Meu
pequeno vascaíno,
O que há?
Ainda tá assim?
Venha cá,
larga esse lenço. Já tem quatro dias, chega de lamúria. Senta ali,
vamos bater um papo, você já é um homenzinho. Isso, beleza. Limpa
essa cara.
O que
houve?
Flamengo?
Só ganha roubado? Vasco só perde no apito? Então, tá.
Tá na
hora de você ouvir umas coisas. Umas verdades.
Eu já
perdi campeonato roubado, sabia? Já fui eliminado no apito, também.
Perdi título com gol impedido (1995), com gol de jogador empurrando
(1989), saí da Copa do Brasil com gol irregular (1999), da
Libertadores com juiz que não deu pênalti (2007). Tudo isso e muito
mais, se apertar um pouco.
Mas não
é do Flamengo que eu quero falar, embora seja seu assunto preferido.
Vocês,
vascaínos, adoram falar em ética e se vitimizarem. Não faz essa
cara que é verdade. Vivem se intitulando guardiões da moral e dos
bons costumes, sempre o coitadinho que precisa enfrentar esse mundo
mau.
Vou te
lembrar uma historinha. Você sabe o que aconteceu em 1974? Isso,
isso, campeão brasileiro, né? Que orgulho, que conquista
maiúscula...
Pois
naquele ano o campeonato foi decidido num quadrangular, lembra? E que
o Vasco tinha a pior campanha dos quatro. E que por isso tinha que
fazer seus três jogos fora de casa. Mas estranhamente acabou fazendo
dois jogos no Maracanã. Por conta disso, chegou ao fim empatado com
o Cruzeiro (que era o melhor time do campeonato, melhor campanha) em
pontos. E, por isso, deveria haver um jogo extra.
No Mineirão.
Mas o
Vasco conseguiu levar o jogo pro Maracanã, lembra? Alegou que
dirigentes do Cruzeiro invadiram o gramado (nem vou falar do pênalti
escandaloso que não marcaram contra o Vasco nesse jogo, o que gerou
a confusão) e por isso tinha que perder o mando de campo. E assim
foi feito, na canetada, sem nem passar pelo STJD.
E aí a
CBD do vascaíno Heleno Nunes marca o jogo para o Maracanã, com
arbitragem do carioca Armando Marques. O jogo é bom, disputado, o
Vasco marca dois gols em lances duvidosos, um anulado, o outro não,
e vai vencendo por 2-1. Aí, aos 42 do segundo tempo o Cruzeiro
empata, num gol de cabeça de Zé Carlos (mania que vocês têm de
perder taça no finalzinho). Gol limpinho, purinho, legítimo, do
bom. Só que o diligente e prestativo Armando Marques anula...
E o Vasco
ganha o título. Olha o que sai nos jornais da época:
“O
Campeonato Nacional terminou, não vai deixar saudades, o Vasco é o
campeão e isso é o que vai ficar registrado. Daqui a alguns anos,
ninguém mais irá se lembrar de tudo o que se fez para ele chegar a
esse título. A história do futebol tem poucos registros de jogadas
de bastidores. Essa bola que não para de correr não dá tempo para
pensar no passado. Viva o futebol.” (Folha de São Paulo).
E então,
vamos falar de “ética” e “lisura”? De “Vasco sempre
perseguido”?
Mas você
falava do regulamento, que o art 59 do regulamento previa a inversão
do mando, que regulamentos precisam ser cumpridos à risca e tal.
De fato,
esse argumento do regulamento talvez resolva parte do seu problema em 1974. Mas já
que é pra falar de regulamento. O regulamento da Copa João
Havelange, em 2000. Lembra? Lá dizia que, caso uma partida fosse
interrompida ou encerrada, se o clube mandante desse causa à
anomalia, perderia os pontos do jogo.
Isso
aconteceu logo na Final, olha que chato. Vasco x São Caetano,
alambrado arrebenta por irresponsabilidade do mandante, que permitiu
a superlotação (estima-se cerca de 50 mil num estádio que cabiam 40 mil). Pelo
regulamento, o São Caetano deveria ganhar os pontos do jogo e ser o
campeão. Afinal, regulamentos devem ser cumpridos.
Mas isso
não aconteceu. Marcou-se nova partida. Nem o mando de campo o Vasco
perdeu, o jogo ficou no Rio de Janeiro, no Maracanã. O Vasco venceu
o jogo remarcado (3-1) e ficou com o título.
Agora
você me deixou confuso. É pra cumprir ou não é pra cumprir o
regulamento? Porque nos casos de 1974 e 2000 o único ponto que liga
as duas histórias de forma coerente é o fato de que o Vasco saiu
beneficiado em ambos os casos.
“Vasco,
sempre prejudicado”.
“Sempre
ganhamos no campo”. De fato, o Vasco é um clube que jamais
recorreu a manobras espúrias de bastidores, sempre seguiu
religiosamente as regras do jogo, nunca tentou levar qualquer tipo de
vantagem indevida... Sei.
Então não sei o que os moveu para ter
arrumado um artifício para escalar o suspenso Edmundo na final do
Brasileiro de 1997, ter escalado irregularmente o expulso Marquinho e
o suspenso (três cartões amarelos) João Luís na segunda final do
Estadual de 1981, e não contente ter repetido a dose na finalíssima
escalando de novo o (agora suspenso por expulsão, esse danadinho)
João Luís. Do ladrilheiro vocês falam, os jogadores irregulares
vocês não mencionam. E que tal o Estadual de 1994, em que o Vasco
passou por cima da tabela do Quadrangular Final e ajeitou com a FERJ
uma conveniente inversão das duas últimas rodadas, escapando de
enfrentar o motivado Fluminense antes do despedaçado Botafogo? Ou os
Estaduais de 1997 e 1998, que o Caixa d'Água só soltava as datas
dos jogos depois de se reunir com o Dotô Eurico?
“Contra
tudo e contra todos”.
Mas,
voltando ao nosso caso. Quer dizer que vocês querem anular o jogo?
Legal. Qual a alegação? “O Vasco não podia perder”, foi o que
falou o advogado. Entendo, tudo muito sólido, tudo amparado em um
princípio antigo do Direito, o juris esperneandi.
Não me
lembro do Vasco ter tentado anular o jogo que ganhou do poderoso ABC,
lá na Copa do Brasil que vocês conquistaram, em 2011. Time
perdendo, jogo complicado, eliminação batendo na porta. Aí o juiz
aparece com um pênalti camarada, daqueles que é difícil conter o
riso. Eu realmente não me recordo de ter ouvido alguém do Vasco
invocar ética, moral ou bons costumes. Só me lembro de tê-los
visto falar de classificação “heroica” e “dramática”.
Naturalmente.
Ou de
tentarem anular o jogo que ganharam do Bangu em 1998, gol do Mauro
Galvão impedido, o Rubens Lopes (na época presidente do Bangu)
querendo bater no juiz, o Eurico dizendo que “árbitros não são
infalíveis”, enfim.
Mas isso
de querer anular jogo não é novo. Lembra a Taça GB de 1982? Houve
um jogo-extra, Flamengo e Vasco. Partida absolutamente normal. Dura,
pegada, forte, de decisão. Mas normal e até tranquila, ninguém
expulso, nenhum lance polêmico, nada, nada. Nenhum motivo para um
ai. O jogo só teve um problema grave: o Flamengo ganhou. No
finalzinho (ô, mania!). Pronto, vascaínos, foi o argumento que
vocês queriam. Anula, anula! Anula que o Flamengo ganhou. O mote, a
revelação de que o árbitro José Roberto Wright apitou com um
microfone sob a camisa, o que o regulamento (olha o regulamento de
novo...) não permitia nem proibia. Mas tem que anular, tem que
anular, o Vasco perdeu. Vocês entraram no tribunal, só pra perder
de novo. De goleada.
E houve
outra, mais uma Taça GB, agora 1988. Segundo tempo, Flamengo
ganhando de 1-0, luz apaga. Espera aqui, espera ali, a luz enfim
volta. Mas cadê o Vasco? Já havia escoado para o vestiário, em
fuga clandestina. A luz lá, acesa, o Flamengo batendo bola, o
público esperando, e o Vasco tomando banho, escondido. “Vamos
anular o jogo”, berrava seu vice-presidente. Anula, que o Flamengo
ganhou. Anula, que o Vasco não pode perder. Mas perdeu. De novo.
Sempre
perseguido, pobre Vasco.
Seu
presidente, o Dinamite. Esses pitis, essa histeria, esses escândalos
a cada pemba que leva do Flamengo não são coisa nova. Fez em 1983
(queria dar porrada no juiz porque ele cometeu o grave erro de
validar um gol legal do Zico), fez em 1986 (expulso por dar pontapés
em Andrade assim que o Flamengo empatou a Final da Taça Rio, gol de
pênalti, imagina dar um pênalti pro Flamengo, crime de morte).
Sempre
coitadinho, pobre Vasco.
Enfim,
basta. Só tem mais uma coisa. O América já foi rival do Flamengo,
sabia? É, daqueles ferrenhos, de discutir em bar, de jogador ganhar
bicho extra, de disputar campeonato ponto a ponto. Entrou numa de
coitadismo. Olha onde estão hoje. Acha que o Vasco tá indo muito
diferente? 2008 pra cá vocês nos venceram TRÊS vezes. O Resende
DUAS, pra se ter uma ideia. Barcelona x Español. Abre o olho.
Há
alguma novidade no que foi dito aqui? Não sabia, não lembrava?
Memória seletiva? Naturalmente. Afinal de contas, essas histórias
não costumam ser requentadas em sites “anti-Vasco”, em dossiês
de youtube, em “manifestos”, “panfletos” e coisas do tipo.
Não se fica pisando ou repisando as passagens polêmicas da história
vascaína.
Não
porque elas não tenham existido.
Mas
porque isso não importa.
* Agradecimento ao colega Vinícius Norske pela foto da caravela, que ilustra mais um momento edificante da gloriosa história do CR Vasco da Gama, atual vice-campeão estadual.