Saudações
flamengas a todos,
A
incerteza acerca da permanência de Muricy Ramalho no comando técnico
da equipe (talvez já dirimida após a publicação deste texto) fez
crescer um debate sobre o que se quer para dirigir o Flamengo no
futuro. Mais do que nomes, começa-se a discutir perfis, o que julgo
positivo.
Um perfil
mais inovador ou conservador? Um medalhão ou um jovem talentoso? Um
“da casa”, que “conhece o clube”, ou alguém com currículo
fora?
Com base
nisso, proponho trazer elementos de discussão, com base no relato de
passagens marcantes de treinadores na história recente do Flamengo.
Esta semana, treinadores “de dentro” ou com pouca experiência
anterior. Que deram certo, ou não. A lista não é exaustiva, há outros exemplos, mas não houve espaço para listar todos.
Semana
que vem, os “de fora”. Boa leitura e discussão.
* * *
OS “DE
DENTRO” OU INICIANTES
QUANDO DÁ
CERTO
CLÁUDIO
COUTINHO (1976-1980, com interrupções)
Gaúcho,
de origem militar, radicado no Rio de Janeiro, construiu carreira na
comissão técnica da Seleção Brasileira, atuando como preparador
físico e posteriormente auxiliar técnico nas Copas de 1970 e 1974.
Assumiu o Flamengo por indicação da CBD, que desejava “dar
cancha” a um provável candidato ao posto de treinador. Recebido
inicialmente com desconfiança pelo elenco, soube cativar os
jogadores com um perfil democrático e de diálogo, embora firme.
Estudioso,
entusiasta e adepto das práticas mais modernas de fisiologia do
desporto e preparação tática, possuía um perfil absolutamente
distinto dos treinadores “paizões” e “boleirões” da época.
O respaldo da CBD (lembrando que o país vivia um regime militar) foi
importante para absorver os maus resultados iniciais. No entanto, ao
ser indicado para dirigir a Seleção Brasileira para a preparação
e disputa da Copa de 1978, trouxe um problema ao Flamengo, pois seu
trabalho no clube sofreu interrupções. Apenas a
partir do final de 1978, quando pôde se dedicar mais intensamente ao
Flamengo, conseguiu imprimir mais rapidamente sua filosofia de
trabalho, colhendo resultados relevantes.
No clube,
soube integrar jovens valores a veteranos tidos como decadentes.
Implantou um esquema de jogo atualizado, repleto de triangulações e
movimentação em bloco. Introduziu a polivalência, com figuras como
o “falso ponta” e o “falso nove”. Seu calcanhar de aquiles
foi o sistema defensivo, problema que só conseguiu minimizar com a
contratação do zagueiro Marinho e a volta do jovem Andrade.
Conquistou um Tri Estadual e um Brasileiro.
Após o
título nacional, não conseguiu manter o grupo motivado e,
desgastado por atritos com o elenco, demitiu-se no início de 1981.
Atribui-se a Coutinho o embrião do time que marcaria o que se
convencionou chamar “Era Zico”.
PAULO
CÉSAR CARPEGIANI (1981-1983)
Aposentou-se
como jogador em maio de 81. Em julho, após passagem relâmpago como
auxiliar de Dino Sani, assumiu o comando da equipe, após a recusa de
Nelsinho Rosa (campeão estadual de 1980 pelo Fluminense, onde ainda
estava empregado). Jogador de forte ascendência sobre o time, de
quem era o capitão, sofreu com alguma desconfiança no início
(cinco empates em seis jogos), mas a classificação às Semifinais
da Libertadores lhe deu respaldo para seguir.
Seu
mérito consistiu em retomar e aprimorar a metodologia de Coutinho,
que havia sido deixada de lado pelo old-school Dino Sani. Encaixou o
sistema defensivo com a ascensão de Mozer e Vítor (espécie de 12º
titular) e com a efetivação de Lico, formando um time com dois
“falsos-pontas”, algo sem similar no futebol do país na época. Conduziu
com competência o processo que levou a equipe ao auge de sua
performance, ganhando absolutamente tudo entre 1981 e 1982.
Seguiu a
sistemática de dar chances a jovens valores, embora fosse adepto de
uma utilização mais restrita do elenco (trabalhava com cerca de 13
a 14 jogadores, que eram mais usados nos jogos).
Também
sofreu com o desgaste na relação com o elenco, não resistindo às
perdas do Estadual e da Libertadores em 1982. Sua manutenção para o
ano seguinte revelou-se um erro, que acabaria deflagrando uma séria
crise, a custo debelada.
SEBASTIÃO
LAZARONI (1985-1987)
Preparador
físico de origem, ascendeu à condição de auxiliar técnico, posto
que ocupava quando Joubert Meira foi demitido, após o fracasso na
Taça GB de 1985. Indicado para comandar o time em uma excursão aos
EUA, retornou com bons resultados e uma avaliação positiva da
supervisão. Enquanto o clube procurava medalhões como Menotti e
quetais, foi mantido para a estreia da Taça Rio, em que o Flamengo,
desfalcado e desfigurado, arrancou um heroico empate contra o
favorito Bangu, vice brasileiro (2-2). A atuação vibrante e
aguerrida da equipe resultou em sua efetivação.
Lazaroni
soube lidar com a necessidade de fazer a transição entre a geração
da Era Zico, que, por problemas de lesão ou queda de rendimento, já
não conseguia manter sequência, e uma ampla fornada de jovens de
qualidade prontos para subir. Promoveu, ou efetivou, nomes como
Aldair, Zé Carlos, Zé Carlos II, Guto, Valtinho, Ailton, Zinho,
Vinicius, entre outros. Conquistou um Estadual.
Também
era defensor da adoção de uma forma de jogo mais competitiva e
veloz, mantendo o time atrás da linha da bola e saindo em velocidade
em contragolpes fulminantes. Suas equipes transpiravam e jamais se
rendiam em campo. Gostava de improvisar posições, herdando a
“polivalência” de Coutinho. No entanto, padecia de certa falta
de flexibilidade na forma de jogo.
Paradoxalmente,
desgastou-se à medida que os melhores jogadores foram começando a
reunir condições de jogo. Recusando-se a montar um time mais
cadenciado e técnico, comprou briga com Adílio e Sócrates,
acreditando ter força para confrontar o vestiário. Não foi o caso.
CARLINHOS
(1987-1988, 1991-1993, 1999-2000)
Estão
aqui listadas as três melhores passagens.
Cria da
Gávea, onde fez carreira como jogador e como treinador, inicialmente
trabalhando nas divisões de base, depois içado ao posto de
auxiliar. Após passagem ruim em 1983, foi elogiado ao comandar o
time como interino na Taça GB em 1987, entregando-o invicto a
Antonio Lopes. Com o fracasso do “delegado”, tornou a ganhar
chance de forma provisória no Brasileiro, mas os bons resultados contra Vasco
(2-1) e Santos (0-0, fora de casa, jogando com 10 e melhor), aliados
à dificuldade de contratação de um nome de ponta, o mantiveram no
comando.
Em 1991,
Carlinhos, como auxiliar, também herdou, de forma provisória, o
comando da equipe, após a turbulenta passagem de Vanderlei
Luxemburgo. E, em 1999, foi contratado para comandar um elenco
ansioso por um “resgate” da identidade rubro-negra, tida como
perdida nos anos de administração Kléber Leite.
Em
síntese, Carlinhos caracterizou-se por uma visão intuitiva aguçada.
Seu posto de auxiliar lhe permitiu observar atentamente o
funcionamento das equipes e, ao ser promovido, realizar mudanças
simples, pontuais, mas decisivas e capazes de alterar dramaticamente
o seu funcionamento. Versátil, conseguiu trabalhar com elencos
jovens, promovendo valores da base (especialmente em 1991 e 1999), e
com grupos mais qualificados (1987). A exemplo de outros
profissionais bem sucedidos, fez do diálogo e da abertura aos
líderes do elenco sua marca. Com isso, tornou-se um dos mais
vitoriosos treinadores da história do clube (dois Brasileiros, uma
Mercosul, três Estaduais, entre outras conquistas).
No
entanto, tinha dificuldades em momentos de turbulência. O perfil
conciliador e de diálogo não se mostrou adequado para resolver conflitos. Nas três passagens citadas, perdeu o
vestiário de forma inapelável, em decorrência de maus resultados
em sequência.
ANDRADE
(2009-2010)
Figura de
controversas passagens anteriores, seguiu como auxiliar fixo de
diversos treinadores, acompanhando alguns dos momentos mais difíceis
da história do clube. Em 2009, após a demissão de Cuca, recebeu a
incumbência de dirigir, em caráter interino, o time em duas
partidas teoricamente difíceis (Santos F, Atlético-MG C). Venceu e
convenceu em ambas, o que motivou sua efetivação.
Intuitivo,
soube domar um elenco difícil, com jogadores de
temperamento complicado. Capitalizou a motivação de atletas como
Petkovic e Adriano, canalizando-as para dentro de campo. Montou um
esquema simples, de fácil execução, e soube fazer o elenco comprar
a briga de um título brasileiro que parecia improvável. O hexa
veio, de forma histórica. Com ele, os problemas.
O elenco
campeão de 2009 perdeu peças importantes, e Andrade não soube
trabalhar com as peças de reposição. Também não conseguiu manter
o elenco motivado e focado para a Libertadores, quase sendo eliminado
precocemente na Primeira Fase. Sem comando, conviveu com episódios
de indisciplina que beiraram o confrontamento direto. A perda do
Estadual para o Botafogo foi-lhe fatal, e encerrou sua trajetória no
clube.
QUANDO DÁ
ERRADO
CARLINHOS
(1983)
O
Flamengo estava imerso em forte crise, jogadores desmotivados,
arrastando-se em campo, jogando sob pesadas vaias. Carpegiani,
visivelmente desgastado, foi demitido. Carlinhos, sem qualquer
experiência no profissional, assumiu com a intenção de devolver
uma vibração há muito perdida. Conseguiu apenas no primeiro jogo,
um empate com o Palmeiras no Maracanã (1-1, em que o time perdeu
inúmeras chances e cedeu a igualdade em lance isolado). Após
algumas decisões confusas, como a barração de titulares
importantes, perdeu o cargo nas desastrosas partidas do Flamengo na
Bolívia pela Libertadores (0-0 Blooming e 1-3 Bolívar), que
custaram a vaga à fase seguinte. Carlinhos, tido como muito “verde”,
ainda teria que aguardar alguns anos.
JOSÉ
ROBERTO FRANCALACCI (1983)
O
Flamengo sangrava a saída de Zico. Uma aura de desânimo pairava
sobre toda a instituição. Perdidos, os jogadores se ressentiam da
falta de um líder (Raul, quase aposentado, não queria exercer esse
papel e Júnior, ainda imaturo, não estava pronto). O treinador,
Carlos Alberto Torres, somente bradava “raça, raça” pelos
cantos. Foi demitido. Assumiu o preparador Francalacci, numa
tentativa de repetir o sucesso de Coutinho. Mas o timing foi
desastroso. Francalacci tentou inovar e aplicar sistemas de jogo
requintados e complexos. Testou Leandro e Júnior na posição de
Zico. Apenas trouxe mais confusão e desequilíbrio a um cenário
devastado. Após algumas derrotas contundentes, foi devolvido à
comissão técnica.
SEBASTIÃO
ROCHA (1997)
Assumiu o
time após a saída de Júnior, desgastado com a derrota para um time
reserva do Botafogo na Taça GB. “Paizão”, “carinhoso”,
inicialmente trouxe boas respostas, mostrando capacidade de trabalhar
com um elenco jovem e de conciliar as necessidades da equipe ao
temperamento de Romário. Conseguiu formar um time compacto e veloz,
que foi avançando às fases finais da Copa do Brasil. No entanto, a
hesitação mostrada na partida decisiva contra o Grêmio foi-lhe
fatal. Demonstrando abatimento com as críticas, sucumbiu ao mau
início do time no Brasileiro, quando chegou a beirar a ameaça de
rebaixamento. Sua despedida, aos prantos, na goleada sobre o
Atlético-MG (4-2 no Mineirão), revestiu-se de uma página
particularmente constrangedora.
JÚLIO
CÉSAR LEAL (2005)
Formado na
Gávea, com experiência em Seleções Brasileiras de base e no
Oriente Médio, enfim se julgou capaz de conduzir o time principal,
especialmente diante de um elenco barato, onde seria necessário
promover alguns jovens da base. No entanto, mostrou-se alheio e algo
deslumbrado, parecendo desconectado da crise que assolava o clube. Em
um elenco abatido pela péssima temporada anterior, com alguns
reforços inexpressivos e torrados mesmo antes da apresentação, acenou com uma esdrúxula “cartilha” de conduta
(onde figuravam “instruções”, como “bater faltas à la Zico”)
e outras excentricidades, como o pedido de uniformes azuis de treino
à fornecedora de material esportivo (“azul é a cor dos
vencedores”). Não foi difícil prever o desfecho. Após uma
humilhante estreia na Taça GB (0-3 Olaria no Maracanã, única
vitória do adversário no campeonato), resistiu apenas por 6 jogos,
sendo sumariamente demitido. Sua contratação, até hoje, é
dolorosamente lembrada como um retumbante erro de avaliação.
ANDRADE
(2005)
O momento
caótico do Flamengo, afundado na Zona de Rebaixamento e com um dos
mais deploráveis elencos de jogadores da sua história, requeria
ações rápidas, enérgicas. Perdidos e sem dinheiro, os dirigentes
não pareciam reunir muitas opções de ação. Optou-se pela
efetivação de Andrade, que com um trabalho razoável no final do
ano anterior havia salvo o time do descenso.
O início
não foi ruim, dentro das circunstâncias. Andrade, com uma tática
simples, “fechou a casinha” e tentou montar um time veloz e
compacto. Conseguiu alguns resultados importantes e improváveis (0-0
contra os fortes Cruzeiro e Santos, ambos fora de casa, 2-0 sobre o
São Caetano, entre outros). Mas, incapaz de conter uma forte guerra
de egos e um elenco fragmentado em subgrupos, rapidamente sucumbiu à
crise que parecia interminável. Após alguns resultados humilhantes,
deixou o comando do Flamengo com a equipe na lanterna e com mais de
90% de chances de rebaixamento.
ROGÉRIO
LOURENÇO (2010)
Assumiu o
clube na esteira da perda do Estadual e de uma classificação quase
inacreditável para a Segunda Fase da Libertadores. Conseguiu
desfrutar do último sopro de motivação dos jogadores do hexa, o
que foi suficiente para eliminar o Corinthians em duas partidas
duríssimas. Poderia ter ido mais longe na competição continental,
mas foi prejudicado por um erro primário de logística na partida de
ida das Quartas de Final, contra a Universidad-CHI, que não foi
revertido nem mesmo pela primorosa atuação da equipe no Chile.
Sua forma
de jogo era simples, trazendo elementos da “tropa de elite” de
Joel, montando um cinturão de zagueiros e volantes que trancavam a
defesa e faziam o time jogar em função do talento de Adriano e
Wagner Love. Com a eliminação da Libertadores e a saída dos dois
atacantes, perdeu a referência ofensiva e não resistiu à aridez
técnica do elenco remanescente. Seu temperamento difícil também
não ajudou. Deixou o comando após o mau início no Brasileiro.