domingo, 23 de agosto de 2015

Alfarrábios do Melo

“Ele era mil/ Tu és nenhum/ Na guerra és vil/ Na cama és mocho/ Tira as mãos de mim/ Põe as mãos em mim/ E vê se o fogo dele/ Guardado em mim/ Te incendeia um pouco...

Éramos nós/ Estreitos nós/ Enquanto tu/ És laço frouxo/ Tira as mãos de mim/ Põe as mãos em mim/ E vê se a febre dele/ Guardada em mim/ Te contagia um pouco...” (BUARQUE, Chico)

Saudações flamengas a todos,

Já que estamos na época das cartinhas e das notinhas, também quero entrar na onda e mandar minha humilde epístola aos briosos jogadores do nosso time.

* * *

Prezados jogadores,

E então? Satisfeitos? Contentes com o que obraram até aqui?

Não quero ser repetitivo, mas vamos lembrar um pouquinho: eliminado das finais de um dos piores Estaduais da história, ocupante do “honroso” 13º lugar do Brasileiro com a expressiva marca de DEZ derrotas em 19 jogos, ou seja, perdemos METADE dos jogos que disputamos, e agora a cereja no bolo, a TERCEIRA DERROTA SEGUIDA para o PIOR time do Campeonato Brasileiro. Uma das mais vazadas defesas da história da Série A não leva um gol nosso há mais de 360 minutos. Perdemos os últimos QUATRO clássicos regionais. Contra as equipes de São Paulo conseguimos a proeza de ganhar UM ponto de quinze disputados, fora as goleadas.

Reconfortante, não?

Peguem o jogo de quarta passada. Com um minuto, levaram um soco e uma pisada. O que nós, como torcedores, imaginávamos que iríamos ver, minimamente, em campo? Vocês meterem uma rodinha, baterem boca uns cinco minutos, arrepiar um adversário na primeira dividida e com isso nivelar a quizumba. No entanto, vocês se esconderam do embate como ratos. Uma postura lassa, covarde, frouxa. Que, desde então, deu o tom do que veríamos a partir dali. Um time quase apático, dominado e envolvido emocionalmente, taticamente e até tecnicamente durante praticamente os 90 minutos. Que deixou a sensação de que o placar mínimo ficou barato. Isso porque vocês gostavam e corriam para o treinador que saiu.

Fico imaginando se não gostassem.

Agora eu me dirijo ao nosso “capitão” atual. Assim, com as aspas. Você é um rapaz letrado. Educado. Bom de conversa. Até joga alguma bola. Mas, vai por mim, esquece isso de querer comandar. Você não lidera nem dinâmica de grupo. É muito fraquinho, muito melancólico. Não tem cabeça. Aliás, você me lembra aquela personagem do Dostoiévski (o Dostoiévski você conhece, né?), o tal Raskolnikov. Ele, um rapaz cheio de ideia de grandeza que um dia mata uma velhinha. Acha que cometeu o crime perfeito. Mas não aguenta a pilha que um comissário de polícia mais esperto toca nele e acaba se entregando. Pois é, você me lembra esse sujeito. Olho você, me vem o Raskolnikov na mente. Primeira pressão, se borra todo. Mas tem uma diferença, ele matou uma velhinha, você não faz mal a uma barata.

Um dia, num Flamengo x Vasco desses da vida, o nosso capitão da época sentiu que os zagueiros adversários estavam batendo muito. Chamou a nossa zaga e meteu berro, “deem neles também, senta a porrada”. Na bola seguinte, o nosso beque jogou o atacante pela lateral. Isso é o que um capitão faz num clássico. Entende o jogo. Enquadra. SE IMPÕE.

Eu já vi o Flamengo terminar jogo com jogador de joelho estourado tentando dar pique na lateral do campo. Já vi jogador meter gol de cabeça mesmo com um olho fechado de conjuntivite, indo bola e sangue pra dentro da rede. Na nossa história já tivemos jogador atuando com braço quebrado, com osso trincado e com apendicite. Jogador comendo grama de desespero após ter falhado num gol. Erigimos o nome sagrado do nosso Flamengo com muito, mas muito suor, espírito de luta e, acima de tudo, a completa recusa em nos entregarmos a qualquer tipo de adversidade. De qualquer natureza. Onde fosse, contra quem fosse, na hora que fosse. Nunca, jamais, em hipótese alguma, nos entregamos. É o que nos orgulha, o que nos faz cantar alto.

E o que temos hoje? Jogador pipoqueiro pedindo pra sair no primeiro dodói ou na primeira entrada mais dura. Boleiro hospedado no departamento médico, como que numa redoma. Jogador fazendo beicinho quando toma vaia. Zagueiro cheio de mimimi porque torcedor reclamou, com razão, das lambanças que entregaram um jogo. Aliás, pra bater boca com torcedor vocês rapidinho viram machos.


O Maracanã, ou pelo menos o que sobrou dele, é e sempre foi nosso maior trunfo. Nosso diferencial. O templo onde os adversários simplesmente travavam, sumiam, eram engolidos. Pois vocês conseguiram algo que eu nunca vi na minha vida. Vocês compõem o primeiro elenco da história do Flamengo que SE INTIMIDA com o Maracanã. Vocês têm MEDO do Maracanã. O estádio lotado os faz se urinarem todinhos. Não gostam da torcida. O torcedor para vocês é um intruso. Alguém que irá cobrá-los, exigir raça, até vaiá-los (que sacrilégio..). Enquanto isso, qualquer figueirense da vida chega lá cheio de marra e desfila em campo.

Meus caros, vocês não representam o espírito flamengo. A essência rubro-negra. O que vocês exibem em campo está completamente divorciado da mais rala e remota caricatura das entranhas do CR Flamengo. Vivessem na época de Agostinho, Domingos, Laport, Nestor, seriam escorraçados na porrada. Vocês trazem tatuada nas suas caras a face estampada da derrota. Vocês não têm brio. Não têm fome. Não têm alma. Só funcionam como grupo para tirar fotinho de cervejinha na mão. A glória lhes é algo metafísico, distante, inócuo. A competição, um estorvo. A pressão, um fardo insuportável. Perdedores. Vocês são perdedores em essência.

A principal característica do Flamengo é a alquimia entre a torcida e os jogadores. Quando nos damos as mãos, somos quase imbatíveis, viramos uma força da natureza. Alguns de vocês viveram isso em 2013. Eu lhes pergunto: quem irá ter ânimo de estender a mão a essa massa amorfa e indiferente que hoje é esse bando de derrotados? Vocês conseguiram suscitar uma falta de identificação que resvala ao nojo, ao repúdio, à absoluta rejeição. A desfaçatez, a cupidez com que vocês se entregam de joelhos à primeira adversidade arrepia-nos e nos inflama de indignação e impotência.

Não irei me estender muito mais. Mas deixo aqui registrado que, até aqui, vocês compõem o esterco, a escória da história do Flamengo. Em décadas e mais décadas, nunca vi um ajuntamento tão pusilânime, tão tíbio, tão pífio, tão incapaz de machucar, de ferir, de competir, de conquistar. Um time ordinário, sem vergonha, sem alma, uma rama de freiras assustadas.

Cabe a vocês, e somente a vocês, reverter esse quadro. Estarei, e estaremos aqui torcendo, e torcendo muito, como sempre. Mas, desde já, registro aqui, com todos os esses e erres: Eu NÃO acredito em vocês.

Acredito na CAMISA. O que é bem diferente.

É isso. Sem mais.