Saudações flamengas a todos,
A excepcional estreia do Guerrero
na última quarta-feira suscitou, além dos previsíveis elogios, loas e suspiros
de exaltação, o desejo de vasculhar se houve algum precedente na nossa
história. Assim, expandindo uma discussão iniciada com o colega Bcb, vou listar
algumas estreias marcantes de jogadores que lograram deixar seu nome gravado na
galeria dos grandes jogadores que passaram pelo Flamengo. Claro que esse
elemento não é taxativo (estrear bem ou mal diz algo, mas não tudo), porém
creio ser interessante a lembrança. Boa leitura.
NUNES, 1980
Com a briga entre Cláudio Adão e
Coutinho e a séria lesão do jovem promissor Gerson Lopes, o Flamengo inicia o
Brasileiro sem um centroavante de ofício. Enquanto vai acumulando más atuações
e alguns resultados decepcionantes, a diretoria vai atrás de Roberto Dinamite,
que está mal no Barcelona, mas não obtém êxito. O jeito é apostar no talentoso
e controvertido Nunes, ex-Fluminense, que está no futebol mexicano. Nunes
acerta seu retorno por empréstimo e estreia contra a forte Ponte Preta (vice
paulista do ano anterior) no Maracanã. Em brilhante atuação, Nunes marca um
golaço e, numa linda tabelinha, dá um belo passe para um gol de Zico, fora a
bravura e o espírito de luta. Mas o Flamengo, ainda com problemas defensivos
(que acabarão sanados na fase seguinte), sai de campo amargando um empate em
2-2. Ao torcedor, sobra a certeza de que agora o time dispõe de um
centroavante. O aplaudido Nunes acabará tendo o passe comprado em definitivo no
decorrer do ano. E sua passagem pela Gávea será inesquecível.
RENATO GAÚCHO, 1987
Ídolo no Grêmio, time para onde
se transferiu já juvenil, Renato vive o desgaste de uma relação muito intensa
com o clube gaúcho. A corda estica de ambos os lados, e a ruptura é o desfecho
natural. Atento, o Flamengo consegue montar uma operação para trazer o jogador,
por quem já se interessava desde 1985, e chegara a tentar contratar no ano
seguinte. Renato chega sob muita festa e logo se mostra inteiramente à vontade
com a atmosfera carioca. Estreia em alguns amistosos pelo país (marca até gol), mas
sua primeira aparição oficial se dá na estreia da Taça Guanabara, no Maracanã,
contra o respeitado Bangu de Mauro Galvão e Arturzinho. Logo aos 10 minutos,
Renato aproveita uma bola que espirrou em Bebeto e fuzila Gilmar, já
marcando de forma inapelável sua estreia. O time joga bem, o 1-0 se mantém até
o final e Renato é festejado após a partida. O Flamengo ganha um novo ídolo,
intenso, polêmico, sanguíneo.
GAÚCHO, 1990
Revelado na base do Flamengo, por
quem até chegou a jogar alguns amistosos já no profissional. Dispensado, refaz
sua carreira e chama a atenção no Palmeiras, marcando gols e protagonizando uma
humilhante vitória nos pênaltis justamente contra rubro-negro, quando,
improvisado, defendeu as cobranças de Aldair e Zinho. O Flamengo, após perder
Bebeto, agora vive sérios problemas no setor, pois Bujica sente a pressão, Nando não se firma e
Borghi, gordo e lesionado, é devolvido para a Argentina. A solução é repatriar
Gaúcho, que estreia numa partida periférica contra a Cabofriense, na Gávea,
pela Taça Guanabara. Mais do que o gol e a boa atuação, Gaúcho surpreende pela
extrema confiança que exala após a partida. “Não fui bem, mas sei que estou
fora de forma. Numa condição mais normal, eu teria marcado dois ou três gols hoje.
Mas vai melhorar”. Boquirroto e folclórico, Gaúcho, com sua imensa facilidade
em marcar gols, logo cai nas graças da torcida. No Flamengo será artilheiro e
campeão, mas terá a passagem abreviada após cair muito de rendimento e ter sua
conduta extracampo seriamente questionada.
GILMAR, 1991
O consagrado Zé Carlos anda
questionado. Na verdade, suas seguidas convocações para a Seleção Brasileira,
em que fica sem jogar por ser reserva, lhe tiram o ritmo de jogo. Com isso, as
falhas, antes raras, começam a se tornar parte do cotidiano do goleiro, o que
corrói seu prestígio junto a torcedores e dirigentes. Dessa forma, não há
surpresa quando o Flamengo anuncia a chegada, em uma negociação de troca com o
São Paulo que envolveu outros jogadores, a chegada do goleiro Gilmar Rinaldi.
Competitivo ao extremo, Gilmar não aceitará a reserva, mas, experiente, sabe
esperar sua hora. E ela chega às vésperas de uma difícil partida contra o
Corinthians no Pacaembu, pela Libertadores, quando Zé Carlos escorrega na piscina do hotel onde o time está hospedado e estira a coxa. Gilmar entra, fecha
o gol e é figura-chave na expressiva vitória por 2-0, num jogo que não termina
por causa da revolta dos torcedores corintianos (que fica conhecida como a
Noite das Garrafadas). Na partida seguinte, Gilmar segue no time e novamente é
destaque na goleada de 3-0 sobre o Vasco, com direito a pênalti defendido e
nome gritado em coro pela torcida. É a pá de cal. Gilmar assume de vez a
posição, que manterá até ser negociado, no início de 1995. Nesse período, será
um dos líderes e referências da equipe.
JÚLIO CÉSAR, 1997
Na duríssima semifinal da Copa do
Brasil contra o Palmeiras, no Parque Antarctica, o experiente goleiro Zé Carlos
sente uma pancada nas costas e não pode continuar na partida. Será substituído
por um jovem de 17 anos, o quarto goleiro do elenco, que está no banco em
função de uma suspensão do reserva imediato Fábio Noronha e uma gripe do
terceiro goleiro, Marcelo. O garoto atua nos minutos finais e não sente a
pressão de segurar a vitória por 1-0 que garante a vaga na Final. No sábado
seguinte, o prêmio: o Flamengo põe um time misto para enfrentar o Fluminense,
pelo esvaziado Estadual, e Júlio César é mantido no gol. O goleiro faz boa
partida, mas não impede a derrota (0-2) para os titulares adversários. Mas
deixa marcada sua atuação ao defender um pênalti cobrado por Ronald. Zé Carlos
voltará ao gol, mais tarde o Flamengo contratará Clemer, mas desde já a
excelente impressão deixada nas duas partidas fará de Júlio César um goleiro a
ser preparado. O momento chega anos mais tarde, e Júlio César será, por alguns
anos, titular incontestável e um dos principais jogadores da equipe.
PETKOVIC, 2000
O sérvio Petkovic chamou a
atenção em sua passagem no Vitória, mostrando um futebol muito superior ao das
possibilidades do modesto clube baiano. Negociado com o futebol italiano, não
se adapta, abrindo a brecha para seu retorno ao Brasil. O Flamengo, começando
a ser irrigado com os dólares da ISL, vai buscar o jogador, dando início a uma
ciranda enlouquecida de contratações que terá seu ápice no segundo semestre.
Petkovic estréia no Maracanã contra o Santos, na última rodada da primeira fase
do Torneio Rio-São Paulo. Sem ritmo de jogo, não atua todo o tempo. Mas, nos
minutos em que permanece em campo, brinda a torcida com uma atuação de gala. Marca
um belíssimo gol, ao driblar um contrário e emendar uma bola que desviará ainda
num zagueiro. Pouco depois, providencia o segundo gol, ao cobrar um de seus
escanteios venenosos que acabam escorados por Juan. O Flamengo, que vinha
claudicante, vence por 4-1, convence, sai (pela primeira vez no ano) aplaudido
e Petkovic é ovacionado. É apenas o
início de uma relação tórrida de ódio e muito amor.
FÁBIO LUCIANO, 2007
O Flamengo vive mais uma de suas
graves crises. Aparentemente sem perspectivas, troca o desgastado Ney Franco
pelo requentado Joel Santana, buscando repetir a façanha de 2005, quando um
time virtualmente rebaixado se salvou milagrosamente nas rodadas finais. Agora
a situação é semelhante, o rubro-negro está afundado nas últimas posições. As primeiras
partidas do novo treinador, duas derrotas contundentes, não empolgam. Mas há
uma carta na manga. O zagueiro Fábio Luciano, tido como contratação de
altíssimo risco por conta de seus recentes e sistemáticos problemas com lesões,
tem sua estréia marcada para o jogo contra o Náutico, no Maracanã. O experiente
zagueiro é a última esperança de arrumar um setor infestado de jogadores
medíocres (onde somente se salva o regular Ronaldo Angelim, que mesmo assim, ou por isso mesmo, está mal). A aposta se revela certeira. Fábio Luciano desde o início
impressiona com sua segurança e capacidade de comandar o time. O Náutico sai na
frente e a partida irá se tornar dramática, com vaias e nervosismo, quando
Fábio Luciano, numa cabeçada fulminante, empata e acalma a equipe na base do
esporro. O jogador sairá antes do final, ainda sem ritmo de jogo, mas o time,
inebriado e aceso, pressionará inclemente até conseguir o gol redentor, a três
minutos do fim. Vitória importantíssima, que abrirá caminho para uma arrancada
impressionante. Tudo sob o comando do novo líder Fábio Luciano.
ADRIANO, 2000
O Flamengo não inicia bem a
temporada de 2000. O novo treinador, Carpegiani, não consegue dar um padrão de
jogo à equipe. Busca alternativas entre os juniores, e se impressiona com um
garoto alto e de chute muito forte e que, além disso, possui conduta profissional exemplar, mantendo-se longe das farras e dos vícios que contaminam outros garotos de sua idade. Começa a relacioná-lo para o banco e, num
jogo contra o Botafogo, aproveita a expulsão de um adversário e o coloca na
partida. Adriano atua pouco tempo e não é capaz de mudar o empate (2-2). Mas,
no jogo seguinte, o assombro: o Flamengo sofre dois gols do São Paulo em 9
minutos e tudo indica que sofrerá uma goleada histórica no Morumbi. Ainda
consegue descontar no primeiro tempo, mas sai pro intervalo agradecendo a magra
derrota. Adriano entra e o time simplesmente se transfigura. Na primeira bola
recebida, um drible desmoralizante em um zagueiro e a bomba sem chances para
Rogério Ceni, decretando o empate. Adriano, em toda a partida, enlouquece os
zagueiros, bagunça o esquema tático do São Paulo e é um dos principais
responsáveis pelos sensacionais 5-2 do time. É a goleada histórica anunciada.
Só que do Flamengo.
Mais tarde, após sair escorraçado
do clube, Adriano volta, consagrado, mas perturbado e precisando de carinho. A
torcida o recebe no colo e prepara uma linda festa para seu retorno, contra o
Atlético-PR, no Maracanã. Agora denominado Imperador, Adriano não decepciona. Fustiga
a defesa adversária, consegue indiretamente um gol, quando um zagueiro se
apavora com sua presença e marca contra, e deixa a sua marca na segunda etapa,
com uma bela cabeçada. O Flamengo vence por 2-1 e ganha um atacante de peso,
que resolve os problemas na posição. Mais que isso, ganha um ídolo e um craque,
que irá ser um dos principais responsáveis pela conquista do hexacampeonato
brasileiro.