Saudações flamengas a todos,
O acontecido na última
quarta-feira ainda me tem suscitado algumas reflexões. Nunca é bom perder,
ainda mais naquelas circunstâncias, mas já passou. Logo estaremos às voltas com
outras partidas decisivas, e na maioria delas emergiremos vencedores, como sempre
foi, é e será.
Mesmo assim, reveses sempre são
úteis para que se possa tecer algumas avaliações e digressões, ainda me atendo
ao que ocorreu dentro do campo. Oportunamente opinarei sobre a péssima condução
do futebol flamengo em 2014.
A elas, pois, em pitacos.
1 – O JOGO
A leitura (para usar mais um dos
termos insuportáveis nesses tempos “politicamente corretos”) que faço do jogo,
na minha visão limitada, é simples. O Flamengo perdeu porque deu ao adversário
a chance de sonhar. Incorreu no mesmo erro que o pavoroso time do Corinthians,
foi ao Mineirão jogar por uma bola. Após o gol, acreditou que entrincheirar-se
atrás e jogar na bicuda seria suficiente. Eis a armadilha. Porque atuar
ocupando o campo adversário, encurralando, pondo nas cordas é a forma de jogo
mais confortável para o Atlético, é como eles funcionam melhor. Ao trazer os
mineiros para perto de sua intermediária, o Flamengo selou sua sorte. E isso se
mostrou cristalino com poucos minutos do segundo tempo, quando já se podia
pressentir o pior. Uma situação ideal para o Flamengo seria seguir com a
marcação adiantada, buscando o jogo franco, fustigando a fraquíssima defesa
deles. Não foi possível, ou por falta de visão ou por falta de qualidade mesmo.
Por vezes se enxerga a situação, mas não há peças para reverter algo que se
desenha em campo.
2 – BODE EXPIATÓRIO I – O TREINADOR
Eis que chego ao ponto seguinte.
Tenho lido e visto uma grita estridente buscando, a tom de sirene, servir a
cabeça do treinador Luxemburgo numa bandeja de prata, maçã à boca, farofinha e
quetais. Seu pecado capital, mortal, qual tivesse espancado mãe e pai: evocar a
capenga trindade de Elton, Mattheus e Luiz Antonio. Decerto são nomes que não povoam
os nossos pensamentos mais líricos. Sem dúvida que sua atuação opaca
revestiu-se num complicador. Mas, diante de tão efusiva grita, de tamanha
disposição a remeter o experiente treinador ao cadafalso, indago-me, com a
curiosidade das crianças.
E era pra botar quem?
O Muralha,
com seu conhecido “espírito de competição”, que tantas vezes nos “encantou” nas
Libertadores de 2012 e 2014? O Mugni, com seu impressionante índice de
“acertos” de passes? Uma solução extravagante com três zagueiros, tirando mais
gente do meio-campo? Ah, decerto o Arthur, o nosso Val-2014.
Eu vejo que o Luxemburgo tentou
manter o Flamengo estruturado para esboçar um mínimo de jogo franco, conceito
que em tese seria o correto. Mas esbarrou na aridez do banco de reservas, na absoluta
falta de peças. Talvez fosse o caso do Amaral em algum momento, mas não foi
esse o principal fator da derrota. De qualquer forma, um pouco de coerência de
quem critica já ajudaria. Cornetaram a entrada do Mattheus e do Elton,
“jogadores que quase não atuam”, e pediram o Sartori. Complica.
3 – BODE EXPIATÓRIO II – O FILHO
É sabido que a torcida flamenga
não perdoa, não digere e não tolera o Bebeto, por conta de 1989. E asseguro sem
medo de errar que 80, 90% dos brados contra o garoto decorrem desse ranço. Saber
jogar bola ou não é irrelevante nesse caso. Também não sou propriamente um
admirador do Bebeto (sim, não esqueci 1989), mas nesse caso ele tem certa razão
quando afirma que estão tentando crucificar o Mattheus não pela sua atuação,
mas pelo seu RG.
Eu acho que a atuação dele foi
opaca e ele sentiu o jogo, como outros. Mas está muito longe de ser apontado como um dos
principais responsáveis pela derrota. No fundo, resultados negativos nos
incitam à busca do culpado, da besta-fera, do anticristo. E não é incomum
sermos traídos pelo fígado nessas horas.
4 – A APATIA
Para mim, tão ou mais relevante
do que a escassez de jogadores foi a postura do time na segunda etapa. Como
frisado mais cedo, a equipe deu excessiva importância à questão do gol marcado
fora de casa. Chegou a ele, e com isso houve uma espécie de relaxamento
inconsciente. O Flamengo que entrou em campo no segundo tempo foi,
animicamente, diametralmente oposto ao que iniciou a partida. Com cinco minutos
da etapa final, eu já temia o pior. Não se joga contra equipes como
Atlético-MG, Corinthians, Bahia, Brasil de Pelotas, Santa Cruz, equipes de
massa, de torcidas reconhecidamente inflamadas, dando-lhes a chance de sonhar,
independente de sua qualidade técnica. São torcidas passionais, sensíveis ao
pulso do jogo. E eis que o Flamengo volta a campo a garrote frouxo, saída de
bola quase displicente, deixando-se marcar, bicudas ao léu, troca de passes
nula. Os momentos emblemáticos são o calcanharzinho do nosso goleador croata em
frente à nossa intermediária e o patético, juvenil, imberbe escorregão do nosso
neocapitão zagueiro em uma bola dominada, cedendo um precioso escanteio ao
adversário. Dois lances, dois gols.
5 – A CAMISA GANHA JOGO. MAS NÃO
JOGA SOZINHA
O Flamengo, historicamente, gosta
do formato matamata, costuma ir bem nesse tipo de competição, já conquistou
vários títulos. O que não quer dizer que irá ganhar TODOS os jogos
eliminatórios apenas com a força da camisa. E muito menos que, por conta do
retrospecto, há adversários já marcados previamente com o ferro da derrota.
O Flamengo já foi eliminado
várias vezes em copas do brasil, libertadores e coisas do tipo. Trago à luz
dois desses momentos. Um deles é a derrota para o próprio Atlético-MG nas
oitavas do Brasileiro de 1986, jogos que foram disputados no início de 1987. No
Maracanã, empate em 1-1, e no Mineirão, derrota (0-1), num jogo em que Zé
Carlos evitou uma goleada. Ou seja, ao contrário do que vi muitos apregoando,
os mineiros, em que pese sua reconhecida freguesia histórica, já nos eliminaram
em outra ocasião. E isso não é vergonhoso.
Do outro caso fui me lembrando ao
longo do segundo tempo do jogo de Minas, por sua irritante coincidência. Há
exatos 30 anos, em meados de 1984, o Flamengo enfrentou o Corinthians pelas
Quartas de Final do Brasileiro. Na primeira partida, abriu 2-0 no Maracanã, em
jogo que poderia ter construído um placar mais alto. Antes do jogo de volta,
enfrentou o América de Cali, também no Maracanã, pela primeira fase da
Libertadores. Um empate deixaria o rubro-negro virtualmente classificado, mas a
comissão técnica preferiu não arriscar e escalou os titulares. O time, mesmo se
poupando, não teve dificuldades para vencer (4-2). No entanto, dois de seus
principais jogadores, Tita e Bebeto, se lesionaram seriamente.
Com Lico no lugar de Tita e
Bebeto no sacrifício, o Flamengo foi ao Morumbi decidir a vaga contra os
paulistas. Conseguiu atuar bem por cerca de 25 minutos, criando chances de gol,
trocando bolas. Bastou uma falha individual do zagueiro Figueiredo para tudo ir
por terra. O primeiro gol adversário descontrolou completamente o rubro-negro,
que não se encontrou mais na partida. Os jovens Figueiredo, Bigu e Élder, em
tarde desastrosa, nitidamente demonstravam nervosismo e descontrole. Para
complicar, Bebeto, que fazia número e se arrastava em campo, enfim sucumbiu
quando o Flamengo já havia realizado as duas alterações, deixando o time com
dez. O treinador Cláudio Garcia, após o jogo, seria muito criticado,
especialmente por ter colocado em campo o atacante Nunes, que vinha de longa
inatividade e estava completamente sem ritmo de jogo. Como resultado, o time
viveu um absoluto inferno astral, sofreu quatro gols em pouco mais de 30
minutos e por pouco não sofreu uma goleada histórica. No fim, ironicamente,
saiu eliminado pelo mesmo placar de quarta-feira passada (1-4).
* * *
Encerro com uma citação.
Uma vez, antes da final de 1992,
o zagueiro Gotardo declarou, “não podemos achar que só porque chegamos já está
tudo certo. Não interessa se o Flamengo cresce em jogos decisivos. Tem que
esquecer isso e fazer acontecer dentro de campo.
”
Ah, em tempo. Não creio, mas se
algum galináceo mineiro andar passeando por essas linhas, lembro que as taças
conquistadas em 1980, 1981, 1987, 2006 e 2009 continuam nas prateleiras da
Gávea.
Reveses episódicos não reescreverão a história.