Saudações flamengas a todos,
Esta semana vou pedir desculpas
aos que estão acompanhando a série especial sobre os 120 anos do Flamengo e
propor um desafio. O último episódio sobre os primórdios do remo, contando a
história do primeiro troféu, será publicado no próximo domingo.
Mas, como dizia, proponho essa
semana um jogo. Apresentarei quatro situações relativamente corriqueiras no
dia-a-dia de um clube de futebol. E hoje os dirigentes serão os amigos
leitores. Que poderão, nos comentários, propor soluções para os casos
apresentados. Na linha “hoje o cartola é você”.
Os casos são verídicos, ocorreram
em épocas distintas do Flamengo. Mas a idéia não é identificá-los, adivinhá-los,
mesmo que alguns pareçam claros aos mais atentos. Tanto que não serão revelados
aqui. A proposta é “brincar de dirigente”, discutir ações e medidas, tentando
ponderar possíveis efeitos positivos e negativos.
Por fim, seria interessante não
desvirtuar para mais um enjoativo viés eleitoral. Não há qualquer mensagem
subliminar nos casos, que foram escolhidos a esmo.
Boa diversão. Aproveitem.
* * *
CASO 1
Contratado para impor a
“linha-dura” e conduzir um trabalho de renovação no elenco, “doa a quem doer”,
“barre a quem barrar”, o treinador vem desenvolvendo uma trajetória atribulada.
Compra algumas brigas, afasta alguns veteranos, promove vários jovens, faz o
time jogar de forma mais compacta, veloz e competitiva, mas os resultados
iniciais são opacos, embora haja nítido progresso em relação à formação
anterior. Com isso, as vozes contra sua permanência são engrossadas, com
críticas cada vez mais contundentes e pesadas. O temperamento difícil do
treinador, que possui o controvertido hábito de responsabilizar publicamente
alguns dos jogadores por eventuais falhas em campo, também não ajuda a atenuar
sua situação. Nesse contexto, surge uma excursão ao exterior, que aparentemente
poderá acalmar os ânimos. É a oportunidade para que se testem alguns dos novos
reforços e se entrose a equipe.
Mas os maus resultados iniciais
produzem uma crise ainda mais pesada. Pipocam os rumores de que quatro
jogadores (três titulares e um reserva) estão organizando um motim contra o
treinador, recusando-se a seguir suas ordens em campo e acertando a tática da
equipe entre si, além de discutirem e questionarem horários de treinamento.
Telefona daqui, conversa dali, a rebelião é desmentida, mas a chegada ao Brasil
se dá em clima bastante pesado.
Não é preciso se esforçar muito
para perceber que o treinador não desfruta de um bom ambiente dentro do clube.
No entanto, para tentar demonstrar força e buscar apoio (é respaldado por um
dos diretores ligados ao futebol), o técnico intensifica a linha-dura,
afastando alguns “intocáveis” que, segundo ele, estão tendo desempenho, técnico
e físico, abaixo do aceitável. Coincidentemente, o suposto líder do tal
movimento é barrado. Outro participante, o jogador reserva, é escalado em uma
posição improvisada.
O Flamengo, apático em campo, é
derrotado na partida seguinte e a crise explode.
E agora? Prestigiar o trabalho de
renovação iniciado pelo treinador? Manter a linha-dura, para a qual foi
contratado? Ou demitir o treinador, respaldando o elenco?
CASO 2
Dois jogadores do elenco
protagonizam um grave episódio disciplinar, que afeta severamente a imagem do
clube.
Um deles é uma das principais
estrelas da equipe, recentemente contratado a peso de ouro após se consolidar
como o principal atacante brasileiro em atividade. Mas seu contrato, curto,
está prestes a vencer. O jogador, que está há três meses sem receber, possui
propostas de vários clubes, mas deseja permanecer. A princípio.
O outro está começando a se
firmar no time principal. Seu histórico disciplinar não é bom, tendo se
envolvido em vários incidentes anteriores, todos eles sérios. Marrento e
arrogante, angaria várias desavenças com outros jogadores e é visto com
desconfiança por parte da torcida, incomodada com sua pouca entrega dentro de
campo. Por conta de seu temperamento difícil e do histórico complicado, é tido
como uma “maçã podre”, um foco de instabilidade no elenco.
O episódio, que contou com a
participação de ambos os atletas, já está superado dentro do vestiário, os
jogadores já colocaram panos quentes. Mas a imprensa segue dando repercussão ao
assunto.
Diante do caso, como proceder?
Punir um dos dois? Ambos? Como lidar com as situações contratuais dos dois
jogadores mantendo a autoridade institucional do clube? Enfim, o que fazer?
CASO 3
Aproxima-se a renovação do
contrato. Aos 34 anos, o atacante apresenta severas limitações físicas, tendo
convivido com sérias lesões recentes. Na temporada passada participou de apenas
seis jogos, tendo anotado quatro gols. Voltou de recente cirurgia, mas após
quatro partidas se lesionou novamente, fazendo surgir dúvidas sobre sua
recuperação. Maior salário do elenco e um dos mais bem pagos do país, tem
angariado antipatias por sua postura independente e forte ascendência no
elenco. Muito se questiona se vale a pena investir tanto dinheiro por um
jogador que praticamente não tem dado retorno dentro de campo, permanecendo a
maior parte do tempo no Departamento Médico. Outros ponderam ser importante
contar com uma liderança que aglutine os jogadores e motive os torcedores,
afinal não se trata de um jogador qualquer. Um clube do Rio de Janeiro acena
com uma boa oferta para contratar o jogador, que anda irritado com a hesitação
da diretoria em definir o assunto. Diretoria que, aliás, está bastante dividida sobre o tema.
O que fazer? Renovar? Dispensar?
CASO 4
Pipoca uma crise entre um titular
do elenco e o treinador. O jogador não aceita exercer a função que é imposta
pelo técnico e avisa pelos jornais que não pretende mais vestir a camisa do
Flamengo, o que causa notável repercussão negativa junto à torcida. A diretoria,
em um primeiro momento, afasta o jogador e lhe aplica uma multa. Como está
contundido, o atleta não participa de uma rápida excursão que o Flamengo faz no
exterior. Fica no Rio fazendo trabalho de fisioterapia.
Enquanto o Flamengo está fora, o
jogador, de cabeça fria, começa a soltar declarações apaziguadoras pela
imprensa. Aceita ceder ao técnico, mas quer reversão da multa. A diretoria,
acompanhando o time, não tem pressa e resolverá a questão no retorno da viagem.
Em paralelo, apura-se que um
clube italiano e dois paulistas estão interessados no jogador. Um deles, que
recentemente vendeu seu goleador a peso de ouro para o futebol europeu, acena
com uma proposta milionária, um valor acima do que o Flamengo pensa em
arrecadar com a venda. Pagamento à vista.
O jogador é titular, versátil e
muito talentoso, mas é, sendo condescendente, tolerado pela maioria do elenco e
da torcida.
O que fazer nesse caso? Vender o
jogador? Mantê-lo afastado? Ceder aos seus apelos e reintegrá-lo? Manter a
multa ou perdoá-la?
* * *
Deixo aqui minha declaração de amor pulsante, sanguínea, desbragada e despudoradamente apaixonada a este que vibra, que é fibra, que é consagrado. sempre amado, que é o mais cotado nos fla-flus e nos fla versus quem quer que seja. Aquele que me mata, me maltrata. Aquele que mexe, que arrebenta com todas as entranhas da minha existência e depois se esgueira furtivo até retornar caudaloso, verborrágico, hiperbólico, na jornada seguinte.
Vida longa e vitoriosa ao CR Flamengo, que rebenta em seus 120 anos com o vigor de um menino. Um menino daqueles bem pestes, danados, capetas. Um ai-jesus.
Ao qual nunca, jamais, estamos indiferentes.