Saudações flamengas a
todos.
É sabido por todos que
o ex-presidente Kléber Leite anda se aventurando na “modernidade” das redes
sociais. Curioso, fui beber de seus ensinamentos, afinal de contas trata-se de
figura respeitável, que costuma discorrer com propriedade sobre os mais
diversos assuntos, especialmente os afetos à gestão das coisas do futebol
flamengo.
Ainda mais curioso,
resolvi relembrar momentos em que o ilustre dirigente dispôs da oportunidade de
colocar em prática suas idéias para a gestão do Mais Querido. E é uma dessas
passagens que aqui divido hoje. Boa leitura.
*
* *
“Estou com uma idéia maluca.”
A frase, expelida num
impulso, chacoalha o que até então vinha sendo uma daquelas intermináveis e
repetitivas reuniões de gabinete, para tratar de mais uma crise no Flamengo.
Treinador demitido, imprecações diversas acerca da qualidade do elenco, da
falta de interesse de alguns jogadores, entre outros muxoxos. Mas o presidente
acaba de ter uma idéia maluca. E em torno dessa sugestão as discussões se
tornam febris, acaloradas, entusiasmadas.
A idéia salva a
reunião. Mas não salvará o Flamengo.
*
Reunidos no centro do
campo da Gávea, os jogadores assistem, perplexos, à “cerimônia” de apresentação
do seu novo treinador, o radialista Washington Rodrigues. Alguns balançam a
cabeça, incrédulos. Outros cochicham aos risos, sem sequer disfarçar. Um repórter
define a cena como “de uma constrangedora comicidade”. O Flamengo
definitivamente quer fazer história, nem que seja por vias tortuosas.
Radialista
bem-sucedido, Washington Rodrigues, ou Apolinho, ocupa a cadeira de
comentarista principal da Rádio Globo RJ, a emissora de maior audiência no
estado. Falastrão, irônico e verborrágico, não esconde de ninguém sua inflamada
veia rubro-negra. É particularmente mordaz ao avaliar a passagem do craque
Romário, a quem eleva à categoria de desafeto ao criticar de forma contundente
as regalias e a falta de empenho do jogador nos treinamentos. “Não há treinador
que dê certo com Romário nesse time”, “A torcida anda querendo ver Romário
pelas costas”, “minha bazuca está apontada para ele”, entre outras frases de
efeito, talvez motivada pela amizade de anos entre o Apolinho e Vanderlei
Luxemburgo, recente desafeto do goleador. E para muitos, essa voz grossa pode
ter sido o estopim para a “idéia maluca” de Kléber Leite, uma tentativa
desesperada de enquadrar o monstro que ele próprio ajudou a criar (com mimos
como a construção de uma quadra de futevôlei dentro da Gávea e a contratação de
seu fisioterapeuta particular, entre outras regalias).
Mas quem espera a
tomada de medidas fortes, logo se decepciona. O Apolinho chega com um discurso
conciliador, abraça Romário, fala em “rever a relação”, solta declarações
carinhosas (“Romário precisa de um cafuné”) e não dá o menor sinal de que irá
impor medidas coercitivas. Busca levantar o moral dos jogadores, chama todos
para conversas reservadas, demonstra capacidade de persuasão, surpreendendo os
mais céticos. Os primeiros resultados são animadores, uma virada heróica e
sensacional contra o Vélez Sarsfield em pleno campo adversário (na melhor e
talvez única grande atuação de Edmundo pelo Flamengo), 3-2 nos minutos finais,
e uma segura vitória contra o Juventude, em Caxias do Sul (2-0).
Mas os problemas
estruturais estão lá. E logo tornarão a aflorar.
Definitivamente, o
volumoso Apolinho não é treinador de futebol. Desconhece detalhes como a linha
diagonal de cobertura, o sincronismo entre volantes, laterais e zagueiros e não
reúne a menor vocação para interpretar qual a formação tática mais adequada
para o perfil dos jogadores de que dispõe. Ao contrário, gosta de apregoar que “433
é linha de ônibus”. Indagado sobre o sistema de jogo que deseja implantar no
Flamengo, responde sem pudor, “o feijão com arroz, talvez com um ovo frito por
cima”. Elege o medíocre volante Pingo o seu “chefe da SWAT” e vai fazendo a
alegria de desafetos e humoristas. Não
contente, “contrata” uma nova integrante para sua comissão técnica, uma TV de 14
polegadas que pede para que seja instalada no banco de reservas em todas as
partidas do Flamengo. “Gosto de estudar os detalhes, ver a repetição dos lances”,
justifica. Enquanto isso, o trabalho real de treinamento do time (ou sua
tentativa) vai ficando a cargo do “assistente” Artur Bernardes, treinador de
currículo discreto que efetivamente comanda as atividades dentro do campo. “Sigo
as orientações dele”, disfarça sem convencer.
Passado o impacto
inicial, as crises de relacionamento no elenco tornam a aparecer. Após um
inacreditável vexame em Florianópolis, em que o Flamengo do Apolinho consegue a
façanha de abrir 2-0 e ceder o empate para um Grêmio cheio de reservas e com
nove jogadores, partida em que o esquema “montanha-russa” foi testado e
reprovado, o vestiário explode, acirrando o racha entre as estrelas (comandadas
por Romário e Edmundo) e o restante do elenco (“comandado” por Sávio). Romário
critica os zagueiros, Sávio os defende, ninguém se entende, e o time volta a
despencar na tabela. O auge da crise se dá após um Fla-Flu em Campina Grande,
quando Romário declara taxativamente que “esse time é uma merda e não vai a
lugar algum”.
O resultado é a
lanterna de seu grupo ao final do primeiro turno e a ameaça cada vez mais viva
de rebaixamento. Como se o surrealismo não fosse suficiente, o Flamengo desiste
de exibir seu futebol deprimente pelo Brasil e se fixa no Rio de Janeiro. Em
São Januário, que se torna o caldeirão rubro-negro e onde o Flamengo se livra
da Série B com vitórias cruciais contra Bragantino, Criciúma, Goiás e Sport.
A crise somente dá
sinais de atenuação quando Edmundo começa a se tornar figura cada vez mais
ausente da equipe. Convivendo com suspensões e lesões, enfim o Animal fratura o
pé contra o Internacional, no Beira-Rio, e está fora do restante da temporada. Romário,
que também coleciona ausências pelos mais diversos motivos (dores no pescoço,
intoxicação alimentar, cartões amarelos obtidos no final de partidas já
decididas), está gordo e vai arrastando sua desmotivação, ansioso pelo final da
temporada. Ironicamente, sem os dois astros e escalado com garotos como Fabiano,
Rodrigo Mendes e Aloísio Chulapa o Flamengo começa a crescer na Supercopa, vai
passando fase a fase até chegar às finais. Na primeira partida, com o time completo,
o rubro-negro atua de forma estranhamente apática e praticamente define a perda
do título na derrota por 2-0 para os argentinos do Independiente, de nada
adiantando o magro 1-0 no Maracanã lotado.
Poderia ser no Maracanã
abarrotado, pulsante e fervilhante, mas foi no silencioso e acanhado Estádio
Municipal, de Juiz de Fora. Poderia ter sido contra o forte Independiente, um
dos mais tradicionais clubes da América do Sul, mas acabou contra o União São
João de Araras, lanterna absoluto do Brasileiro. Poderia ser erguendo a taça de
campeão, mas a realidade mostrou um time buscando um empate com dificuldades
após sair com dois gols atrás no marcador. Opaca, clandestina, mera nota de
rodapé. Eis a despedida de Washington Rodrigues do comando técnico do Flamengo.
Experiência que o
Apolinho declararia válida, “quem nunca sonhou dirigir seu time de coração?”,
mas que se mostrou um recurso extravagante e inútil para sanar as mazelas de um
time mal concebido, mal montado, mal planejado, fadado ao desastre.