Saudações
flamengas a todos,
Antes de
iniciar o texto, transcrevo aqui um comentário do colega Heriton
Castello Branco, publicado na coluna de domingo passado, sobre
goleiros. Ele falava de um vídeo postado pelo Gustavo Brasília.
“Faltou
um lance, se eu não me engano contra o Serginho Chulapa, em que o
Serginho avança livre e chuta pro gol, o Filiol estava saindo do gol
e espalma, caindo já fora da área, a bola volta pro serginho que
tenta encobrir o filiol já caído, já que ele não poderia botar a
mão na bola, mas o filiol levanta a perna e consegue desviar a bola
com o pé. Eu tinha uns doze, treze anos, não me lembro que jogo era
esse, eu lembro que assisti ao vivo pela televisão (nosso aparelho
ainda era preto e branco), mas esse lance ficou marcado pra mim.”
O
lance aconteceu na partida Flamengo 4-1 Santos, pela Libertadores de
1984, no Maracanã e está no vídeo abaixo:
* * *
A derrota
de domingo passado fez (ou deveria ter feito) muitos caírem na
realidade, dura por sinal, de que sem time não se consegue nada.
Apenas o crescente distanciamento de seu torcedor, que aliás tem se
mostrado a cada dia menos identificado com as cores de sua paixão.
Os
recentes maus resultados do Flamengo suscitaram o cotejo entre duas
filosofias administrativas: a que recomenda a contratação de
grandes jogadores, formando um grande time que, com suas grandes
arrecadações, auferirá renda suficiente para pagar os compromissos
assumidos, ou a atual, mais conservadora, aconselhando que primeiro
deve ser arrumada a casa, para depois então se partir para a
formação de um time de primeira grandeza.
É fato
que, por motivos distintos, a escalação atual da equipe somente
motiva de sua torcida não mais que bocejos. Um time que não possui
qualidade técnica para compensar a incompetência de seus
dirigentes, que alegam ainda não disporem de condições para
reforçá-lo. É um ciclo vicioso que parece não ter fim.
A marcha
pragmática da diretoria atual se revela lenta, gradual e segura, não
abrindo mão do equilíbrio no balanço patrimonial. Grande time, se
e somente se depois de saneadas as finanças.
O
planejamento global da administração acena para um futuro radioso.
Consta que o ano que vem será mais frutífero, em função da
consumação de algumas operações que trarão, em tese, a dívida
atual a um patamar mais administrável. Recorda-se de discurso
semelhante proferido ano passado.
Vista com
olhos pacientes, a cavalgada da diretoria rubro-negra aparentemente
reúne, com efeito, condições de, em ritmo de imperturbável trote,
devolver o Flamengo à sua plenitude técnica e financeira.
Olhada,
porém, pelas lentes da impaciência da torcida, talvez seja
recomendável ao seu presidente provocar um galope capaz de fazer
sumir, se possível de imediato, a acabrunhante visão de um time
formado por determinados jogadores sem a menor condição de envergar
a camisa do Flamengo.
Os dados
disponíveis, assim como as perspectivas que oferecem, apontam o
modelo administrativo adotado pela gestão atual como o mais correto
possível e disponível. Apesar disso, e ainda assim, não elimina a
suposição de que a indiscutível fragilidade da equipe não tem
sido abordada com o senso de urgência e a vontade sempre inerentes à
flama rubro-negra, usualmente indignada com prolongados ciclos de
reveses.
Basta
olhar para o exemplo de São Januário. Sem dinheiro, sem crédito e
praticamente sem gastar um centavo, construiu-se aquele que tem
demonstrado sistematicamente dentro das quatro linhas ser o melhor
time do Rio de Janeiro.
Criticado
por seus desafetos, que, entre outras perorações, alegam não
reunir o conhecimento e a experiência necessárias para lidar com
futebol (“Nunca pisou num vestiário na vida. Não entende, nunca
entendeu e nunca entenderá de futebol”), e por certo apego ao
cargo (teria quebrado um acordo em que abrira mão de buscar a
reeleição), o presidente se defende. Alega estar o problema
financeiro resolvido, através de reescalonamento de dívidas
diversas, do encaminhamento da solução de penhoras judiciais, e da
consumação de algumas situações que trarão enorme alívio no
fluxo de caixa. “Ano que vem poderemos enfim decolar”, afirma.
Enquanto
isso, o torcedor segue exposto a uma filosofia draconiana de
contratações. Não se espere grandes investimentos para este
segundo semestre. Nada de grande time, mas reforços pontuais, e
assim mesmo após um forte trabalho de prospecção, em busca de
alguma pechincha que valha a pena. “Estamos no caminho certo e
temos certeza que os reforços a caminho irão sanar as lacunas da
equipe”, acentua o presidente, sempre otimista.
Este
otimismo, difícil de justificar, efetivamente tem permeado a
atmosfera dos corredores da Gávea. Há grande expectativa pela
conclusão de algumas negociações em andamento, embora de antemão
já se saiba que não há nenhum protagonista em vista. Não há
qualquer aquisição realmente significativa em curso.
Isso
causa apreensão. O melhor jogador do time acumula constantes más
atuações nos últimos meses, o zagueiro central é voluntarioso,
até raçudo, mas dotado de limitações técnicas irreversíveis, o
goleiro possui talento duvidoso até mesmo para figurar na reserva. A
rigor, um ou dois jogadores têm sustentado o time com algumas
partidas regulares. O que é pouco.
Além do
teórico reforço no elenco, também coloca-se em xeque a figura do
treinador como a peça mais importante do trabalho. Marcado por
insucessos recentes, criticado pela obstinação em determinadas
decisões e acusado (talvez injustamente) por uma série de decisões
erradas, o treinador surge como o ponto central de um trabalho que,
aparentemente, está diante de sua última oportunidade de demonstrar
ao menos indícios de êxito, sob pena de provocar uma avalanche de
efeitos imprevisíveis.
O fato é
que o otimismo às vezes quase eufórico dessa diretoria com as
perspectivas que julgam se abrirem para o restante da temporada não
está balizado em nenhuma evidência real. Apenas promessas e frases
feitas, amparadas em algumas mudanças pontuais que, se de fato
trazem certa expectativa por uma evolução, também fazem mergulhar
a administração na perigosa armadilha retórica dos resultados a
longo prazo, sempre projetando um amanhã róseo em contraponto a um
presente sombrio. É um cenário que não costuma terminar bem.
Até
porque esse otimismo, essa aparente tranquilidade da diretoria,
muitas vezes parece resvalar para o plantel. Ainda está marcada na
memória de muita gente a descontraída reapresentação do grupo
após uma importante e dolorosa derrota decisiva para o Vasco, em
que, no dia seguinte à partida, jogadores, dirigentes e membros da
comissão técnica disputaram uma animada pelada na Gávea, recheada
de risadas e brincadeiras.
Enfim,
para uma administração que se propôs a “salvar” o clube, em
que pese os evidentes pontos positivos, ainda falta muito para que se
possa supor que os objetivos apregoados tenham sido atingidos, mesmo
em parte. Ao torcedor, castigado por anos e anos de vexames e maus
resultados, resta esperar, pacientemente, que algum dia o tão
prometido pote dourado no final do arco-íris efetivamente apareça.
E que não se revele, ao final das contas, recheado do célebre “ouro
de tolo”.
* * *
O texto acima é uma coletânea
de reportagens publicadas em diversos jornais do Rio de Janeiro ao longo
de julho de 1978, com adaptações.
O
Flamengo, ao ser derrotado pelo Noroeste de Bauru por 1-0,
despedira-se do Campeonato Brasileiro, terminando na 16ª colocação,
não conseguindo melhorar o desempenho do ano anterior, em que
obtivera o 9º posto.
Entre o
início da administração FAF e a data dos textos, o Flamengo havia
enfrentado o Vasco 6 vezes, obtendo 2 derrotas e 3 empates, sendo um
dos quais o 0-0 que deu o Estadual de 1977 ao adversário, após decisão por pênaltis. E uma
vitória, em um amistoso em Itabuna-BA.
A perda
do Estadual de 1977 sinalizara a terceira eliminação seguida
sofrida para o Vasco, em um intervalo de dois anos.
Até a
data dos textos, o Flamengo havia disputado, ao longo do ano, 8
clássicos regionais, obtendo 1 vitória.
Márcio
Braga é um dos melhores e mais vitoriosos dirigentes da história do
Clube de Regatas do Flamengo, e uma referência interna extremamente
respeitada e de consulta obrigatória. Mas o reconhecimento sempre é
precedido por um tortuoso percurso, onde obstáculos aparentemente
intransponíveis se empilham. Transpô-los. E venceu.