domingo, 21 de junho de 2015

Alfarrábios do Melo

Saudações flamengas a todos,

Eu poderia tentar buscar elementos racionais que relativizassem a patética atuação do Flamengo na derrota de ontem no Maracanã. Poderia argumentar que o Sheik, dentro das circunstâncias, estreou de forma razoável, não se omitindo dos lances e mostrando espírito de luta, em que pese algum individualismo. Vai ser importante. Poderia frisar que o time apresentou, até sofrer o gol, uma dinâmica de marcação até interessante, com alguma compactação e boa ocupação de espaços, embora por muito pouco tempo. E, por fim, poderia apor que, com os retornos de Caceres, Armero, Paulo Victor, a estréia de Guerrero e a possível (provável?) contratação de um bom jogador para o meio-campo é possível pontuar que a equipe de ontem estava sem meio time atuando. Desfalques de peso. 

Quase um time misto.

Mas não quero relativizar nada. Não estou com vontade de ser racional.

A verdade, senhoras e senhores, é que há algum tempo o ofício de torcer para o Flamengo tem se tornado penoso, árduo. Não, essa não é a enésima loa à mediocridade ostensiva ou à falta de qualidade de jogadores. Não se tratará aqui de praguejar contra as contratações erradas ou a falta de planejamento ou algo que o valha. Não é das caneladas do Márcio Araújo ou das lambanças do Samir, o nosso Wellinton de ébano, que se tratará nessas rabiscadas linhas.

É da falta de alma.

O Flamengo de hoje é um amontoado de japoneses. Jogadores sem rosto, sem identidade, sem uma cara para bater. É um punhado de seminaristas limpinhos e engomadinhos, acostumados a recitar discursos prontos. Ao primeiro sinal de dificuldade, escondem-se sob os lençóis. À primeira adversidade, derretem. Não são competitivos, não sentem na carne a dor da derrota. Não choram o revés, a bola que lhe perfura o tal bastião inexpugnável não lhes trespassa as entranhas. A perspectiva da vitória, da imposição pura e simples ao adversário, que se constitui na essência básica do esporte (de qualquer esporte) não lhes faz latejar o peito em brasa. A intensidade do cotejo, do prélio simplesmente lhes suscita indiferença.

Ou medo.

O medo, senhoras e senhores, parece estampado na face dos “soldados” que hoje defendem nosso Manto. Nossa torcida, que costuma (costumava?) intimidar e assustar adversários dos mais variados recantos, e com isso trazer uma vantagem psicológica relevante para o campo de jogo, hoje consegue dispor do pendão de amedrontar nossos próprios jogadores. Um verdadeiro bando de omissos, que costuma encontrar guarida nas costas de uma marcação nem sempre rígida, que se acomoda nos passes burocráticos horizontais, que, pés em brasa, enxotam a bola de qualquer risco maior. Não jogam o jogo. São por ele engolidos.

O resultado é uma massa amorfa, insípida, incapaz de fazer suspirar o mais fanático dos torcedores. Um aglomerado que, exposto ao sol, à chuva ou aos mosquitos, derrete, desfaz-se com uma facilidade desconcertante, destroi-se pelas circunstâncias com uma submissão e uma desfaçatez absolutamente constrangedoras.

O Flamengo, senhoras e senhores, notabilizou-se por buscar resultados improváveis, virar situações adversas que pareciam irreversíveis. Em outros tempos, a uma primeira etapa terminada em 0-2 eu reagiria, “dá para, no mínimo, empatar”. E empatava. E virava. Hoje, a reação é “tem que fechar pra não ser goleado”. Crianças que se deixam dar na cara. E baixam a cabeça. E têm medo. E se assustam com a massa implacável em vermelho e preto que, qual esfinge, sabem que não decifrarão. E por ela serão ingeridos.

Vai melhorar. Tem tudo para isso. As relativizações, sempre elas.


Mas esse amontoado nunca foi tão divorciado do que representa a liturgia do torcer e do viver Flamengo.