domingo, 13 de março de 2016

Alfarrábios do Melo

Saudações flamengas a todos,

Essa semana respondo a uma solicitação do colega Felipe kta, que nos comentários mostrou interesse em conhecer um pouco da formação dos times flamengos que conquistaram os seis Brasileiros e o Mundial. Pois, aí vão algumas linhas sobre o processo de montagem dessas equipes. Boa leitura.

1980
Raul, Toninho, Rondinelli, Marinho, Júnior; Andrade, Carpegiani, Zico; Tita, Nunes, Júlio César

A espinha dorsal de 1980 não foi substancialmente alterada. As duas modificações mais sensíveis aconteceram na zaga e no comando de ataque. Marinho, que fez grande Brasileiro pelo Londrina, foi contratado para ajudar a sanar os problemas de um setor que vinha dando calafrios no torcedor, e logo assumiu a posição de titular, no lugar do contestado e estabanado Manguito. Já a questão do centroavante foi um tanto mais complexa. Cláudio Adão se desentendeu com Coutinho e foi posto à venda, sendo emprestado ao Botafogo. Enquanto a diretoria buscava a reposição, o jovem talentoso Gerson Lopes foi testado em amistosos da pré-temporada e agradou, mas uma séria lesão interrompeu sua trajetória e abreviou sua passagem pelo rubro-negro. A saída foi a improvisação de Tita, sem sucesso. As atuações do Flamengo no Brasileiro já começavam a preocupar o torcedor, quando o clube, após quase conseguir repatriar o vascaíno Roberto Dinamite, fechou a vinda, inicialmente por empréstimo, de Nunes, junto ao Monterrey-MEX. Nunes encaixou perfeitamente na equipe e desde o início começou a fazer história.

O time ainda dispunha de Adílio, que, versátil, funcionava como um “12º jogador”. Com as frequentes lesões de Carpegiani, o “Neguinho da Cruzada” era figura frequente no onze titular. Coutinho por vezes também optava por escalá-lo ao lado do próprio Carpegiani, deixando Andrade no banco, em uma alternativa mais ofensiva. Por fim, Adílio ainda podia ser utilizado como falso ponta-esquerda, opção que o desagradava e era pobre, por mantê-lo em uma faixa muito restrita do campo. Por fim, Raul, após quase ser negociado, venceu a disputa com Cantarele e se tornou efetivamente o titular do gol do Flamengo.


1981
Raul, Leandro, Marinho, Mozer (Figueiredo), Júnior; Andrade, Adílio, Zico; Tita, Nunes, Lico

O Campeão Brasileiro de 1980 perdeu Toninho, negociado com o futebol árabe, e Júlio César, vendido para o Talleres-ARG. Para repor a saída do “touro premiado”, o ótimo lateral Carlos Alberto se tornou a opção natural, mas uma séria lesão no joelho permitiu a ascensão do jovem Leandro, que com um futebol exuberante tomou conta da posição (e em poucos meses chegou à Seleção Brasileira). A substituição do “Uri Geller” se tornou o grande enigma flamengo da temporada. Inicialmente Adílio foi deslocado para o setor, o que provocou funda insatisfação no jogador. No segundo semestre, foi contratado Baroninho (ex-Palmeiras), que com gols, um chute potente e boas atuações individuais permaneceu como titular por um bom tempo. Mas, na reta final do ano, Baroninho foi sacado por opção tática, dando lugar a Lico, que andava “esquecido” no elenco, treinando com reservas e juniores. A entrada do catarinense “arredondou” a equipe, que, azeitada e ajeitada, decolou para as maiores conquistas da história do clube.

No meio, Adílio (que, em meio ao desgaste gerado por sua recusa em jogar na ponta, quase foi negociado) herdou a vaga de Carpegiani, que se rendeu às lesões e pendurou as chuteiras, para pouco depois assumir o posto de treinador. Já a zaga, após o fiasco de Luís Pereira, permaneceu formada pela dupla Rondinelli-Marinho, mas o Deus da Raça (que já vinha desgastado com a comissão técnica) fraturou o tornozelo na partida contra o Cerro Porteño em Assunção. O garoto Mozer (que era tratado como jóia) assumiu o posto e, a exemplo de Leandro, conquistou de imediato a vaga de titular. No entanto, por ser susceptível a lesões, deu espaço para a ascensão de outro jovem talentoso, Figueiredo, que também mostrou qualidade e capacidade de atuar na equipe principal. Vendo-se sem espaço, Rondinelli aceitou proposta do Corinthians e deixou o clube.


1982
Raul, Leandro, Marinho, Mozer, Júnior; Andrade, Adílio, Zico; Tita, Nunes, Lico

Carpegiani mexeu pouco no time-base após a conquista do Mundial. As alterações na escalação decorriam de lesões ou demora em renovações contratuais (como no caso de Tita). Os reservas mais utilizados eram Figueiredo e, principalmente, o volante Vítor, que vivia a condição inusitada de fazer parte da lista de convocados da Seleção Brasileira e não ser titular no seu clube. Vítor costumava entrar formando uma dupla de volantes com Andrade (saindo Lico), tornando o time mais sólido na marcação. Como ia bem à frente e chutava forte, o time não perdia força na frente (seu grande momento aconteceu na fantástica virada do Flamengo contra o Internacional por 3-2 no Beira-Rio). 

Mas o maior problema daquela campanha foi a lesão no joelho de Nunes, que o deixou cerca de 30 dias fora da equipe. Testou-se Reinaldo (egresso do Náutico) e Anselmo, sem sucesso. Ironicamente, o jogador que acertou o ataque foi o improvisado Peu, que em apenas 36 minutos (antes de sofrer uma dolorida distensão muscular) derreteu a defesa (e o time inteiro) do Guarani no primeiro jogo das Semifinais do Brasileiro. De qualquer forma, Nunes retornou para as partidas finais, a tempo de marcar o gol do Bicampeonato Brasileiro.

1983
Raul, Leandro, Marinho, Mozer, Júnior; Vítor, Adílio, Zico; Elder, Baltasar, Júlio César Barbosa

A campanha do Tri Brasileiro foi a mais acidentada e dramática dos títulos da Era Zico, sendo caracterizada por dois elementos bastante caros à auto-estima do rubro-negro: a arrancada na reta final e o desempenho devastador no Maracanã.

A temporada iniciou sob a égide do desejo de desenvolver uma renovação na forma de jogar da equipe. As derrotas na reta final de 1982 transformaram a ausência de pontas especialistas, antes um trunfo, em fardo. Com isso, o Flamengo tirou do rival Fluminense um dos seus principais jogadores, o arisco ponta-direita Robertinho. Do Grêmio veio o centroavante Baltasar, envolvido em uma troca por empréstimo com o desgastado Tita. Nunes, que brigou com Carpegiani e com parte do elenco, foi afastado do elenco e acabaria emprestado ao Botafogo. Dessa forma, o Flamengo começou o ano com Robertinho e Baltasar ocupando as posições de Tita e Nunes, respectivamente. Não deu certo. O clube ainda vivia uma forte ressaca pela perda do Estadual e da Libertadores, o time, desmotivado, demorou a encaixar, e nesse contexto o treinador Carpegiani não resistiu e, mesmo sem maus resultados expressivos, perdeu o cargo.

A saída do comandante afundou o clube em uma pesada crise, que custou ao Flamengo a eliminação na Libertadores (após dois péssimos resultados na Bolívia) e, por pouco, não redundou também na saída do Brasileiro. O treinador dos juniores, Carlinhos, mostrou-se ainda imaturo para a função e durou pouco, dando lugar ao diletante Carlos Alberto Torres, numa cartada que decidiria a competição.

Em meio à turbulência, vários jogadores foram testados, jovens como Bigu, Adalberto, Bebeto e Ademar. Além disso, o time perdeu Andrade e Lico, abatidos por sérias lesões que os tiraram do Brasileiro. O lugar de Andrade foi ocupado por seu reserva natural, Vítor (que já dava sinais de insatisfação no banco). Já para a vaga de Lico entrou o jovem Edson, que agradou individualmente mas, por ser ponta nato, comprometeu o equilíbrio da equipe.

Torres, esperto, reuniu-se com os líderes do elenco (Zico, Júnior e Raul) e daí rabiscou o esquema que usaria na parte final da competição. Sacou Robertinho e Edson, promovendo os jovens Élder (volante para fazer dupla com Vítor) e Júlio César (falso ponta para compor o meio). Deu certo. Muito certo. Animado e leve, o time voou nos últimos jogos, destroçando quem aparecesse no Maracanã (5-1 Corinthians, 3-0 Atlético-PR, 3-0 Santos etc). E marchou para o Tri. Destaque para Adílio que, com liberdade para flutuar na frente ao lado de Zico, viveu seu melhor momento na carreira.

1987
Zé Carlos, Jorginho, Leandro, Edinho, Leonardo; Andrade, Ailton, Zico; Renato, Bebeto, Zinho


A origem dessa formação remete-se ao Terceiro Turno do Estadual, quando Antonio Lopes sacou o pesado Kita da equipe e montou o ataque com os velozes Renato e Bebeto, usando dois volantes e um falso ponta para permitir que Zico atuasse com liberdade. Quando, pouco tempo depois, Carlinhos assumiu o comando, logo aproveitou a ideia do antigo treinador, apenas remanejando as peças dentro do que tinha à disposição (Edinho no lugar de Mozer, vendido ao Benfica-POR, Leonardo na vaga do lesionado Adalberto, Ailton barrando Júlio César Barbosa e Zinho repondo a saída de Marquinho, negociado com o Atlético-MG).

Carlinhos usou essa equipe logo em sua estreia como treinador, nos dramáticos 2-1 contra o Vasco. Mas sofreu por todo o primeiro turno com toda sorte de problemas (Zico e Bebeto lesionados, Jorginho fora discutindo renovação contratual, Edinho com o malar afundado após agressão de Geovani), e, com as limitações do elenco, por pouco não perdeu o cargo. À medida que os titulares retornavam, o time foi ganhando corpo e cresceu no momento certo, até a conquista do Tetra.


1992
Gilmar, Charles Guerreiro, W.Gotardo, J.Baiano, Piá; Uidemar, Júnior, J.César Imperador (Marquinhos), Nélio; Gaúcho, Zinho

Naquele que provavelmente foi seu melhor trabalho no Flamengo, Carlinhos soube, com maestria, rodar o elenco e promover a integração da fantástica base de jogadores com a espinha dorsal do elenco, formando um time consistente e com um banco de reservas fortíssimo (Rogério, Fabinho, Marquinhos, Marcelinho, Paulo Nunes, entre outros), onde mesmo o limitado Toto era capaz de contribuir com gols.

Carlinhos, a princípio, sacou Marcelinho do time titular, promovendo Paulo Nunes. Com o retorno de Uidemar, Marquinhos também foi para a reserva, e com essa formação o time se sagrou Campeão Estadual no ano anterior.

Como Júnior decidiu manter-se em atividade, a base foi mantida para o Brasileiro, chegando apenas o já citado Toto para a reserva de Gaúcho e o versátil meia Júlio César Imperador. O time viveu algumas turbulências, como a guerra não-declarada entre Rogério e Júnior Baiano por uma vaga no time e a lesão de Gaúcho, cuja pressa em acelerar o retorno quase o alijou do Brasileiro. Sem a referência no ataque, o Flamengo viveu dias complicados, despencou na tabela e flertou com uma crise pesada. Carlinhos “trancou a casinha” em alguns jogos, tirando Paulo Nunes e efetivando Júlio César ou Marquinhos (povoando assim o meio). A formação mais cautelosa funcionou bem nos jogos finais (já com Gaúcho de volta), e a desacreditada equipe conquistou o Penta. Infelizmente, a venda de Zinho, a séria lesão de Nélio e a má condução de Carlinhos na briga entre Rogério e Júnior Baiano (encaixou ambos em um bizarro esquema de três zagueiros) comprometeram o restante da temporada.

2009
Bruno, Léo Moura, Álvaro, R.Angelim, Juan (Everton); Maldonado, Airton, Willians, Petkovic; Adriano, Zé Roberto

A formação que deu o hexa ao Flamengo começou a ser definida após o bisonho empate com o Fluminense (1-1) que tirou o rubro-negro da Sul-Americana. Após a partida, Andrade cravou, sorriso de canto de boca, “achei o time”. Todos riram e xingaram, mas os categóricos 3-0 sobre o Santo André, no jogo seguinte, mostraram que talvez o Tromba estivesse certo. E estava.

O time, dirigido por Cuca, iniciou a competição variando formações com dois ou três zagueiros, algo confuso. O volante Airton, na falta de titulares confiáveis, acabou improvisado no miolo de zaga, atuando ao lado de Ronaldo Angelim. A armação ficava a cargo da dupla Ibson e Kleberson. Willians e Toró protegiam a zaga e a dupla Emerson Sheik e Adriano era o ponto alto da equipe. Nas laterais (ou alas), os já contestados Leonardo Moura e Juan.


Sheik foi negociado com o futebol árabe, Ibson voltou para Portugal, Kleberson sofreu luxação no ombro (atuando pela Seleção), Juan se lesionou e Cuca foi demitido. Com isso, surgiu o contexto que propiciou a necessidade de mudanças profundas em uma equipe que não empolgava e patinava nas posições intermediárias do Brasileiro. Andrade assumiu e a princípio manteve uma formação com três zagueiros. Conviveu com lesões e convocações de jogadores, precisando, assim, utilizar o limitado elenco de apoio. Recebeu reforços importantes (Maldonado e Álvaro). Andrade efetivou ambos, alterou a forma de jogar para um 4-2-3-1 (inspirado, segundo alguns, no esquema do Flamengo de 81), devolveu Airton à condição de volante, alçou Everton a titular como lateral-esquerdo (mais tarde, Juan retornaria o posto, por conta de uma contusão do camisa 22) e “ressuscitou” o encostado Zé Roberto. E houve o decadente Petkovic, ídolo de tempos passados, que retornara ao clube em troca da quitação de uma dívida. Vendo fome de um derradeiro brilho no jogador, Andrade demorou, mas conseguiu encaixar o sérvio (encontrou sua posição justo no tal Fla-Flu). Com isso, montou um time para que brilhassem os principais expoentes de talento, Petkovic e Adriano. Funcionou, o time ascendeu vertiginosamente na tabela, derrotou todos os principais concorrentes e tirou o Flamengo de 17 anos de jejum.