Quem viveu as fases pré e pós-internet desfruta da possibilidade de reconhecer o poder de destruição que a rede, progressivamente, tem imposto às relações humanas em suas reais grandezas, tendo atingido inclusive a "sagrada" relação até então existente em uma mesa de bar, onde amizades se solidificavam, problemas eram momentaneamente resolvidos e o relaxamento dos dias tensos dissolvidos.
É facilmente constatada a presença de amigos em torno de uma mesa, sentados diante de uma bebida, com cada um mais compenetrado em seu celular do que na explanação do amigo da hora sobre determinado assunto. Como ironia, dizem que tais pessoas "conversam entre si via satélite".
O tema tende ao infinito, é vasto e oferece rolos de conversas, argumentos e debates.
Segundo José Luiz Portella em uma ótima coluna sobre a matéria no Lance!, na semana passada, tratando da desumanização do futebol tendo em vista a perda de referência dos atletas atuais, "a internet entrou com força total no relacionamento entre as pessoas, invadindo a intimidade de todos, colocando-nos perto de qualquer um e bem longe de alguma conversa mais substancial".
O articulista cita uma recente entrevista de Rodrigo Caetano concedida ao periódico, na qual o executivo do Flamengo aponta a rede como o grande fator na falência de liderança no futebol e, segundo o dirigente, "Se a comissão técnica não insiste com o jogador para que discuta problemas do campo, participe das soluções, sugira, converse com o companheiro, ele se esconde atrás do celular e some do planeta humano".
Segue Portella:"Rodrigo tem razão. Sem diálogo e contato face a face, sem a expressão do rosto, sem o tom de voz, as palavras viram um enigma indecifrável ou platitudes inócuas que nos levam a nada.
Jogadores falam muito mais com amigos fora do clube ou com jornalistas do que com os companheiros com quem trocam passes cotidianamente.
Sem conversa pessoal não há vínculo humano. Sem ele, não há liderança estabelecida. O ser humano precisa de referências. Quando não as tem, perde o rumo...
...A ansiedade que contempla a todos nós, o imediatismo brasileiro característico, somados aos impulsos da internet têm afastado as pessoas de um convívio mais humano, mais natural. Reduziu drasticamente as lideranças e, com elas, as referências. Restam todos perdidos no espaço.
O objetivo é sempre o que está mais adiante, aquilo que não se tem. A insatisfação é constante. E assim, os times perdem a base mental, psicológica, que é o fundamento da atuação de um atleta".
Já para o professor e economista francês Michel Godet, membro da Academia Francesa de Tecnologia, que esteve no Rio de Janeiro para uma palestra na Fundação Getúlio Vargas (FGV), "A gente tem cada vez mais acesso à informação, mas cada vez menos pessoas para debater sobre elas. Inclusive com nossos amigos, é cada vez menor a chance de falar diretamente com as pessoas. Por isso, acredito que um dos principais mercados do futuro será o da solidão".
Essa relação "rede mundial x futebol" apresenta um grande desafio no sentido de promover a integração dos benefícios infinitos da internet com o elenco do clube, garantindo o direito do cidadão, circunstancialmente um atleta, e sem perda do foco necessário do jogador nos objetivos a serem atingidos pelo time dentro de campo, em todos os momentos de sua vida profissional.
Eis uma questão complexa a ser desvendada.
SRN!
Obs. Os autores citados e as respectivas matérias (completas) podem ser encontrados no Lance! e no O Globo de 24 e 29 Fev pp, respectivamente.