Saudações flamengas a todos.
Semana passada se falou na quina
flamenga no Brasileiro. Já que é tempo de quina, lembro uma que estará sempre
guardada nos nossos corações rubro-negros. Boa leitura.
“Enquanto eu for vivo, o Vasco
nunca levará quina do Flamengo” (Eurico Miranda, 1991)
FLAMENGO 1-0 VASCO, CAMPEONATO
BRASILEIRO 1990
Um Flamengo estropiado e
desacreditado derrota o Vasco no Campeonato Brasileiro, com um gol de um jovem
desconhecido. Parece familiar? Lembrou Bujica?
O Flamengo não vive um bom
momento, há uma crise entre os líderes do elenco e o diretor Francisco Horta,
prestes a explodir. Mas os contundentes 3-0 sobre o Náutico, pelas semifinais
da Copa do Brasil, amenizam o ambiente. No entanto, o treinador Jair Pereira
sofre com uma severa lista de desfalques para o clássico contra o Vasco, agora
pelo Brasileiro. Estão fora Júnior, Zanata, Renato Gaúcho, Fernando e Gaúcho. O
jeito é recorrer aos garotos das divisões de base.
Se o momento do Flamengo não é
bom, o Vasco consegue atravessar situação pior. O time infestado de medalhões
vive séria crise de relacionamento entre jogadores, comissão técnica e
diretoria e vem de uma humilhante derrota para o Nacional-COL. O treinador
Zagalo é contratado, mas não consegue reverter uma marca que já chega a 9 jogos
sem vitória e seis jogos seguidos sem marcar gols.
O JOGO – Pressionadas pela
situação na tabela, as equipes desde o início atuam de forma agressiva,
buscando o gol. O Vasco parece melhor, mas é o Flamengo quem abre o placar, aos
25'. Aílton alça a bola na área e encontra o desconhecido garoto Nélio (em sua estréia
nos profissionais), que com inusitada calma domina a bola no peito, espera a
projeção de Acácio e fuzila alto, forte, indefensável. A partir daí, o Vasco se
atira em desespero ao ataque, e consegue encurralar o adversário. Cria várias
chances, mas esbarra na ótima atuação de Zé Carlos e na falta de sorte de
Bebeto e Sorato, que perdem gols incríveis. O segundo tempo começa na mesma
toada, mas o panorama muda quando Zé do Carmo acerta uma voadora em Marcelinho
e é expulso. Com um a mais, o rubro-negro passa a controlar a partida e a
fustigar o adversário com contragolpes. É a vez de Acácio aparecer para evitar
o segundo gol flamengo. Os vascaínos entoam até mesmo o “João de Deus” (hino
arco-íris, não tricolor), mas de nada adianta. No fim, um cruzmaltino invade o
campo, refletindo o desespero de uma torcida que, perplexa, vê se repetir
diante dos seus olhos o pesadelo do ano anterior, ao frenético coro de
“Recordar é viver, Nélio acabou com você”, “Bujica, Bujica” e “Chorão, Chorão”.
Final, 1-0. O Flamengo escapa, por ora, da crise. E o Vasco, nela afunda com
força.
FLAMENGO 3-0 VASCO, CAMPEONATO
BRASILEIRO 1991
Após um início desastroso, o
Flamengo de Vanderlei Luxemburgo enfim começa a se encontrar. Alguns reforços
já se encaixam no time, o veterano Júnior vai consolidando seu papel de líder
do grupo de jogadores e os resultados no campo vão dando tranquilidade ao
elenco, como a contundente vitória sobre o Corinthians no Pacaembu (2-0), pela
Libertadores. Para a sequência do Brasileiro, o goleiro Gilmar (que estreara em
São Paulo) faz seu primeiro jogo no Maracanã, aproveitando uma estranha
contusão de Zé Carlos (que teria escorregado em uma piscina). Motivada, a
torcida flamenga promete lotar o Maracanã.
O Vasco vive altos e baixos. O
time não ostenta a quantidade de estrelas do ano anterior, mas ainda é forte. O
comando de Antonio Lopes devolve competitividade, mas o time não engrena. Seu
astro maior, o atacante Bebeto, vive às voltas com lesões persistentes e de
difícil recuperação. Ademais, o time acaba de ser eliminado de forma vexatória
na Copa do Brasil, pelo Remo-PA em plena São Januário. O trunfo é a estreia do obscuro
lateral Jorge Rauli.
O JOGO – O Maracanã reabre com setenta
mil almas presenciando um verdadeiro passeio, um chocolate do Flamengo sobre um
Vasco atônito e aparvalhado, que em nenhum momento oferece ameaça séria à
vitória rubro-negra. Com marcação avançada e forte bloqueio no meio-campo, o
Flamengo sufoca, pressiona, põe nas cordas até chegar ao primeiro gol. Bola na
trave, defesa de Acácio, tudo acontece até que, aos 37', não há como resistir.
Júnior, que desfila seu talento em campo, senhor absoluto do jogo, cobra uma
falta na área. Gotardo escora e Adilson mergulha de peixinho, 1-0. Na segunda
etapa, Alcindo recebe na intermediária e avança pela freeway deixada pelo
perdido Rauli. Serve Marquinhos, que apenas desvia de Acácio, 2-0, com 4'.
Antes que o Vasco esboce reação, Júnior cobra falta e Gaúcho, inteiramente
livre, antecipa-se a Acácio e, aos SEIS minutos, marca Flamengo 3-0. Tudo
aponta para uma goleada histórica. Luxemburgo, alucinado, manda o time
continuar apertando, mas os jogadores, cansados, preferem recuar e gastar a
bola, fazendo gato e rato do adversário. Somente aí, ferido em seus brios, o
Vasco demonstra alguma reação e se atira à frente. Perde algumas chances
incríveis, especialmente com o voluntarioso Tiba, e enfim consegue um pênalti.
Quando todos imaginam que Bebeto irá para a cobrança, o atacante, sufocado
pelas vaias da torcida, recusa o encargo. O garoto Tiba pega a bola e bate, mas
Gilmar voa e desvia a bola para a trave, lance que o faz conquistar de vez a
posição. Pouco depois, Bebeto manca e sai, substituído, “ovacionado” com o coro
de “Chorão, Chorão”. A vitória por 3-0 dá ao Flamengo a confiança para a
continuidade de um trabalho que só dará frutos mais tarde. E ao Vasco, resta a
turbulência e a crise, da qual não sairá jamais em todo o ano de 1991.
FLAMENGO 2-0 VASCO, COPA RIO DE
JANEIRO 1991
A eliminação precoce no
Brasileiro e na Libertadores faz surgirem questionamentos mais sérios ao
trabalho de Vanderlei Luxemburgo. Além disso, a falta de dinheiro obriga o
clube a promover uma forte reformulação no elenco, e vários jogadores são dispensados
ou negociados. Nesse contexto, surge a Copa Rio, competição criada pela FERJ
para manter os clubes em atividade. Luxemburgo resolve levar o torneio a sério,
transformando-o em um laboratório para a montagem da equipe que terá nas mãos
no segundo semestre.
Com isso, o Flamengo vai
liderando com folga a chave da capital da competição, apesar do futebol pouco
convincente. Na última rodada, o rubro-negro, já classificado às semifinais,
enfrenta o Vasco de Antonio Lopes, numa partida esvaziada pela ausência das
estrelas maiores, Júnior (cumprindo suspensão) e Bebeto (servindo à Seleção
Brasileira).
O JOGO – O Vasco tenta tomar a
iniciativa, pois precisa da vitória para tomar a primeira posição do Flamengo.
Nisso, vai criando algumas chances, e o ápice é a bomba de Rauli no travessão,
cujo rebote Sorato desperdiça de forma inacreditável. Aos poucos o Flamengo vai
se ajustando em campo e explorando as deficiências do medíocre sistema
defensivo vascaíno. Marcelinho, o melhor do time e do jogo, é derrubado por
Alê, e na cobrança da falta desloca Acácio e marca 1-0, aos 22'. Com o gol, o
Flamengo se fecha na defesa e passa a explorar contragolpes em uma velocidade
alucinante. Num desses ataques, Djalminha faz o que quer com Rauli e Alê e
deixa para Marcelinho, que escora e abre 2-0 no placar. Na segunda etapa, o
Flamengo administra com extrema tranquilidade a vantagem, e desperdiça algumas
chances de transformar a fácil vitória em goleada. Apático, o Vasco pouco
produz. Destaque negativo para as expulsões de Zé Ricardo e Zé do Carmo, ambas
por jogo violento. Ao final da partida, o craque Romário, de férias no Brasil, sintetiza
o que presenciou: “Só deu Flamengo.” O Flamengo vencerá a competição (3-0 no
Americano, na final), o que acabará sendo insuficiente para manter Vanderlei
Luxemburgo no comando.
VASCO 1-2 FLAMENGO, CAMPEONATO
ESTADUAL 1991, TAÇA GUANABARA
O Flamengo anda desacreditado
após demitir Vanderlei Luxemburgo. Com efeito, a crise financeira do clube é
vivamente exposta na imprensa, o jovem elenco não empolga torcida e imprensa, e
os primeiros jogos passam a impressão de que o time fará figuração. Mesmo
assim, o Flamengo vai, aos trancos, somando pontinhos aqui e ali, juntando
vitórias suadas. No entanto, é tido como azarão diante de um Vasco que parece
viver seu melhor momento no ano.
E o rival tem motivos para exalar
confiança. Bebeto enfim consegue empilhar uma sequência de jogos e gols,
formando uma dupla bastante temida com Sorato. Sobra talento no meio-campo, com
William e Bismarck voando, liderados por Geovani, que retorna da Europa jogando
o fino da bola. E o badalado zagueiro Torres fará a sua estreia justamente na
partida contra o Flamengo.
O JOGO – O Vasco inicia a partida
de forma alucinante, explorando o lado direito, onde o improvisado Fabinho não
consegue conter as investidas do esfuziante lateral Cássio. Com 5' de jogo,
Sorato avança livre pela esquerda e serve Bebeto, que abre o placar. Pouco
depois, o próprio Sorato tem a chance de ampliar, entra sozinho diante de
Gilmar, mas chuta fora. Desorientado, o Flamengo parece nas cordas e apela para
jogadas ríspidas, o que aumenta a temperatura da partida. Até que, ainda no
primeiro tempo, em uma confusão onde sobram sopapos e dedos na cara, são
expulsos Charles Guerreiro e França, o que muda completamente o cenário. Sem o
volante brucutu, a já frágil defesa vascaína se torna mais exposta e se põe à mercê
dos ataques do Flamengo, que, empurrado pela torcida, vai atrás da reação. O
empate já poderia chegar na primeira etapa, mas um chute de Gaúcho sai
caprichosamente pela linha de fundo.
No segundo tempo, Lopes tenta
fechar o buraco na intermediária e saca Bismarck, colocando Macula em seu
lugar, alteração que logo se revela desastrosa. O Flamengo empurra de vez o
Vasco pra dentro de seu campo. Logo aos 6', Zinho zanza pela esquerda e tenta
cruzar, mas Macula dá um tapa na bola. Pênalti, que (após longa reclamação)
Gaúcho cobra com violência, empatando. O Flamengo segue em cima. Aos 23',
enquanto Bebeto é atendido na beira do gramado (contundido), o Flamengo roda a
bola na entrada da área vascaína, Gaúcho recebe e deixa com Nélio, que gira e
bate rasteiro. A bola desvia em Macula e engana Carlos Germano. É a virada,
2-1, e o estádio em chamas.
Mas não está acabado. Apesar de
perder Bebeto (que enfim sai machucado), o Vasco lança-se numa ofensiva suicida
o que torna a partida emocionante. Cria uma chance atrás da outra, mas esbarra
em uma atuação de gala de Gilmar, e não consegue reverter a derrota. Ao fim, os
2-1 dão ao Flamengo a confiança necessária para seguir crescendo. E servirão
como ducha de água fria para os vascaínos, que não conseguirão assimilar o
golpe.
FLAMENGO 2-0 VASCO, CAMPEONATO
ESTADUAL 1991, TAÇA RIO
A semana do clássico é badalada,
com provocações transbordando de um lado a outro. Bebeto e Gaúcho, disputando a
artilharia gol a gol, trocam alfinetadas (“Serei artilheiro e Bebeto me
aplaudirá”, “O Gaúcho anda falando muito”). Eurico exalta a “mediocridade” do
Flamengo e avisa que passará por cima. “O Eurico joga?”, ironizam os flamengos,
muito motivados com a perspectiva de devolver a quina de 1988.
Fato é que o Flamengo enfim
parece um time montado e pronto. Carlinhos consegue encontrar o equilíbrio
entre a experiência de veteranos, o ímpeto dos garotos e a qualidade dos coadjuvantes.
O resultado é um time sólido, com uma defesa quase intransponível (não sofre
gols há 450 minutos), um contragolpe mortal e uma compactação sufocante no
meio. Equipe que disputa a liderança da Taça Rio com o Botafogo, numa disputa
emocionante.
O JOGO – É um vareio. Em sua
melhor atuação no campeonato, o Flamengo passa por cima, não toma conhecimento
do Vasco e constrói sua vantagem como e quando quer. Após um início equilibrado
e cauteloso, por conta do sol escaldante, o rubro-negro avança suas peças e
pressiona. Após criar três chances reais, enfim abre o placar, numa bola alçada
de Júnior (um passe, tal a precisão), que encontra a cabeça de Zinho, aos 36’.
Flamengo 1-0. Na segunda etapa o rubro-negro recua traiçoeiramente, dá a
intermediária ao Vasco, que tenta tocar inutilmente. E os contragolpes,
mortais, levam os vascaínos ao desespero. Calmo, sem afobação, o Flamengo
cozinha o jogo, derrete o adversário no calor, e solta a cavalaria nos minutos
finais, numa blitz que resulta no segundo gol, em que Fabinho recebe de Gaúcho
e fuzila Carlos Germano. Na anunciada “guerra dos artilheiros”, atuações
apagadas de Gaúcho (que perdeu chances, mas ao menos conseguiu uma assistência)
e Bebeto (inteiramente nulo em campo). Eufórica, a massa flamenga se divide aos
gritos de “eliminado, eliminado”, “quina, quina” e “Bujica, Bujica”, enquanto
se diverte com o humilhante olé aplicado em campo.
Ao final, Carlinhos exulta, “fomos
perfeitos”. De fato, a atuação do Flamengo é tão impressionante que alguns mais
exaltados já projetam vôos maiores para essa equipe, outrora espezinhada pelos
críticos. E logo o tempo lhes dará razão.
* * *
Essa é a história resumida da
quina flamenga. Não deixa de ser interessante constatar a participação do
atacante Bebeto nesse episódio. Com efeito, o jogador atuou em oito das dez
partidas que compuseram as duas séries (em 1988 e 1990/91).
Sempre do lado perdedor.