Saudações flamengas a todos,
Essa semana eu estava assistindo
à partida em que o Flamengo, por conta de algumas falhas individuais e das
limitações em algumas posições do elenco, perdeu a oportunidade de aplicar uma
goleada histórica sobre o Palmeiras, saindo de campo com um empate amargo, mas
compatível com as pretensões da equipe na competição.
Pois bem, um fato me chamou a
atenção e me motivou a escrever esse texto. Atentando à medíocre transmissão do
PFC (mais uma cobertura clubista, bairrista e dedicada a espancar os fatos com
uma visão pateticamente embotada, onde são descritas as coisas que os cronistas
gostariam que estivessem acontecendo), pelo menos à parte em que a tevê não
esteve no mudo, percebi como o linguajar atual do futebol anda tecnicista e
reflete a sensação de que todos são, ou se pretendem, “especialistas” de tudo.
Assim, separei alguns termos que
se ouvem por aí, cuja repetição exaustiva já começa a provocar certa sensação
de ojeriza, tal o lugar-comum. A eles,
PROPOR O JOGO
Às vezes imagino que um jogo de
futebol é um fórum de debates. Uma disputa para saber quem “propõe” mais o
jogo. Por que é um tal de “O time A está propondo o jogo”, “o time B tenta
propor o jogo mas não consegue”, “entramos em campo propondo, mas após o gol
resolvemos recuar”. Humildemente, prefiro a forma mais prosaica. Ou tem a posse
de bola, ou não tem. Soa mais honesto e limpinho do que ter que ouvir que “a
proposta da equipe é propor o jogo”. Ouvindo isso, rapidamente proponho trocar
o canal.
DUAS LINHAS DE QUATRO
Abre a transmissão. O
comentarista almofadinha, sotaque carregado e tom propositalmente monocórdio e
enjoativo, começa a arenga: “o time A está bem distribuído em campo, disposto
com suas duas linhas de quatro...”. Pronto. Está dado o recado, está
demonstrada sua brilhante visão tática.
Desde que atacantes mais
“antenados”, como Zagalo (Flamengo, Botafogo) e Telê (Fluminense) perceberam
que poderiam recuar e ajudar a marcação do meio-campo, isso lá pelos anos 50 e
60, formar “linhas de quatro defensivas” é algo trivial no mundo do futebol.
Mas, como o que importa é criar jargões, alguém apareceu com essa “novidade”
linguística, que a todos encantou e impressionou. Outro dia alguém andou
admirado com a capacidade defensiva das “linhas de quatro” de uma equipe
europeia, e esse mesmo alguém, na mesma partida, encantou-se com o adversário,
que se “reorganizou” em “linhas de quatro”, tornando-se assim “mais ofensiva”.
Afinal, a linha de quatro torna o time mais ofensivo ou defensivo? Mas não se
empolguem, caros mortais. Outro dia a Costa Rica apareceu com uma “linha de
cinco”. Gostava mais quando o João Saldanha falava de “linha burra”. Era mais
divertido.
CONQUISTOU A TITULARIDADE
Fulano “conquistou a
titularidade”, beltrano está “perdendo a titularidade com o novo treinador”,
sicrano pretende “brigar pela titularidade”. Tipo de eufemismo para não deixar
empresário tristinho. É que dizer que tá barrado ou foi pro banco soa muito,
sei lá, bruto. Jogador é muito sensível.
O FALSO NOVE
Esse caso é clássico, e se
recicla com o passar dos anos. Pode perceber que um time moderno tem alguém
falso na escalação. Já tivemos a época dos “falsos laterais” (alas), os “falsos
meias” (time do Parreira de 94), “falsos pontas” (Flamengo de 1981), “falso
zagueiro” (o Jailton na Tropa de Elite do Joel). Agora a onda é o “falso nove”,
que a Alemanha e a Espanha andam (ou andaram) utilizando, o que arrancou
suspiros, gemidos e uivos dos “analistas” táticos. O falso nove é uma das
sensações do momento. Nisso eu creio que o Flamengo está bem, porque não há
nada mais falso do que o nosso nove, o Alecsandro. Que aliás me parece ser um
falso jogador.
INTENSIDADE E PROFUNDIDADE
Outro termo bonito, poético. Não
basta correr e ter raça, precisa de intensidade. Não basta dar bons passes,
finalizar bem, Tem que ter profundidade. O jogador de hoje é intenso ou
profundo, ou ambos. Fico imaginando um diálogo em campo, “marca fulano que ele
tem profundidade”, “vamos lá pessoal, vamos colocar intensidade nesse jogo!”. A
intensidade e a profundidade inclusive são parâmetros fortemente levados em
conta no “mapeamento” (epa!) do mercado de jogadores. Gostava mais do tempo em
que se valorizava o cara que sabia jogar bola.
ARENA
Mundão do Arruda? Gigante da
Beira-Rio? A Vila mais Famosa do Brasil? O Maraca Maior do Mundo? Nada disso.
Futebol hoje é jogado em Arena. Ponto. Tudo é Arena disso, Arena daquilo. É
muito chique, muito europeu. Tem a Amsterdam Arena, a Allianz Arena, então
vamos fazer do futebol brasileiro um verdadeiro arenário, cheio de gladiadores
e guerreiros. Se bem que, do jeito que o futebol daqui anda, se tirarem a bola
de dentro do campo poucos perceberão.
ACREDITAR NO PROJETO
Essa é impagável pelo cinismo
nela embarcado. Fulano de tal, depois do leilão protocolar, resolve escolher
determinada equipe porque “acreditou no projeto”. “O projeto da equipe me
atraiu, eu me identifiquei”. Arrã. Nesse caso projeto consiste em salário mais
alto e/ou contrato mais longo. Além, naturalmente, de uma mais atrativa
comissão para o empresário. Tudo muito bem projetado.
ENCAIXE
O time A não está bem na tabela?
É porque o esquema não encaixou. O reforço veio jogando nada? Ainda não se
encaixou ao time. A equipe conseguiu uma boa vitória? É porque conseguiu
encaixar seu jogo. E assim vão seguindo os comentários do “futebol-lego”.
Comentarista “muderno” precisa ver alguma coisa “encaixando” ou “não
encaixada”. E se souber encaixar o encaixe na proposta ou no projeto, melhor
ainda.
ESPELHAR MARCAÇÃO
Retranqueiros famosos em outros
tempos, como Ênio Andrade, iriam gostar desse termo. A “marcação espelhada”,
que consiste no famoso “cada um pega o seu”, é pule de dez quando se quer
descrever de forma “elegante” um time defensivo e retranqueiro, sem ser depreciativo.
Mais ou menos como os portais paulistas se referem ao horroroso time do
Corinthians. Com efeito, trajasse o “Timão” outro uniforme e fosse sediado em
outra unidade da Federação, seu futebol indigente seria qualificado como “de
time pequeno”. Como é “da terra”, joga praticando a “marcação espelhada”.
* * *
Bem, eu poderia dedilhar mais
prosa sobre o assunto, que reconheço ser vasto (goleiro ou zagueiro que
comemoram defesa, jogador que não comemora gol contra ex-clube etc), mas penso
que basta. E por favor, que não se tome as observações acima como as ilações
ranzinzas de um idoso incomodado com o passar do tempo. Evidente que o jargão futebolístico,
com o tempo, passa por reciclagens e mutações, até porque do contrário ainda
estaríamos falando em center-half, denodo, paredro e prélio. Mas ao menos
poderiam ser mais imaginativos...
Finalizo constatando que ao menos
uma coisa não muda com o tempo. Flamengo ganha, o derrotado sangra. E o motivo
da vitória do Flamengo é a Globo, a CBF, a arbitragem, a mídia, o sistema, a
Cia, a KGB, o diabo. Nunca o mais óbvio.
Jamais ocorre que, de repente, o
Flamengo pode ter sido mesmo superior.
Boa semana a todos.