domingo, 12 de julho de 2015

Alfarrábios do Melo

Saudações flamengas a todos,

A excepcional estreia do Guerrero na última quarta-feira suscitou, além dos previsíveis elogios, loas e suspiros de exaltação, o desejo de vasculhar se houve algum precedente na nossa história. Assim, expandindo uma discussão iniciada com o colega Bcb, vou listar algumas estreias marcantes de jogadores que lograram deixar seu nome gravado na galeria dos grandes jogadores que passaram pelo Flamengo. Claro que esse elemento não é taxativo (estrear bem ou mal diz algo, mas não tudo), porém creio ser interessante a lembrança. Boa leitura.

NUNES, 1980
Com a briga entre Cláudio Adão e Coutinho e a séria lesão do jovem promissor Gerson Lopes, o Flamengo inicia o Brasileiro sem um centroavante de ofício. Enquanto vai acumulando más atuações e alguns resultados decepcionantes, a diretoria vai atrás de Roberto Dinamite, que está mal no Barcelona, mas não obtém êxito. O jeito é apostar no talentoso e controvertido Nunes, ex-Fluminense, que está no futebol mexicano. Nunes acerta seu retorno por empréstimo e estreia contra a forte Ponte Preta (vice paulista do ano anterior) no Maracanã. Em brilhante atuação, Nunes marca um golaço e, numa linda tabelinha, dá um belo passe para um gol de Zico, fora a bravura e o espírito de luta. Mas o Flamengo, ainda com problemas defensivos (que acabarão sanados na fase seguinte), sai de campo amargando um empate em 2-2. Ao torcedor, sobra a certeza de que agora o time dispõe de um centroavante. O aplaudido Nunes acabará tendo o passe comprado em definitivo no decorrer do ano. E sua passagem pela Gávea será inesquecível.

RENATO GAÚCHO, 1987
Ídolo no Grêmio, time para onde se transferiu já juvenil, Renato vive o desgaste de uma relação muito intensa com o clube gaúcho. A corda estica de ambos os lados, e a ruptura é o desfecho natural. Atento, o Flamengo consegue montar uma operação para trazer o jogador, por quem já se interessava desde 1985, e chegara a tentar contratar no ano seguinte. Renato chega sob muita festa e logo se mostra inteiramente à vontade com a atmosfera carioca. Estreia em alguns amistosos pelo país (marca até gol), mas sua primeira aparição oficial se dá na estreia da Taça Guanabara, no Maracanã, contra o respeitado Bangu de Mauro Galvão e Arturzinho. Logo aos 10 minutos, Renato aproveita uma bola que espirrou em Bebeto e fuzila Gilmar, já marcando de forma inapelável sua estreia. O time joga bem, o 1-0 se mantém até o final e Renato é festejado após a partida. O Flamengo ganha um novo ídolo, intenso, polêmico, sanguíneo.

GAÚCHO, 1990
Revelado na base do Flamengo, por quem até chegou a jogar alguns amistosos já no profissional. Dispensado, refaz sua carreira e chama a atenção no Palmeiras, marcando gols e protagonizando uma humilhante vitória nos pênaltis justamente contra rubro-negro, quando, improvisado, defendeu as cobranças de Aldair e Zinho. O Flamengo, após perder Bebeto, agora vive sérios problemas no setor, pois Bujica sente a pressão, Nando não se firma e Borghi, gordo e lesionado, é devolvido para a Argentina. A solução é repatriar Gaúcho, que estreia numa partida periférica contra a Cabofriense, na Gávea, pela Taça Guanabara. Mais do que o gol e a boa atuação, Gaúcho surpreende pela extrema confiança que exala após a partida. “Não fui bem, mas sei que estou fora de forma. Numa condição mais normal, eu teria marcado dois ou três gols hoje. Mas vai melhorar”. Boquirroto e folclórico, Gaúcho, com sua imensa facilidade em marcar gols, logo cai nas graças da torcida. No Flamengo será artilheiro e campeão, mas terá a passagem abreviada após cair muito de rendimento e ter sua conduta extracampo seriamente questionada.

GILMAR, 1991
O consagrado Zé Carlos anda questionado. Na verdade, suas seguidas convocações para a Seleção Brasileira, em que fica sem jogar por ser reserva, lhe tiram o ritmo de jogo. Com isso, as falhas, antes raras, começam a se tornar parte do cotidiano do goleiro, o que corrói seu prestígio junto a torcedores e dirigentes. Dessa forma, não há surpresa quando o Flamengo anuncia a chegada, em uma negociação de troca com o São Paulo que envolveu outros jogadores, a chegada do goleiro Gilmar Rinaldi. Competitivo ao extremo, Gilmar não aceitará a reserva, mas, experiente, sabe esperar sua hora. E ela chega às vésperas de uma difícil partida contra o Corinthians no Pacaembu, pela Libertadores, quando Zé Carlos escorrega na piscina do hotel onde o time está hospedado e estira a coxa. Gilmar entra, fecha o gol e é figura-chave na expressiva vitória por 2-0, num jogo que não termina por causa da revolta dos torcedores corintianos (que fica conhecida como a Noite das Garrafadas). Na partida seguinte, Gilmar segue no time e novamente é destaque na goleada de 3-0 sobre o Vasco, com direito a pênalti defendido e nome gritado em coro pela torcida. É a pá de cal. Gilmar assume de vez a posição, que manterá até ser negociado, no início de 1995. Nesse período, será um dos líderes e referências da equipe.

JÚLIO CÉSAR, 1997
Na duríssima semifinal da Copa do Brasil contra o Palmeiras, no Parque Antarctica, o experiente goleiro Zé Carlos sente uma pancada nas costas e não pode continuar na partida. Será substituído por um jovem de 17 anos, o quarto goleiro do elenco, que está no banco em função de uma suspensão do reserva imediato Fábio Noronha e uma gripe do terceiro goleiro, Marcelo. O garoto atua nos minutos finais e não sente a pressão de segurar a vitória por 1-0 que garante a vaga na Final. No sábado seguinte, o prêmio: o Flamengo põe um time misto para enfrentar o Fluminense, pelo esvaziado Estadual, e Júlio César é mantido no gol. O goleiro faz boa partida, mas não impede a derrota (0-2) para os titulares adversários. Mas deixa marcada sua atuação ao defender um pênalti cobrado por Ronald. Zé Carlos voltará ao gol, mais tarde o Flamengo contratará Clemer, mas desde já a excelente impressão deixada nas duas partidas fará de Júlio César um goleiro a ser preparado. O momento chega anos mais tarde, e Júlio César será, por alguns anos, titular incontestável e um dos principais jogadores da equipe.

PETKOVIC, 2000
O sérvio Petkovic chamou a atenção em sua passagem no Vitória, mostrando um futebol muito superior ao das possibilidades do modesto clube baiano. Negociado com o futebol italiano, não se adapta, abrindo a brecha para seu retorno ao Brasil. O Flamengo, começando a ser irrigado com os dólares da ISL, vai buscar o jogador, dando início a uma ciranda enlouquecida de contratações que terá seu ápice no segundo semestre. Petkovic estréia no Maracanã contra o Santos, na última rodada da primeira fase do Torneio Rio-São Paulo. Sem ritmo de jogo, não atua todo o tempo. Mas, nos minutos em que permanece em campo, brinda a torcida com uma atuação de gala. Marca um belíssimo gol, ao driblar um contrário e emendar uma bola que desviará ainda num zagueiro. Pouco depois, providencia o segundo gol, ao cobrar um de seus escanteios venenosos que acabam escorados por Juan. O Flamengo, que vinha claudicante, vence por 4-1, convence, sai (pela primeira vez no ano) aplaudido e Petkovic é ovacionado.  É apenas o início de uma relação tórrida de ódio e muito amor.

FÁBIO LUCIANO, 2007
O Flamengo vive mais uma de suas graves crises. Aparentemente sem perspectivas, troca o desgastado Ney Franco pelo requentado Joel Santana, buscando repetir a façanha de 2005, quando um time virtualmente rebaixado se salvou milagrosamente nas rodadas finais. Agora a situação é semelhante, o rubro-negro está afundado nas últimas posições. As primeiras partidas do novo treinador, duas derrotas contundentes, não empolgam. Mas há uma carta na manga. O zagueiro Fábio Luciano, tido como contratação de altíssimo risco por conta de seus recentes e sistemáticos problemas com lesões, tem sua estréia marcada para o jogo contra o Náutico, no Maracanã. O experiente zagueiro é a última esperança de arrumar um setor infestado de jogadores medíocres (onde somente se salva o regular Ronaldo Angelim, que mesmo assim, ou por isso mesmo, está mal). A aposta se revela certeira. Fábio Luciano desde o início impressiona com sua segurança e capacidade de comandar o time. O Náutico sai na frente e a partida irá se tornar dramática, com vaias e nervosismo, quando Fábio Luciano, numa cabeçada fulminante, empata e acalma a equipe na base do esporro. O jogador sairá antes do final, ainda sem ritmo de jogo, mas o time, inebriado e aceso, pressionará inclemente até conseguir o gol redentor, a três minutos do fim. Vitória importantíssima, que abrirá caminho para uma arrancada impressionante. Tudo sob o comando do novo líder Fábio Luciano.

ADRIANO, 2000
O Flamengo não inicia bem a temporada de 2000. O novo treinador, Carpegiani, não consegue dar um padrão de jogo à equipe. Busca alternativas entre os juniores, e se impressiona com um garoto alto e de chute muito forte e que, além disso, possui conduta profissional exemplar, mantendo-se longe das farras e dos vícios que contaminam outros garotos de sua idade. Começa a relacioná-lo para o banco e, num jogo contra o Botafogo, aproveita a expulsão de um adversário e o coloca na partida. Adriano atua pouco tempo e não é capaz de mudar o empate (2-2). Mas, no jogo seguinte, o assombro: o Flamengo sofre dois gols do São Paulo em 9 minutos e tudo indica que sofrerá uma goleada histórica no Morumbi. Ainda consegue descontar no primeiro tempo, mas sai pro intervalo agradecendo a magra derrota. Adriano entra e o time simplesmente se transfigura. Na primeira bola recebida, um drible desmoralizante em um zagueiro e a bomba sem chances para Rogério Ceni, decretando o empate. Adriano, em toda a partida, enlouquece os zagueiros, bagunça o esquema tático do São Paulo e é um dos principais responsáveis pelos sensacionais 5-2 do time. É a goleada histórica anunciada. Só que do Flamengo.

Mais tarde, após sair escorraçado do clube, Adriano volta, consagrado, mas perturbado e precisando de carinho. A torcida o recebe no colo e prepara uma linda festa para seu retorno, contra o Atlético-PR, no Maracanã. Agora denominado Imperador, Adriano não decepciona. Fustiga a defesa adversária, consegue indiretamente um gol, quando um zagueiro se apavora com sua presença e marca contra, e deixa a sua marca na segunda etapa, com uma bela cabeçada. O Flamengo vence por 2-1 e ganha um atacante de peso, que resolve os problemas na posição. Mais que isso, ganha um ídolo e um craque, que irá ser um dos principais responsáveis pela conquista do hexacampeonato brasileiro.