A melancolia da solidão.
Encolhido em seu canto,
olhar desconfiado, expressão taciturna, o treinador evita manifestações mais eloqüentes.
Sabe que o momento pede silêncio, cautela. E, principalmente, destreza para
entender o xadrez das peças que orbitam frenéticas ao redor de seu pescoço.
O Flamengo está em
situação difícil no Brasileiro, beirando o dramático. Em queda livre, sofreu
quatro derrotas nas últimas cinco partidas disputadas, algumas delas por
goleada. Jogando um futebol abaixo do medíocre, o time tem sido
estrepitosamente vaiado quando atua em casa e humilhado quando joga como
visitante. Outrora ocupando as primeiras colocações, o time patina na 14ª
posição, a cinco pontos dos quatro últimos colocados. Assanhados, os jornais
cravam que a briga pelo rebaixamento “chegou para ficar”.
Com sensibilidade, o
treinador percebe que os tapinhas e as palavras de incentivo, fartas há poucas
semanas atrás, quando o time engatou duas boas vitórias sob seu comando
inicial, estão sumindo. Os treinamentos, antes concorridos, são acompanhados
por um ou outro dirigente, ou mesmo tocados a ninguém. Os veículos da velha e da
nova mídia começam a contestar de forma mais contundente seu trabalho, quando
não o fazem abertamente. “Tem que trocar o estagiário”.
Dentro do clube, as pressões
já começam a se tornar vívidas, intensas. O treinador sabe que ainda é bancado
pelo VP de futebol e tem o apoio dos líderes do elenco, embora também desconfie
que alguns jogadores não respeitem seu estilo conciliador e de diálogo, e o
tolerem apenas por medo da vinda de um técnico mais linha-dura (que aliás já é
especulado pelos corredores). Porém, com a experiência de quem milita no meio
desde garoto, sabe que mesmo esses aliados lhe virarão a cara caso os
resultados sigam ruins. Porque quem contrata, quem demite, quem escala, quem
avalia, quem governa o futebol é o resultado. O resto caminha ao sabor das
simpatias e antipatias diversas.
Curioso isso.
Chamam-lhe de banana, de sem pulso. Acusam os líderes do elenco de armar o time
e definir a tática. Ironicamente, o treinador já viveu o outro lado, era tido como
o técnico “de fato” na campanha da conquista de um Brasileiro, quando mantinha
longas conversas com o treineiro da época, o também iniciante Violino. O
futebol, sempre nos proporcionando as mesmas situações com outros personagens.
Os problemas. Vários
jogadores-chave andam lesionados, por não resistirem à sequência de jogos
domingo-quarta-domingo. O principal jogador, a estrela do time, continua gordo
e indomável, ausentando-se sistematicamente de treinos. E, para piorar, está
suspenso. Vários jovens têm que ser lançados na fogueira e, além de já não serem
nenhum primor técnico, ainda atuam de forma nervosa e estabanada. Não há um
meia capaz de armar o time, a menos que se resolva apostar no veterano
semi-aposentado que está no elenco apenas à guisa de um acordo financeiro. Após
muita grita por reforços, enfim chegam à Gávea um zagueiro decadente e um
volante bichado. No entanto, um dos atacantes mais efetivos, titular absoluto,
está sendo negociado de volta para o Oriente Médio.
A gota d’água vem no
desimportante jogo pelo torneio internacional, contra um rival estadual. A
perda da vaga transforma uma partida de pouco interesse numa tragédia, um
elemento amplificador de uma crise que já parece sem controle. Num surto de
impulsividade e esquecendo que o momento
pede cautela, o treinador, contrariando a melancólica atuação rubro-negra,
comete, quase exultante aos microfones, “achei o time”. Diretores pedem-lhe
imediatamente o pescoço, o presidente pressiona, o vice pede calma. Mas há um
ultimato. Sábado não se admitirá outro resultado, senão o triunfo. Outro desfecho,
o treinador está fora.
A patética
desclassificação numa das piores atuações do ano paradoxalmente tranqüiliza o
treinador. As cartas estão postas à mesa. O treinador sabe exatamente do que
precisa para manter-se no cargo. Sabe com quem, aparentemente, pode contar. Tem
a exata noção de que já não é benquisto na função. Os lobbies em favor dos
nomes à disposição no mercado começam a ebulir. Telefones tocam. Mensagens
são trocadas freneticamente. É a hora de lançar-se em movimentos mais
assertivos. Não há mais espaço para a contemporização.
Surpreendentemente, todos
os lesionados voltam, estarão em campo. Os contratados se colocam imediatamente
à disposição e também irão pro jogo, mesmo se for na reserva. O time treina com
certa alegria na véspera do “jogo decisivo”, ou “jogo de seis pontos” na visão dos
chacais da palavra impressa.
Vai começar a batalha.
Dali, o treinador emergirá para a arrancada ou submergirá no limbo.
E arrastará o Flamengo
junto.