Saudações flamengas a
todos,
O futebol carioca
sempre foi pródigo na criação de grandes figuras. Hoje trago um desses
elementos, cuja lembrança findou soterrada pelo tempo. Refiro-me ao folclórico
supervisor Carlos Alberto Galvão, o Catuca, do Bangu, que com algumas
brincadeiras criativas ajudou a promover vários jogos. Trago agora dois desses
episódios, envolvendo a preparação de partidas entre o Flamengo e o clube de
Moça Bonita. Boa leitura.
*
* *
1982.
Penúltima rodada da
Taça Guanabara. O Flamengo lidera, um ponto à frente do Vasco. A tabela aponta
Flamengo x Bangu, no Maracanã, jogo que, a despeito do imenso e indiscutível
favoritismo rubro-negro, é tido como perigoso, pois o Bangu anda praticando um
futebol elogiado. Alguns jogadores que formarão uma das mais fortes equipes da
história de Moça Bonita já estão lá, como a dupla Arturzinho e Mário, o volante
Mococa, o goleiro Tião, entre outros. Mas o Flamengo, embora respeite o
adversário, está longe de temê-lo. É o campeão mundial, continental, brasileiro
e estadual. E, se estiver em um dia bom, é uma equipe imparável, como acabam de
constatar Botafogo e Fluminense, ambos abatidos impiedosamente, cada um
amassado por educativos 3-0.
Sabendo disso, o
supervisor banguense Catuca resolve agir. Chama os jornais e avisa, aos quatro cantos do
Rio, que irá fazer pousar um helicóptero no meio do gramado da Gávea,
exatamente no horário do último treino do Flamengo (o chamado “coletivo-apronto”).
A ideia é desconcentrar o rubro-negro, tirar-lhes o foco do jogo. Uma vez que o
anúncio é feito vários dias antes do treino, Catuca consegue seu objetivo.
Agora somente se fala no tal helicóptero.
Começam os zunidos e os
boatos. Fala-se de mulheres nuas (ou quase) descendo do helicóptero e
promovendo um bacanal em plena luz do dia, outros comentam que serão entregues
cascatas de flores, outros imaginam músicos saindo de dentro da aeronave e
tocando o hino do Bangu, essas coisas. Vai passando o tempo e a expectativa
aumentando. Esperto, Catuca vai alimentando os rumores, a cada dia aparecendo
com uma informação nova. Confirma que a visita será “provocante”, e que “os
rapazes irão gostar”. Vai ter mulher no meio.
A provocação é recebida
com bom humor na Gávea. Os jogadores aguardam ansiosos a chegada do tal dia. Um
dirigente flamengo invoca o estatuto, “ninguém pode trajar roupa de adversário
aqui dentro. Se a moça descer com camisa do Bangu, serei forçado a pedir para
que ela a tire”. Carpegiani cogita mandar Peu a Moça Bonita, “será nosso
enviado especial, com seu sorriso especial e desdentado como retribuição”. O
clima descontraído vai tirando a tensão da partida. Coisa de que Zico não gosta
muito. “O Bangu é perigoso”, alerta.
Enfim, chega o tal dia.
O treino do Flamengo é bom, os titulares vão goleando. Mas todos realmente
anseiam pela chegada do helicóptero. Vários torcedores organizados se aboletam
nas arquibancadas com flores. O presidente também assiste ao treino, traz um
embrulho nas mãos, o que reforça a impressão de algum tipo de anuência prévia.
Helicópteros vêm e vão, o que é normal, há um heliporto próximo. Mas dessa vez
cada aparelho que se aproxima gera alguma apreensão, principalmente entre os
jogadores. Até que, quando o sol já começa a se despedir, um helicóptero começa
a voar baixo, meio rasante, zunindo nas cabeças dos milionários jogadores.
Pousa na beira do campo (não no centro, outro indício de que a coisa foi “agendada”)
e de lá destampam duas moças totalmente desinibidas, camisa justinha do Bangu e
shortinho bem curto. Os jogadores vão à loucura, Carpegiani solta muxoxos (não
é que essa palhaçada aconteceu mesmo?) e o presidente se aproxima das mulheres e, em meio a um malicioso sorriso, começa, “Desculpe, mas essa camisa não é
permitida, queira trocá-la por esta, que é muito mais bonita”, e oferece um
Manto a cada uma. Mas, para frustração dos jogadores, as distintas trazem um
colant por baixo, de forma que o espetáculo lúbrico anunciado é meio que
mitigado. Afinal, há crianças por perto. Resta aos jogadores mais desenvoltos trocar beijinhos,
algumas palavrinhas e, dizem, telefones. Após as fotos, entrevistas e tudo o
mais de praxe, a aeronave levanta voo, jogando bolas e mais bolas com os
símbolos do Bangu e de Castor.
O jogo? Como previsto
pelos mais realistas, é difícil, o Flamengo não faz boa partida e empata em 1-1
(gols de Lico e Arturzinho). O time perde a vantagem na tabela, o Vasco se
iguala nos pontos, mas o Flamengo acabará campeão assim mesmo, ao vencer o
cruzmaltino em uma partida-extra.
Essa partida com o
Bangu acaba sendo mais lembrada por uma prolongada encarada protagonizada por
Nunes e o zagueiro Tecão, imagem que roda jornais e cinemas, via Canal 100.
*
* *
1984.
O Bangu anda em estado
de graça. Acaba de enfiar 4-0 no Vasco (jogo em que Cláudio Adão deitou e
rolou). Com isso, a confiança exala e transborda de Moça Bonita. Agora tem jogo
com o Flamengo, Taça Guanabara, lá pelo meio do campeonato ainda. O falastrão
treinador Moisés, inflado por espertos repórteres, começa a soltar “O Flamengo
perdeu Zico e Júnior, agora é tudo japonês”, “O Mengão vai virar mingau”, entre
outras gracinhas.
Com efeito, o Flamengo não
anda em um momento bom. Foi eliminado do Brasileiro e da Libertadores após
sofrer derrotas contundentes. Vem fazendo uma Taça Guanabara irregular, o
futebol não deslancha, o time derrota a duras penas o Botafogo (1-0), mas perde
para o Vasco (0-1, famoso gol de cobertura do Geovani no Fillol). As recentes saídas
de Júnior e, por que não, Zico, ainda não parecem assimiladas. Mas o time ainda
é muito forte. E conta com Zagalo no banco.
Último treino antes do
jogo. Súbito, um avião começa a sobrevoar o campo da Gávea. Traz um banner em
sua cauda, “Bangu vai deixar Zagalo mais careca domingo”. E rodopia ao redor da
sede flamenga por uma boa meia hora, numa aporrinhação que poderia irritar os
mais sensíveis. Mas Zagalo, sorriso no canto da boca, comenta, “isso é coisa do
Catuca. Eles não estão focados. Vamos ver quem arrancará cabelo domingo.”
Fim de jogo. O Flamengo
acaba de proporcionar à sua torcida a sua melhor e mais brilhante atuação no
ano. O placar marca 3-0, mas poderia ter sido de seis (o time, como sempre,
perde gols em demasia). O Bangu é atropelado, perde o rumo, tem jogador
expulso, essas coisas. Bebeto, Adílio e Elder marcam os gols, e com a vitória o
Flamengo enfim se encontra e arrancará para a conquista da Taça Guanabara.
Quanto ao Bangu, Zagalo dedica agridoces palavras de “conforto”, “enquanto eles
nos provocam por cima, a gente ‘catuca’ aqui embaixo”. Um repórter pergunta, “O
Flamengo ia virar mingau. E o Bangu, Zagalo”?
“O Bangu virou angu.”
Não, não é uma boa ideia
provocar o Velho Lobo.
Boa semana a todos.