Saudações flamengas a todos,
Essa semana não posso me furtar a soltar algumas linhas sobre o
famigerado “Caso Héverton”, que começa a desenvolver desdobramentos um pouco mais
sólidos na direção de uma conclusão que me soa óbvia desde a sua gênese.
Assim, de antemão retrato-me com os que ora padecem de certa
saturação acerca do tema, embora pontue que, a bem de um pretenso saneamento do
nosso futebol (sim, por vezes me traem devaneios otimistas), veja necessário um
completo exaurimento da questão.
Tornando ao raciocínio inicial, todo esse caso se mostrou
desnudado por uma clareza cristalina, límpida, sem qualquer laivo de mistério
ou ponto obscuro em sua essência nuclear, desde que inicialmente noticiado. A
história enevoada sob as entrelinhas dos periódicos que se dedicaram a narrar as
consequências da escalação, em tese, irregular de Héverton e André Santos,
contém elementos que, concatenados e justapostos em uma sequência lógica, fazem
bocejar aqueles que se dedicam a construir teorias extravagantes e enredos criativos.
Atores, personagens, principais interessados, todos compõem um enredo de
leitura simples, “conspiração” ginasial. Daí minha indignação à época.
Sim, porque nós flamengos, ao invés de atentarmos para o real
cerne da questão, qual seja uma quartelada preparada com certa antecedência
que, a golpes de caneta, apeou do escol do nosso futebol um clube mais
fragilizado economicamente, priorizamos o empalamento da reputação dos
“responsáveis” por colocar o controverso gorducho André Santos em campo, no festivo
amistoso disputado contra o Cruzeiro na última rodada do Brasileiro-2013. Ao
invés de bradar contra o verdadeiro assalto que nos pôs à cara o retorno aos
lúgubres anos 1986-87, em que ninguém batia um pênalti sem estar amparado por
uma liminar, apontamos nosso dedo para “a diretoria incompetente”, que “quase
rebaixou o Flamengo”. Sim, houve um erro de avaliação dos dirigentes. Na minha
visão, faltou malícia e vivência. Mas, no âmbito estritamente técnico, a
decisão de escalar o atleta é amplamente defensável, inclusive havendo indícios de que teria sido avalizada por instrumentos internos da própria CBF (entre eles, o tal BID eletrônico). E guardo a pétrea
convicção de que, fosse caso isolado, o clube nem seria alvo de citação.
Voltando ao Héverton.
Os primeiros sinais de fumaça datam de 25 de novembro, faltando
duas rodadas para o final. Uma atmosfera golpista começava a ser criada, através de uma movimentação
de gabinetes que esquadrinhava as vísceras (escalações, arrecadações,
inscrições) dos clubes “menos favorecidos”, a Portuguesa entre eles. Pouco
depois, um dos principais blogs que cobrem o Fluminense (clube principal
interessado na questão) exortava, quase ostensivamente, sua diretoria a “agir nos bastidores”, para que “a lógica prevalecesse” (mais
tarde, diante da repercussão negativa, alegariam ter sido “mal-interpretados”,
como é usual nesses casos).
Encerrada a rodada final, e os quatro piores clubes da competição
(Fluminense, Vasco, Ponte Preta e Náutico) devidamente remetidos à segunda
classe, eis que, após certo interregno, explode a bomba, indicando que dois
jogadores haviam sido escalados de forma irregular, justamente na rodada que
definiu os clubes a serem rebaixados. E se “justiçou” a Portuguesa, com o
Flamengo aposto como “o álibi perfeito” para garantia da “lisura” do processo.
Decorrido quase um ano, a história torna à tona.
E o que salta aos olhos é a esgarçada, despudorada tentativa de,
aos arreganhos, praticar um revisionismo que resvala para o grotesco,
espancando o livre curso dos fatos com uma lisa desfaçatez de corar meretrizes.
Tenta-se, a golpes de marreta, enfiar vítimas e réus na mesma sacola fétida,
recorrendo a “suposições” e engavetando convenientemente os fatos.
Ocorre que, ao contrário de 1987, o ano de 2013 foi ontem.
Com efeito, qualquer criança de seis anos, dedicando pouco menos
de 10 minutos a uma pesquisa preguiçosa nos wikis e googles da vida,
constatará, de forma irretorquível e inescapável, que o Flamengo, campeão da
Copa do Brasil, livrou-se matematicamente de qualquer possibilidade de rebaixamento na 36ª rodada, após derrotar o Corinthians no
Maracanã (1-0, gol de Paulinho). A salvação matemática foi objeto de destaque nos jornais, sempre muito diligentes quando se trata de juntar os conceitos
“Flamengo” e “rebaixamento” na mesma frase. Salvo, mandou um time reserva a
Salvador, e na última rodada programou uma grande festa das faixas com o
Cruzeiro. Partida iniciada às 19 horas de sábado, antecipada justamente por ser
um amistoso, jogo sem qualquer influência maior na tabela de classificação.
Daí, onze meses após, alguns torcedores, que brandem suas
canetas e transfundem seus teclados em estandartes para escarrar seu grotesco
clubismo, julgando-se protegidos sob o título de “jornalistas”, expelem em
jornais e telas suas “verdades”. “O Flamengo brigava contra o rebaixamento na
última rodada”, vomita um. “Os principais suspeitos do suborno são o Flamengo
e...”, insinua outro, sequer preocupado em ser sutil. Papeletas cinzentas com
teorias delirantes, outrora relegadas à pecha de “jornalismo-marrom”, são
içadas à categoria de evidências dogmáticas.
A verdade, amigos, é que vivemos um tempo em que boa parte da
imprensa não procura noticiar o que está acontecendo, mas o que gostaria que
estivesse acontecendo.
A frase “Flamengo rebaixado” e suas derivações possui forte
apelo sensorial, quase afrodisíaco. Muitos, ao lhe pousarem os olhos,
são tomados por fortes tremores e suores, gemem e arfam até entregarem-se
passivos aos seus pensamentos mais lúbricos, lambuzando-se na delícia das
fantasias alojadas em seu íntimo recôndito. Saciados após envolvidos por Sodoma
e Onã, recompõem-se. Doravante, pidonhos, quererão mais.
E, em nome de uma pretensa “liberdade de expressão”, a verdade
(ou sua busca) segue sendo o elemento mais negligenciado, editorias criam suas “histórias”
e as pavimentam com qualquer porcaria que lhes sirva de argumento. Os fatos?
Ora, os fatos? Se não corroboram a tese, azar o deles. E de Nelson Rodrigues.
Um clube salvo com duas rodadas de antecedência resolve escalar
um jogador irregular no último jogo. Claro, como já sabe que o atleta estará
irregular, passa a semana montando um esquema de suborno para que outro time
seja rebaixado em seu lugar. Veja, um clube que não corre risco de rebaixamento
arma uma operação para rebaixar outro clube. Deposita o dinheiro com antecedência, ANTES DE SEU PRÓPRIO JOGO, e assim garante de vez estar livre de
um rebaixamento do qual se salvara duas rodadas antes.
Escreva esse parágrafo acima, exatamente com esses termos, e o
publique. A maioria esmagadora rirá de sua cara. Agora troque o termo “um clube”
por “Flamengo”. A mesma maioria meneará a cabeça, ares sábios: “é, faz sentido”.
Espero que essa investigação esteja de fato sendo conduzida com
a seriedade e a isenção que o assunto merece. Que pontos ainda obscuros, como a estranha contundência do procurador-vedete do STJD, a pantomima encenada nos “julgamentos”
e seus votos previamente prontos, redigidos e timbrados, a atuação do próprio
tribunal em todo o processo, as mal-explicadas relações entre CBF e seus
patrocinadores, entre outros, sejam devidamente esclarecidos, ou ao menos
discutidos. Que o Flamengo, mais que apoiar e avalizar o processo de acusação,
defenda-se atirando, não se permitindo macular por ilações emanadas por
personagens de íntima relação com o lodaçal do nosso futebol. E que, a exemplo
do Calciopoli-2006, punam-se com rigor clubes, dirigentes e patrocinadores,
banindo e rebaixando os responsáveis, mostrando à sociedade que manobras dessa
natureza não são mais toleradas.
O Fluminense foi rebaixado dentro de campo. Fora dele, já está
rebaixado desde 1996, quando adotou a virada de mesa como recurso
institucional.
Finalizo externando que guardo para mim a forte convicção de que
esse “Caso Héverton” contém muito mais elementos do que simplesmente a
escalação irregular de um jogador. Como são suposições, guardo-as para mim. Mas
pontuo que, em Engenharia, costuma-se dizer que um acidente é a junção de
vários elementos que convergem para um mesmo evento. E vários fatos se
encadearam, nas últimas rodadas, de forma notavelmente coincidente, construindo
a perfeita situação para o golpe.
E, como costumo dizer, tenho séria dificuldade em acreditar em
coincidências.
Boa semana a todos,
PS – Muitos “comemoraram” a vitória do Eurico na Fla-twitter e
afins. Eu não seria tão assertivo em decretar o fim do Vasco. Ao contrário,
acho que os vices, em curto prazo, tomarão de volta do Fluminense o posto de “vilão
nº 1”, voltando a ser os “rivais da hora”. Mas isso não é necessariamente ruim.
O Vasco é um clube, em termos de torcida, muito mais expressivo que o
Fluminense. O reaquecimento dessa rivalidade pode ser bom para o futebol
nacional, tão contaminado por uma “ditadura paulista” que lhe querem enfiar
goela abaixo.