, mas fazê-lo de forma sistemática significa transformar o desempenho esportivo em um objetivo secundário, o que é inaceitável e inadmissível sob qualquer prisma ou ângulo de análise.

Aliás, vejo muitos interpretarem as constantes e enfadonhas queixas do Muricy, acerca do que julga excesso de viagens, como uma espécie de "mimimi" ou "justificativa" para eventuais reveses. Pode ser. No entanto, entendo essa insistência do treinador de forma distinta. Na minha visão, o técnico, ao enxergar um vácuo de atitude na postura da diretoria, pressiona por uma definição rápida para essa questão do mando de campo. Provavelmente os movimentos de Botafogo e Fluminense o incomodaram.


MURICY RAMALHO

Acredito que o trabalho do treinador Muricy Ramalho até aqui pode ser qualificado de regular. Houve quatro meses para a montagem de uma equipe, o elenco é o melhor desde 2011 (embora haja falta de peças qualificadas no miolo de zaga) e toda uma estrutura foi posta à disposição da comissão técnica. O número de afastamento prolongado de jogadores devido a lesões foi consideravelmente reduzido (salvo alguns casos um tanto mal explicados) e atletas com problemático histórico de contusões, como Juan e Ederson, têm conseguido manter uma sequência de jogos.

No entanto, o próprio Muricy delineou bem os critérios de avaliação do seu trabalho em sua primeira entrevista, quando pontuou, de forma lúcida, que “o que define o êxito de uma passagem é o resultado”, algo aliás reforçado recentemente.

Muricy não é um estrategista, tem dificuldade para ler e interpretar a dinâmica dos jogos, é excessivamente conservador nas substituições. Baseia-se na repetição exaustiva de jogadas e movimentos, moldando as equipes que dirige com uma mentalidade competitiva ao extremo. Dotado de uma convicção que beira a teimosia, é um discípulo da escola de Telê Santana.

Muricy parece empenhado em consolidar no Flamengo o tal esquema 4.1.4.1 (ou 4.3.3), chamado de “esquema dos pontas”. A equipe, com essa formação, em alguns momentos até consegue desenvolver um futebol competitivo, mesmo vistoso, mas ainda é instável, oscilante. Há problemas para compactar o sistema defensivo, o que pode ser explicado pelo perfil dos jogadores que compõem a primeira linha e mesmo pelo posicionamento dos volantes. Com isso, o desempenho rubro-negro em jogos mais fortes costuma se revestir de uma incógnita. Há boas atuações, como os 2-1 no Fla-Flu ou o empate contra o Vasco e exibições bastante ruins, como o Fla-Flu no Pacaembu e o recente jogo de Manaus.

O torcedor defende um sistema mais conservador, o tal 4.4.2 em losango (ou 4.3.1.2), que foi utilizado em momentos esporádicos, gerando alguns bons resultados e exibições interessantes. No entanto, é um sistema que depende excessivamente de um meia criador, e Muricy não parece disposto a montar sua equipe em função do instável Alan Patrick.

Enfim, é um trabalho que pode ser qualificado como regular, pois a equipe, em que pese os problemas defensivos, tem funcionado melhor que no ano passado, alguns jogadores têm conseguido desenvolver um bom futebol e, salvo um momento de forte instabilidade decorrente de alguns fatores (que gerou resultados desastrosos), o time tem mostrado certo padrão de jogo. Falta uma defesa mais sólida e confiável e um meio-campo mais agressivo no trabalho defensivo.

E, naturalmente, há um problema que não é pequeno. A questão emocional da equipe. Que, se não trabalhada, inviabilizará qualquer prognóstico de bom desempenho no Brasileiro.


CURTAS

GUERRERO – Está devendo. Parece sentir a camisa. Nitidamente joga com um peso, não está leve. Nem todo jogador de alto nível encaixa no Flamengo. Acontece. Talvez seja o caso de avaliar eventual substituição por outro nome do mercado.

HERNANE – No rastro da decepção com o Guerrero irromperam uivos de saudade pelo Hernane, muito por conta do bom número de gols marcados pelo Brocador no início da temporada, defendendo o Bahia. Com efeito, Hernane “encheu o pote” contra juazeirenses e guanambis da vida. Domingo, disputou seu primeiro Ba-Vi. Anulado pelo possante Victor Ramos (que foi dispensado do Palmeiras por deficiência técnica), mal pegou na bola. Quando o fez, perdeu uma chance clara de gol. Hernane foi importante em determinado momento no Flamengo. Foi. Recorde-se que até outro dia o Brocador era reserva no “poderoso” Sport de Recife.

EDERSON – Não aparenta problemas físicos. Mas tem jogado muito abaixo do que as credenciais fartamente exibidas quando de sua contratação, mesmo tendo como base o acidentado 2015. Outro que, pelo salário, deveria exibir mais. Não é organizador, e aí pode estar o erro em sua utilização.

DECLARAÇÕES DO EBM – O presidente, até para se preservar, poderia evitar falar sobre determinados assuntos. Futebol, definitivamente, não é a dele. Profundamente infeliz a avaliação de “excelente”, referindo-se ao trabalho do Muricy até aqui.

ANTONIO CARLOS – Houve certa grita por sua dispensa, várias vozes falando em decisão “incompreensível”. Talvez se esteja negligenciando o mais banal dos motivos. Talvez ele tenha sido descartado simplesmente por ser ruim.

JORGE – Fala-se em oscilação. Antigamente a postura marrenta e indolente em campo tinha outro nome. Precisa de um choque de competitividade. Falhou nos dois gols de Manaus, o que foi meio “esquecido” pelas atenções voltadas para o Wallace e o Paulo Victor. Em sua defesa, há a ponderação, que considero justa, que, se é um lateral ofensivo, não adianta mantê-lo guardando posição. Perdemos um ótimo apoiador, ganhamos um marcador medíocre. Precisa ganhar mais liberdade para apoiar. E, claro, mostrar mais vontade, mais gana.

FORTALEZA x FLAMENGO, LOGO MAIS – Que o time tenha aprendido com o exemplo de Aracaju. Vai enfrentar um adversário jogando a vida, disposto a voar no pescoço, que correrá infatigavelmente os 90 minutos. Que o rubro-negro não sucumba à “pressão” do Castelão e traga da capital cearense uma vitória. De preferência, junto com a classificação.


Boa semana a todos,