“Ele era mil/ Tu és nenhum/ Na guerra és vil/ Na cama és mocho/ Tira
as mãos de mim/ Põe as mãos em mim/ E vê se o fogo dele/ Guardado em mim/ Te
incendeia um pouco...
Éramos nós/ Estreitos nós/ Enquanto tu/ És laço frouxo/ Tira as mãos
de mim/ Põe as mãos em mim/ E vê se a febre dele/ Guardada em mim/ Te contagia
um pouco...” (BUARQUE, Chico)
Saudações flamengas a todos,
Já que estamos na época das
cartinhas e das notinhas, também quero entrar na onda e mandar minha humilde
epístola aos briosos jogadores do nosso time.
* * *
Prezados jogadores,
E então? Satisfeitos? Contentes
com o que obraram até aqui?
Não quero ser repetitivo, mas
vamos lembrar um pouquinho: eliminado das finais de um dos piores Estaduais da
história, ocupante do “honroso” 13º lugar do Brasileiro com a expressiva marca
de DEZ derrotas em 19 jogos, ou seja, perdemos METADE dos jogos que disputamos,
e agora a cereja no bolo, a TERCEIRA DERROTA SEGUIDA para o PIOR time do
Campeonato Brasileiro. Uma das mais vazadas defesas da história da Série A não
leva um gol nosso há mais de 360 minutos. Perdemos os últimos QUATRO clássicos
regionais. Contra as equipes de São Paulo conseguimos a proeza de ganhar UM
ponto de quinze disputados, fora as goleadas.
Reconfortante, não?
Peguem o jogo de quarta passada.
Com um minuto, levaram um soco e uma pisada. O que nós, como torcedores,
imaginávamos que iríamos ver, minimamente, em campo? Vocês meterem uma rodinha,
baterem boca uns cinco minutos, arrepiar um adversário na primeira dividida e
com isso nivelar a quizumba. No entanto, vocês se esconderam do embate como
ratos. Uma postura lassa, covarde, frouxa. Que, desde então, deu o tom do que
veríamos a partir dali. Um time quase apático, dominado e envolvido
emocionalmente, taticamente e até tecnicamente durante praticamente os 90
minutos. Que deixou a sensação de que o placar mínimo ficou barato. Isso porque
vocês gostavam e corriam para o treinador que saiu.
Fico imaginando se não gostassem.
Agora eu me dirijo ao nosso
“capitão” atual. Assim, com as aspas. Você é um rapaz letrado. Educado. Bom de
conversa. Até joga alguma bola. Mas, vai por mim, esquece isso de querer
comandar. Você não lidera nem dinâmica de grupo. É muito fraquinho, muito
melancólico. Não tem cabeça. Aliás, você me lembra aquela personagem do
Dostoiévski (o Dostoiévski você conhece, né?), o tal Raskolnikov. Ele, um rapaz
cheio de ideia de grandeza que um dia mata uma velhinha. Acha que cometeu o
crime perfeito. Mas não aguenta a pilha que um comissário de polícia mais
esperto toca nele e acaba se entregando. Pois é, você me lembra esse sujeito.
Olho você, me vem o Raskolnikov na mente. Primeira pressão, se borra todo. Mas
tem uma diferença, ele matou uma velhinha, você não faz mal a uma
barata.
Um dia, num Flamengo x Vasco
desses da vida, o nosso capitão da época sentiu que os zagueiros adversários
estavam batendo muito. Chamou a nossa zaga e meteu berro, “deem neles também,
senta a porrada”. Na bola seguinte, o nosso beque jogou o atacante pela
lateral. Isso é o que um capitão faz num clássico. Entende o jogo. Enquadra. SE
IMPÕE.
Eu já vi o Flamengo terminar jogo
com jogador de joelho estourado tentando dar pique na lateral do campo. Já vi
jogador meter gol de cabeça mesmo com um olho fechado de conjuntivite, indo
bola e sangue pra dentro da rede. Na nossa história já tivemos jogador atuando
com braço quebrado, com osso trincado e com apendicite. Jogador comendo grama de desespero após ter falhado num gol. Erigimos o nome sagrado
do nosso Flamengo com muito, mas muito suor, espírito de luta e, acima de tudo,
a completa recusa em nos entregarmos a qualquer tipo de adversidade. De
qualquer natureza. Onde fosse, contra quem fosse, na hora que fosse. Nunca,
jamais, em hipótese alguma, nos entregamos. É o que nos orgulha, o que nos faz
cantar alto.
E o que temos hoje? Jogador
pipoqueiro pedindo pra sair no primeiro dodói ou na primeira entrada mais dura.
Boleiro hospedado no departamento médico, como que numa redoma. Jogador fazendo
beicinho quando toma vaia. Zagueiro cheio de mimimi porque torcedor reclamou,
com razão, das lambanças que entregaram um jogo. Aliás, pra bater boca com
torcedor vocês rapidinho viram machos.
O Maracanã, ou pelo menos o que
sobrou dele, é e sempre foi nosso maior trunfo. Nosso diferencial. O templo
onde os adversários simplesmente travavam, sumiam, eram engolidos. Pois vocês
conseguiram algo que eu nunca vi na minha vida. Vocês compõem o primeiro elenco
da história do Flamengo que SE INTIMIDA com o Maracanã. Vocês têm MEDO do
Maracanã. O estádio lotado os faz se urinarem todinhos. Não gostam da torcida.
O torcedor para vocês é um intruso. Alguém que irá cobrá-los, exigir raça, até vaiá-los
(que sacrilégio..). Enquanto isso, qualquer figueirense da vida chega lá cheio
de marra e desfila em campo.
Meus caros, vocês não representam
o espírito flamengo. A essência rubro-negra. O que vocês exibem em campo está
completamente divorciado da mais rala e remota caricatura das entranhas do CR
Flamengo. Vivessem na época de Agostinho, Domingos, Laport, Nestor, seriam
escorraçados na porrada. Vocês trazem tatuada nas suas caras a face estampada
da derrota. Vocês não têm brio. Não têm fome. Não têm alma. Só funcionam como
grupo para tirar fotinho de cervejinha na mão. A glória lhes é algo metafísico,
distante, inócuo. A competição, um estorvo. A pressão, um fardo insuportável.
Perdedores. Vocês são perdedores em essência.
A principal característica do
Flamengo é a alquimia entre a torcida e os jogadores. Quando nos damos as mãos,
somos quase imbatíveis, viramos uma força da natureza. Alguns de vocês viveram
isso em 2013. Eu lhes pergunto: quem irá ter ânimo de estender a mão a essa
massa amorfa e indiferente que hoje é esse bando de derrotados? Vocês
conseguiram suscitar uma falta de identificação que resvala ao nojo, ao
repúdio, à absoluta rejeição. A desfaçatez, a cupidez com que vocês se entregam
de joelhos à primeira adversidade arrepia-nos e nos inflama de indignação e
impotência.
Não irei me estender muito mais.
Mas deixo aqui registrado que, até aqui, vocês compõem o esterco, a escória da
história do Flamengo. Em décadas e mais décadas, nunca vi um ajuntamento tão
pusilânime, tão tíbio, tão pífio, tão incapaz de machucar, de ferir, de
competir, de conquistar. Um time ordinário, sem vergonha, sem alma, uma rama de freiras assustadas.
Cabe a vocês, e somente a vocês,
reverter esse quadro. Estarei, e estaremos aqui torcendo, e torcendo muito, como sempre. Mas,
desde já, registro aqui, com todos os esses e erres: Eu NÃO acredito em vocês.
Acredito na CAMISA. O que é bem
diferente.