Alguns bradam aos quatro ventos que Flamengo e Corinthians serão os “donos do futebol brasileiro”. A chamada espanholização é o processo em que Real Madrid e Barcelona, clubes de maiores torcidas da Espanha, obtêm vantagens e receitas maiores, principalmente por meio do contrato de transmissão televisiva. Parece que o foco é apenas este, receita de direito de transmissão televisiva. Há sim discrepância, mas em sua maior parte é balela atribuir a apenas o que contrato de TV traz (trará) de desnivelamento do futebol brasileiro. Exemplos demonstram não ser apenas o contrato de TV, a fonte de receita e a forma de arrecadação única de um clube, longe disso. Até mesmo Real Madrid e Barcelona demonstram que NÃO PODEM pensar somente em receitas de TV para alavancar receitas importantes para a manutenção do status de superclube, para além do time de futebol. Existem outros meios, principalmente bilheteria e licenciamento.
É bom contextualizar, colocar as coisas em seus devidos lugares, para depois falarmos da realidade do Brasil, particularmente do Flamengo. Dentre os principais clubes espanhóis há uma condescendência, digamos assim, porque não dizer apoio do Estado, pois as associações esportivas são patrimônios do país em diversas cidades. O governo central e o de Madrid apoiam ao Real e os catalães ao Barcelona. Embutidas estão questões supercomplexas, como separatismo, inclusive. A compra de um terreno do Real pela prefeitura de Madrid, que melhorou o fluxo de caixa do clube é uma parte. Por aqui, o Estado (governo central, estado e município, qualquer esfera) quer que o Flamengo se dane!
Para além de tudo isso, os clubes são explorados comercialmente, certeiramente, amplificando a rivalidade, ganhando com isso. A rivalidade entre ambos é comercialmente explorada, e muito, disse RIVALIDADE, não são inimigos, são interdependentes, o que os mantem a frente de outros gigantes europeus exatamente por isso. As receitas são as maiores da Europa nos últimos anos e nada me faz supor que serão superados (ficarão entre os 5 maiores por bastante tempo). As cidades utilizam os clubes como pontos turísticos, marcos, e isso é excelente sob qualquer aspecto, já que atraem a milhares de turistas durante todo o ano. A quem interessa um gigante adormecido? Só no RJ...
Na Inglaterra, o tripé econômico dos clubes é levado, em via de regra como meta. No caso do Manchester United, maior arrecadador do país, são 33% licenciamento, 33% Bilheteria e 33% para TV, é a meta, grosseiramente falando. Como podem perceber, a soma daria 99%, a margem de 1% é ideal. Logicamente, não dá para equilibrar as contas assim, mas é um alvo buscado a todo custo, mesmo que sazonalmente um dos tripés ultrapasse ao outro por competência de gestão, não por inércia de um dos lados. O Flamengo tem tentado equalizar sua receita para que a TV não tenha peso excessivo nas finanças do clube, mesmo sendo a maior receita de TV do país. Tentou com bilheteria (+Sócio Torcedor) e aos poucos, mais lentamente, tenta com licenciamento (parcerias para a venda de licenciados, Sócio Torcedor envolvido e “adoção” de lojas que “vendem Flamengo" em lojas oficiais).
Essa é a questão que os defensores da tese da espanholização não conseguem perceber ou não se apegam muito. Criticar é sempre mais fácil, destruir é melhor do que construir ou enxergar a reconstruções. Existe um exemplo positivo neste sentido, o Internacional, que a duras penas, tenta minimizar a receita de TV em seu orçamento anual. É um bom trabalho, de mais de dez anos, já que o Inter tem hoje o quarto maior faturamento, estando no 4º grupo na distrubuição das receitas de TV.
É comum que alguns especialistas, principalmente jornalistas descrevam o futebol na Alemanha como o ideal, até concordo em relação a distribuição das receitas de TV. Não se trata disso, apenas. O modelo alemão traz leis rígidas específicas, principalmente no que tange a responsabilidade fiscal, como gastar, com o que gastar e até quando gastar, por uma estrutura organizacional controlada, meritocracia nos direitos televisivos. Infelizmente, nada disso tem impedido a predominância do Bayern de Munique, e um pouco abaixo do Borussia, que tem altíssima bilheteria e estádio lotação de 100% em seus jogos.
O modelo é ótimo mesmo, reproduzível no Brasil e justo para os torneios de pontos corridos, só que os contratos já assinados irão até 2019. A assinatura de um novo contrato seria para o “Brasileirão 2020”. Estaria contida ali a questão da meritocracia dos campos, mas será que os adversários assinarão nestes moldes quando o Flamengo estiver bem melhor, organizado fora do campo? Poderá ocorrer uma “alemanhalização do futebol brasileiro”, já que poucos clubes terão uma grande massa de torcedores somadas a um bom nível estrutural e grande capacidade de captação financeira.
Já pensaram em como Flamengo, Corinthians e São Paulo poderiam se transformar no médio prazo em Bayern e Borussia, pelo tamanho de suas torcidas e capilaridade maior no mercado? Poderiam, não ocorrerá. Não acredito nesta tese. As forças regionais, mesmo que sazonais mantem o equilíbrio do futebol brasileiro. Por isso o futebol aqui é de grandes marcas. O Cruzeiro é o exemplo da vez, como poderia ser o Internacional, Fluminense, até o Atletico-PR, terceiro lugar no brasileiro do ano passado.
Houve em um dado momento campeões de fora “deste clube”, como Coritiba, Bahia, grandes forças regionais, que poderão lutar com mais força por vagas em competições internacionais, e o fazem hoje em dia. Ainda vejo esta possibilidade, mesmo em pontos corridos, mesmo com discrepâncias nas receitas de TV. Acredito em competitividade em degraus distintos. Sempre será difícil jogar no Recife, em Florianópolis, em Curitiba, em Salvador. Talvez esteja exagerando, mas a realidade do Brasil esteja mais próxima a da Inglaterra, onde existem 5 ou 6 forças gigantescas e outras 10 ou mais em alto nível, mesmo que não alcancem os “tops”. O restante costuma oscilar entre as divisões e suas tradições o tornam mais fortes.
Internamente como explicou a análise anual do Itaú BBA, o Flamengo está caminhando no sentido do pagamento de dívidas, reorganização financeira, maximização de receitas, se ajustando como uma empresa com orçamento gigantesco, um consumidor fiel e outros aspectos. Aos trancos e barrancos, porém “nadando contra a maré”. Enquanto seus rivais utilizam subterfúgios não tão “ortodoxos” para manter-se competitivos em alto nível, o Flamengo paga impostos e promove austeridade fiscal. Fluminense, Cruzeiro e Internacional e Corinthians são os exemplos mais claros do que digo. Cada um com suas peculiaridades.
O Fluminense é o menos transparente dentre os 20 participantes do campeonato brasileiro. Tem um mecenas que paga os salários de seus melhores atletas, mas não se sabe quanto, nem como. A estrutura do clube parece afastada do patrocinador que banca, contudo não constrói estrutura para que o clube ande com suas próprias pernas em um futuro plausível no curto prazo. O que será do Fluminense quando o patrocinador resolver não contribuir diretamente com seus recursos? Movimentos neste sentido já são percebidos atualmente.
O Cruzeiro conta com uma ótima estrutura organizacional do futebol, porém com grande financiamento de um banco que teve o nome envolvido em escândalos em âmbito regional e nacional... É um modelo que não se sustenta por muito tempo, pois sabemos que tudo no futebol brasileiro é cíclico. Dentro do campo tem obtido vitórias, o que alavanca o seu programa de sócio torcedor e os prêmios pelos títulos. No médio prazo pode ser a solução dos problemas. Pode não ser suficiente.
O Corinthians, mesmo obtendo o ápice histórico de desempenho esportivo, vencendo mundial e libertadores, também teve o ápice comercial, financeiro, capitalizando em grandes receitas. O problema é que se descobriu que sonegava impostos, o que trará problemas futuros com o fisco e de imagem. Além disso, construiu seu estádio a toque de caixas para a copa do mundo, podendo pagar uma conta além do projetado no curtíssimo prazo, por juros de empréstimos e aumento do custo de construção. Por causa do estádio, está com as receitas do mesmo comprometendo o fluxo de caixa do clube.
O Internacional se mantém com um modelo focado em seu torcedor. É um ótimo exemplo de alavancagem de receitas por ter capilaridade e grande adesão em seu estado, o que o faz brigar com outros clubes no continente. Seu programa de ST é o maior e o mais consistente do país. Se baseia no modelo de formação e exportação de jogadores. Não há nada errado nisso, pelo contrário. Seu calcanhar de aquiles pode se dar quando não conseguir vender ou formar estes atletas para o mercado externo. A base é boa, o futuro parece competitivo, mesmo com essa ressalva, porque não depende tanto das receitas de TV.
Há outros exemplos demonstrados pelo Itaú, como Coritiba e Criciúma, que promovem seu ST, vendem atletas, tem um controle orçamentário mais rígido, e certa “folga” para o sobe e desce de divisão, com pressão muito menor do que a dos 12 grandes clubes, logicamente. Por esta estabilidade, serão muito competitivos no médio prazo, quando os grandes, irresponsáveis, estiverem em maus lençóis. Mesmo assim, a tendencia é o sobe e desce entre a primeira e a segunda divisão. Existem outros clubes em situação parecida.
O Refis e a LRFE são ferramentas importantes para a ajudar a moralizar, padronizar, ampliar o controle nas instituições. O Refis é um programa do governo federal que refinancia dívidas fiscais de grandes e pequenas empresas, de todos os tipos. Os clubes de futebol não ficariam de fora. O Flamengo conseguiu refinanciar a parte desta dívida, o que promete certo alívio para as contas em 2015, isso mesmo só alívio. A Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte é mais complexa e se pretende mais profunda, já que põe à mesa para discussão entes importantes do “mundo dos esportes”, com destaque para, eles mesmos, os clubes de futebol, os chamados de massa.
Alonguei o texto, não era a ideia inicial, já que tentei apenas traçar um panorama superficial da situação de curto e médio prazo no futebol brasileiro. Espero e vejo que o Flamengo caminha no rumo certo e pode melhorar muito dentro do campo. Deve! Há uma perspectiva de futuro próspero com o retorno da credibilidade e dos patrocinadores de grande porte, grandes parcerias, estruturação econômica e gerencial do clube, captação de recursos de diversas fontes e quem sabe o aproveitamento e capilaridade na relação do clube para seu torcedor, esteja ele no Rio de Janeiro, em Rondonópolis/MT, em Milford, Massachussets-EUA, até na estação espacial internacional...
No momento parte da imprensa “ri”, os adversários (inclusive dentro do clube), tentam minimizar os feitos, sem perceber o que está mudando e logo, logo será tarde... A imagem já é melhor e quem diz é uma grande instituição e seus analistas do mercado financeiro, o basquete mostra o caminho do que será o futebol e as outras modalidades. A autossustentabilidade do CAMPEÃO MUNDIAL traz luz a um caminho sem volta, não depende da receita de TV, e quem depende ficará com a tecla da espanholização nas mãos depois do Flamengo destruir o piano após carregá-lo desde 1895. “Nossa hora” está mais perto do que se imagina. Paciência.