Era uma vez um velho, que resolve
vender seu burro e chama seu neto de dez anos para acompanhá-lo. Coloca o
menino no lombo do animal e segue viagem.
Passando por um acampamento
percebe que alguns comentam, “Que menino mal-educado e preguiçoso, em cima do
burro enquanto o pobre velho precisa puxar as rédeas!”
O velho resolve então colocar o
menino no chão e subir no jumento. E assim continuam sua jornada.
Chegam a um lago, onde algumas
senhoras lavam roupa. Logo surgem os muxoxos, “Velho explorador, já abusa da
criança desde cedo, fazendo o menino caminhar enquanto descansa sobre o burro!”
Resignado, o velho manda o menino
subir, e agora vão os dois sobre o burro.
Agora estão diante de um povoado
e a grita é geral, “assim vão arrebentar o pobre animal, veja como o bicho
arfa. Facínoras!”
Já algo irritado, o velho resolve
descer do jumento, e também puxa o garoto. Agora vão todos ao chão, o animal
com as costas livres.
Aproximam-se da cidade de
destino, passam por uma birosca, e uns desocupados não se furtam a comentar, às
risadas: “Vejam que idiotas, vão se matando no sol tendo um burro que poderia
tranquilamente levá-los!”
Enfim irritado, o velho olha pro
menino, “vamos resolver logo nosso negócio, antes que a gente acabe tendo que
levar o burro nas costas!”
* * *
Reclamamos,
praguejamos, destilamos nosso inconformismo sobre absolutamente tudo
relacionado ao Flamengo. Passamos a entender de mapas de calor, diagonais de
cobertura, linhas de quatro, falso nove. Mostramos nossos avançados
conhecimentos de fisiologia do desporto para espicaçar o trabalho do
departamento médico e da preparação física da equipe. Antenados e modernos, recitamos
Ferrán Soriano e discorremos sobre gestão em futebol, nos debruçamos, ar
professoral, sobre balanços e orçamentos. Especialistas em psicologia de grupo,
detectamos focos de instabilidade no vestiário e a formação de grupelhos
fragmentados.
Do nosso teclado,
decretamos: “A administração do futebol é um desastre, e desse ano o Flamengo
não escapa.”
É bem verdade que o
time que o Flamengo está entregando em campo está longe, muito longe, daquilo
que imaginamos aceitável e compatível com a grandeza do clube (mesmo tendo em
vista que Zico, Maestro Júnior, Zizinho, Dida e mesmo Pet não voltam mais).
Também é verdade que há alguns anos o horizonte flamengo em competições como o
Brasileiro e a Libertadores não se estende além de mera figuração.
Também é fato que
houve, a rasos olhos, equívocos crassos, especialmente quanto ao excesso de
delegação de poderes aos profissionais “de campo”, como a aposta insensata em
jogadores jovens e sem currículo para substituir peças-chave do time no início
do ano, ou o desperdício do intervalo da Copa do Mundo, retardando a inevitável
reformulação no elenco, as atrapalhadas trocas de treinadores, a incrível
indecisão no aproveitamento de outros atletas, entre outras coisas. Ou a
absoluta falta de comunicação e a tendência ao isolamento, fazendo administradores
assumirem ares de interventores, gerando antipatia, repulsa e certa receptividade
ao discurso alucinado dos que não mais se servem do Flamengo, praguejam contra
os “barões paulistas” que lhes negaram a “boquinha”. Ou a falta de malícia, de
traquejo, de maldade de entender que o mundo da bola é muitas vezes fluido,
manhoso e precisa de uma abordagem menos acadêmica e mais pragmática.
No entanto, rebaixamos
o Flamengo duas vezes. Ano passado, recitamos à exaustão a cantilena de “pior
time da história”. Chegamos a abrir OITO pontos da zona de rebaixamento, surrávamos
sistematicamente todos os adversários no Maracanã, derrotamos praticamente
todos os principais times do campeonato, conquistamos de forma irretorquível e
irrepreensível a mais disputada Copa do Brasil da história. Mas seguíamos a
ladainha, “o time é ruim, não presta e vai ser rebaixado”, e ao final (mutretas e tapetões à parte), restou a sensação de que, não fosse a Copa do Brasil, teríamos brigado pelo G4. Esse ano, com um
elenco do mesmo nível (hão de me desculpar, o elenco de 2014 não é inferior ao
de 2013, podemos cotejar nome a nome), e o mesmo início assustador, não nos
furtamos a negar qualquer capacidade de reação e cravamos de forma inapelável o
rebaixamento e a condenação de todos ao fogo do inferno. Cantamos, “isso de
pagar dívida é tolice, não vamos pagar imposto, não vamos pagar nada, o que
importa é se salvar. Vamos trazer Robinho, Nilmar, Cristiano Ronaldo, não
importa que o salário atrase, tem que ter craque. Não interessa se um
Ronaldinho Gaúcho vai se arrastar em campo, o que importa é que ele é do Mengão.
Queremos ostentar, e nos estão negando isso. Eles querem é rebaixar o Flamengo. Tá tudo errado, nada presta, nada funciona. Tem que trocar tudo!”.
O Joel Santana assumiu
em 2007 o Flamengo na Zona do Rebaixamento. na 16ª Rodada. O Andrade recebeu um
time nas posições intermediárias em 2009 na 13ª Rodada. O Jayme de Almeida, ano
passado, tornou-se treinador do rubro-negro na 23ª Rodada.
Pois bem. O Vanderlei
Luxemburgo chegou na 12ª Rodada.
Era pra tanto?