Essa semana, encerro a série dedicada aos 120 anos do Flamengo, com o último episódio dos primórdios do remo. Boa leitura.
III - O PRIMEIRO TROFÉU
1900.
O Descobrimento do Brasil chega
ao seu Quarto Centenário. E, para celebrar o aniversário da jovem nação, uma
série de festejos e solenidades é levada a cabo no seio da Capital Federal. Um
desses eventos é a realização de uma Grande Regata na Enseada da Glória.
Uma regata normalmente já
mobiliza toda a cidade. Mas a preparação desta edição, que é conduzida
minuciosamente e com o claro intuito de promover uma festa inesquecível, faz
surgir na mente e no coração do carioca uma ardente expectativa. Só se fala, só
se respira, só se comenta a grande regata de 06 de maio.
Chega o grande dia, abraçado por
um faiscante sol azul, que faz o mar cegar a vista da gente. Cerca de 50 mil
pessoas acotovelam-se nos arredores da Enseada.
Uma miríade de embarcações
pulveriza-se nas águas da Glória, adornada com os mais diversos adereços, entre
flâmulas, bandeirolas, faixas, pavilhões ou estandartes. As representantes de
cada agremiação competidora se dispõem em uma extensa fileira, proporcionando
aos seus convidados a mais diversa gama de atrações. As principais são a Barca
Petrópolis, do CR Icarahy, animada pela Banda de Música da Polícia do Estado do
RJ e a Barca Segunda, do GR Gragoatá, que exibe a Banda do 24º Batalhão de
Infantaria do Exército. Também merece destaque o Vapor Itapemirim, do CR Vasco
da Gama, com uma vibrante banda a bordo.
O CR Flamengo se faz representar
por um vapor ricamente enfeitado, ostentando uma grande bandeira em negro e
vermelho, e tripulado por um animado e irreverente grupo de associados.
Em regra, cada clube oferece aos
convidados uma visão privilegiada dos páreos das regatas (de “dentro” do mar),
lauto almoço, folguedos diversos e, a depender do caso, uma banda para entreter
os mais açodados. Causa espécie a animação da Barca do CR Icarahy, cuja banda,
bastante solicitada por espevitadas moçoilas dançadeiras, somente é
interrompida durante a realização dos páreos.
Páreos esses que serão em um
total de oito. Dois deles reservados a competições entre escaleres da Marinha
de Guerra, restando seis disputas entre os centros praticantes do Rowing da
Capital e de Niterói.
O principal páreo do dia será o
Segundo, denominado Páreo Treze de Maio, para canoas a 4 remos. Ao todo, 11
embarcações disputarão a primazia da conquista do Troféu Tropon, pequena obra de
arte ricamente adornada, a ser oferecida à celebração da glória do grupo
vencedor. São enviadas embarcações defendendo as cores do Club Natação e
Regatas, CR Vasco da Gama, Club Cajuense, GR Gragoatá, Club Guanabara e Club
Boqueirão do Passeio.
Além do CR Flamengo, que envia
dois barcos. Jussara e Tymbira, que é a principal embarcação da flotilha
rubro-negra.
É dada a largada. O percurso é
relativamente curto, 1000 metros, o que faz com que seja possível apenas
vislumbrar uma névoa de barcos, pás, água e braços. É absolutamente inviável
definir qual agremiação está em vantagem no páreo. As canoas vão avançando de
forma célere, mas a indefinição persiste inquietante, tensa. Até que, nos
metros finais, irrompe em sensacional arrancada a favorita Tymbira, que deixa
seus concorrentes para trás e arrebenta a divisa final, apropriando-se em
definitivo da primeira posição, seguido de muito perto por Jupyra (Natação e
Regatas) e Judéa (Boqueirão do Passeio).
Vence Tymbira, vence o Flamengo!
E assim Tymbira (patroada por
Álvaro Espínola e tripulada por A.Costa, J.Laport, A. Tourinho e U.Amaral), é a
responsável pela conquista do primeiro troféu da história do CR Flamengo. A
solenidade de entrega é simples e elegante, realizada sob vasta e efusiva rede
de aplausos.
Ainda há o Quinto Páreo,
denominado Álvares Cabral, para baleeiras a 6 remos, premiado a medalhas de
ouro e bronze. O CR Flamengo se fará representar por Itapuca, uma das mais
novas aquisições de sua flotilha, e Ipiranga. Enfrentará barcos do CR Vasco da Gama,
CR Botafogo, Club Cajuense, GR Gragoatá, Club Guanabara, Club Boqueirão e
Passeio e Club Natação e Regatas.
O grande favoritismo deste páreo
(também a 1000 m) repousa sobre Dóris, a baleeira do CR Botafogo. E, com
efeito, tão logo é dada a largada Dóris some na frente dos demais competidores
e vai liderando de forma tranquila. A linha de chegada vai se aproximando
rapidamente, está cada vez mais palpável, tocável, diante dos olhos. Agora,
basta a arrancada final para o glorioso desfecho de uma jornada exemplar,
impecável. As reservas de energia explodem no último esforço, que se
materializa no “sprint” derradeiro. E Doris cruza a linha!
Em segundo.
Porque, sabe-se lá de onde,
sabe-se lá como, um projétil a doze braços irrompe do nada, brota do vazio e estraçalha,
aniquila, destroça, derruba ao chão toda a vasta vantagem do barco do Botafogo,
numa reação que não parece humana. A multidão, simplesmente atônita, contempla
sem reação a assombrosa atropelada da baleeira que largou lá no fim e, nas
últimas, furtou a primeira posição que parecia reservada à simpática Dóris.
Os rapazes vencedores, trajados
em negro e escarlate, apenas acenam, sorridentes. Orgulhosos, dão tapinhas no
casco do barco, onde se lê, em tinta relativamente nova, o nome de Itapuca.
Ao final do dia, entre os seis
páreos disputados, o Flamengo termina com duas vitórias (sendo uma delas no
páreo especial, a troféu), o CR Icarahy também vence duas etapas e Botafogo e
Club Cajuense fecham o rol de vencedores, com um páreo cada.
A Grande Regata ainda é coroada
com um belíssimo espetáculo de queima de fogos e luzes, que se prolongará até o
final da noite.
Esta é a história do primeiro
troféu conquistado pelo CR Flamengo em sua existência. O clube seguirá
conquistando medalhas, troféus e vitórias no rowing, mas ainda esperará um
pouco para se sagrar o campeão da temporada, o que acontecerá apenas em 1916.
No entanto, muitos títulos a este se seguirão, fazendo do Flamengo o maior
campeão do Estado, com 47 conquistas.
O Flamengo seguirá crescendo,
expandindo-se em fama e popularidade, fazendo parte de forma irreversível como
protagonista do cenário esportivo carioca e, não muito mais tarde, brasileiro.
Por ocasião de um dos seus
inúmeros aniversários, já lá pelos anos 1910s, um dos distintos jornais em
circulação pelo Rio de Janeiro concederá ao clube algumas linhas, reproduzidas
a seguir:
“Um dos centros de canoagem que
maior número de simpatias contam entre nós é indiscutivelmente o Flamengo.
Formado por uma plêiade de distintos rapazes, este club tem mais em vista as
diversões de seus associados que o alcance de vitórias nas lutas de remo.
Entretanto, o Flamengo possui um excelente corpo de rowers, e tem mesmo
conquistado brilhantes troféus nas diversas regatas a que tem concorrido. Cada
vez mais, o Flamengo impõe-se aos olhos do nosso mundo esportivo. Daqui destas
colunas, enviamos ao club rubro-negro os nossos parabéns.”
Linhas simples. Mas emblemáticas.