Eu nasci em 1974, vi pouco a geração de ouro dos anos 80 e minha memória guardou pouco mais do que a noite em que eu dormi no quarto dos meus pais para assistir a final do Mundial. Em 87, eu era um adolescente numa época em que adolescentes não eram tão independentes quanto hoje. Mesmo morando perto, fui ao Maracanã em poucas partidas além da semifinal e da grande decisão.
Já o início da década de 90 foi efetivamente quando eu comecei a viver o Flamengo mais intensamente. Jogos na Gávea, me lembro de um em especial contra o Americano, uma chuva torrencial cai sobre o Rio de Janeiro e me deixa ilhado na Zona Sul. Vencemos por 2 a 1 com gol do Gaúcho, que nos deixou na noite de quinta, vítima de um maldito câncer na próstata.
Gaúcho foi o melhor centroavante que eu vi no Flamengo depois do Nunes mesmo sem ser o melhor. Explico: ele era aquilo que chamam de "limitado tecnicamente" mas um exímio finalizador. Romário era muito mais jogador, óbvio, mas nos entregou muito menos. E ainda deu início a uma fase de bagunça no Flamengo que insiste em perdurar até hoje. Gaúcho foi campeão carioca, brasileiro e da Copa do Brasil, marcou 98 gols em 200 partidas. Fez gol em time pequeno, fez gol em clássico, fez gols fundamentais para a conquista de três títulos.
92 não foi um ano tão bom quanto os dois anteriores, Gaúcho sofreu com lesões mas voltou a tempo de ajudar na reta final da fase de classificação do Brasileiro. Aquele campeonato foi, talvez, o que eu mais acompanhei "in loco". Perdi três jogos apenas no Maraca e, na fase final, sofri junto com o nosso artilheiro aquele jejum de gols que durou seis partidas. Na última rodada, Flamengo precisava derrotar o Santos no Maracanã enquanto o Vasco tinha que vencer o São Paulo em São Januário, o famoso jogo do "entrega". Nosso vice favorito fez sua parte e nós vencíamos bem no Maraca. Mas o Santos resolveu engrossar. Gilmar pegou pênalti cobrado pelo Paulinho McLaren. Marcelo Passos diminuiu e, se o Peixe empatasse, a vaga na final seria do Vasco. Então, aos 45 do segundo tempo, Nélio avançou num contra-ataque pela esquerda e cruzou para a entrada da área. Gaúcho escorregou mas conseguiu dominar a bola, se reequilibrou e disparou um petardo de esquerda no ângulo. Um chute com a força de suas cabeçadas, marca registrada do artilheiro. Acho que comemorei mais esse gol do que os seguintes na decisão contra o Botafogo.
Além disso, Gaúcho era um fanfarrão. As comemorações de gol imitando "seu Boneco", a aposta com o Renato paga com churrasco no dia seguinte ao primeiro jogo da decisão de 92, as entrevistas. Ídolo, muito ídolo!
Descanse em paz, artilheiro!