Saudações flamengas a
todos,
Tentarei
ser breve, porque o texto hoje é longo. O último “homenageado”
da série é o aristocrata decadente Fluminense, cujo cabedal de
“momentos históricos” compõe um material caudalosamente vasto.
Difícil deixar de falar do inesquecível bi-rebaixamento à Série B
(1996-97), ou da demonstração de força de sua torcida, que colocou
DEZOITO (DE-ZOI-TO) pagantes num jogo contra o Bangu, em 1994. Ou das
emocionantes batalhas contra o glorioso Lagartense-SE, em 1999. Ou
talvez o mega-evento de dezembro de 1997, quando enfrentou o time de
craques da MTV e seu rumoroso VJ Cazé Peçanha, ou quem sabe as partidas contra o Dom Pedro, time de
bombeiros do Distrito Federal comandado pelo Cabo Tata (que nem
sempre jogava completo, pois alguns jogadores estavam em missão
apagando incêndios nas matas do cerrado). Impossível deixar de
mencionar o Circo Garcia instalado nas Laranjeiras em 1983, as
goleadas sofridas em casa para os esquadrões do América-RN e Sport
nas campanhas dos rebaixamentos, as incontáveis viradas de mesa
regadas a champanhe...
Ufa.
Enfim, aí estão separadas cinco histórias, mais uma de bônus. Boa
diversão.
5 – JUVENTUDE-MT 4-1
FLUMINENSE, COPA DO BRASIL 2001
Ser
goleado pelo Juventude não é novidade para o Fluminense, basta se
lembrar dos 6-0 que levou em 1999. Então, não se trata de um
resultado tão anormal... ops, esse não é o de Caxias? Epa...
O
Fluminense de Valdir Espinoza busca vencer por dois gols e afastar o
jogo de volta, contra o Juventude de Primavera do Leste, Mato Grosso,
sim sinhô. É surpreendido pelo jogo veloz do adversário, mas
consegue “achar” um gol, marcado pelo lateral Paulo César, em
jogada de Magno Alves. Mas o Juventude de Primavera não se abala e
começa a pressionar, comandado pelo cerebral meia Fernandinho Vila
Nova, que abastece os atacantes Badico e Xará com precisos
lançamentos. O empate não demora e sai nos pés do lateral Dudé,
que cruza na cabeça de Jair, sem chances para o goleiro Diogo. E
três minutos depois, o segundo, muito parecido, dessa vez marcado
pelo próprio Dudé.
A virada
desnorteia o Fluminense, que passa a atacar desordenadamente, mas
Yan, Magno Alves e Agnaldo esbarram na segurança da defesa formada
pelos zagueiros Baggio, Alex Bach e Penacho. Esperto, o treinador
matogrossense coloca o veloz Moreno em campo, para aproveitar os
contragolpes nos espaços deixados pelos tricolores. E a tática dá
resultado. Jair recebe uma bola esticada e aciona Moreno, que só
rola para o gol. 3-1. E um minuto depois, já aos 43', novamente
Moreno recebe livre, arruma e emenda sem defesa para Diogo. Final,
Juventude de Primavera 4-1 Fluminense. Alguns desavisados chegam a
imaginar que não haverá segundo jogo, por causa da diferença de
gols.
4 –
FLUMINENSE 0-0 PAULISTA, COPA DO BRASIL 2005
Há
limites para a crueldade do destino?
Nenhuma
torcida comemorou mais o Maracanazzo de 2004 do que a tricolor (que
desfilou, cantou musiquinha, enfim). Talvez nem mesmo a do Santo
André. E agora, um ano depois, o Fluminense está na final da Copa
do Brasil, enfrentando igualmente uma equipe do interior de São Paulo, no
caso o brioso Paulista, de Jundiaí, onde jogam o festejado meia
Márcio Mossoró e o volante Cristian (que mais tarde fará sucesso
em Flamengo e Corinthians).
A final é
em São Januário. O Fluminense de Fabiano Eller, Diego Souza e Juan,
que perdeu a primeira partida (0-2), precisa de três gols, ou ao
menos dois para levar aos pênaltis. Mas não consegue marcar nenhum.
Desperdiça sucessivas e cristalinas chances de gol, numa sucessão
que vai torturando e angustiando o torcedor que enche o estádio e
celebra ídolos como Assis (que está nas tribunas), esperando uma
festa que nunca virá. A esperança vai lentamente dando lugar ao desespero, acompanhando o implacável ritmo de um relógio que parece
cavalgar alucinado. É uma atuação de gala de Tuta, que desperdiça
ao menos três oportunidades claríssimas (uma delas em uma
constrangedora furada) e de Leandro, que no final da partida perde um
gol tendo apenas o goleiro à frente. Nem mesmo a entrada do garoto Toró chega
a reverter o quadro. 0-0. O Paulista é o Campeão da Copa do Brasil de
2005, se impondo ao Fluminense dentro do Rio de Janeiro. A torcida
tricolor prova rigorosamente o mesmo remédio que a fez se deleitar
no ano anterior. Para completar o requinte e a sofisticação do
martírio tricolor, seu treinador é Abel Braga, o mesmo derrotado em
2004.
3 –
VILLA NOVA-MG 2-0 FLUMINENSE, BRASILEIRO SÉRIE C 1999
Um misto
de esperança e confiança parece envolver as Laranjeiras às
vésperas da estreia na Terceira Divisão do Campeonato Brasileiro.
Afinal, o clube consegue reunir empresas e profissionais dispostos a
trabalhar em uma “mobilização” para devolver o Fluminense “ao
seu lugar” de “grande”. É o caso do treinador Carlos Alberto
Parreira e de jogadores como o superestimado zagueiro Alexandre
Lopes, que alega rejeitar propostas da Europa para “cumprir a
missão” de tirar o time da lama.
A estreia
é no estádio Castor Cifuentes (o Penidão), em Nova Lima-MG, contra
o tradicional Villa Nova local. E desde o início já se mostra
visível e nítida a diferença de qualidade técnica e tática das
duas equipes. O Villa Nova se mostra amplamente superior. E não encontra nenhuma dificuldade para marcar dois gols em 30 minutos, através de
André e Dé. Os gols descontrolam o Fluminense, que perde o lateral
Paulo Roberto, expulso. Sem forças, Parreira recua o time, receando
a provável goleada, e o Villa roda a bola gastando o tempo. Mas, a
partir da metade da segunda etapa, o Leão de Nova Lima volta a
acelerar o ritmo e pressiona. Após uma bola na trave, a torcida do
Fluminense (que está em bom número no estádio, tendo montado
várias caravanas), entende ser o suficiente. Invade o campo, senta a
porrada em alguns jogadores, atira pedras e garrafas no gramado, e
aos 38' o árbitro decide encerrar o jogo, por falta de segurança.
Final, Villa Nova-MG 2-0 Fluminense, aos gritos de “timinho,
timinho”, e “ão ão ão, quarta divisão”. Mas pelo menos não
foi de goleada.
2 –
FLUMINENSE 2-3 ABC, BRASILEIRO SÉRIE B 1998
Após
dois anos e uma virada de mesa, eis que enfim o bi-rebaixado
Fluminense é apresentado à Série B. Sem perder a pose, sua
diretoria promete um time capaz de devolver as glórias do passado, e
nesse embalo é montado um elenco com os experientes Ronaldo (goleiro
ex-Corinthians) e Nonato (lateral ex-Cruzeiro), além de jogadores
como Gil Baiano, Marco Brito, Roni e Bruno Carvalho. Aproxima-se da
“Geração Assis”, que passa a divulgar mensagens de apoio e
força, contrata o ex-jogador Delei para a função de treinador e
convence o aposentado Branco a retornar aos gramados. Consegue na CBF
tirar o jogo de estreia, contra o ABC, das Laranjeiras,
transferindo-o para o Maracanã, “para assustar o adversário”.
Resolve-se promover a partida, com os ingressos a preços
promocionais. O jogo é marcado para uma manhã de domingo. E a
resposta da torcida é imediata. Os 20 mil ingressos são esgotados,
e pelo menos o dobro de pessoas pressiona a entrada, o que faz com
que os portões sejam arrombados. A diretoria procura motivar os
jogadores, quitando parte dos quatro meses de salários que estão
atrasados. Tudo aponta para uma grande festa e uma bonita celebração
entre o time e sua torcida.
O modesto
time de Natal já mostra os dentes aos três minutos, quando
Marcelinho dribla Jorge Luís e cruza na cabeça de Ivan, ABC 1-0.
(Verdadeiramente) assustado, o Fluminense tenta atacar de forma
desordenada, mas as furadas e caneladas tiram um pouco do poderio da
equipe. O time carioca não passa do meio-campo, e só consegue
arrematar ao gol adversário aos 30'. Mas, pouco depois, o meia Luís
Fernando chuta, a bola desvia em alguém e engana Ronaldo. ABC 2-0. É
o bastante para que boa parte dos 40 mil torcedores resolvam deixar o
Maracanã e ainda aproveitar a praia, no que são seguidos pelo
próprio presidente tricolor, que na véspera afirmara ser essa
estreia “o primeiro passo rumo a Tóquio.”
O ponta
Serrinha, arma secreta lançada no segundo tempo, dá ao Fluminense
um choque de realidade. Atarracado, humilha o lateral tricolor com
dribles desmoralizantes e inferniza a defesa adversária. Tanto faz
que, aos 29', recebe bola na área, ajeita e fuzila. ABC 3-0.
Inteiramente aturdida com o chocolate, a torcida tricolor se enfurece
e urra “mercenários”, “terceira divisão”, entre outras
gentilezas. A derrota não é mais contundente porque o ABC ainda
desperdiça um pênalti. No fim, o time potiguar se empolga, tenta
jogar de balãozinho e acaba castigado com dois gols (um deles em um
pênalti inexistente), mas sustenta a vitória sem problemas, para
desespero dos últimos abnegados que deixam o estádio aos prantos e
gritos. Um repórter se aproxima de uma torcedora e tenta uma
entrevista, negada “Olhe pra meu estado. Agora, escreva o que
quiser.”
A
primeira medida do Fluminense após a derrota é tentar tirar o jogo
seguinte, contra o Juventus-SP, da Rua Javari. Não consegue. E
apanha de novo, seguindo o trajeto que irá conduzi-lo não a Tóquio,
mas à Série C.
1 –
FLUMINENSE 1-2 SERRA-ES, Brasileiro Série C 1999
Válida
pelo Quadrangular Final da Série C, a partida contra o Serra é
encarada como uma guerra pelo Fluminense de Parreira. “Não podemos
pensar em outro resultado, a não ser a vitória”. Já se chega à
terceira rodada (de seis), e o quadro ainda está embolado, todos os
times com chances de subir. O Maracanã recebe 15 mil desconfiados
torcedores. O Fluminense anuncia ter fechado a contratação do
atacante Joelson, principal nome do Serra, numa óbvia tática de
guerrilha. Não adianta muito, porque aos 31' o próprio Joelson, num
tiro cruzado, abre o marcador. A essa altura, o Serra já merece
mesmo a vitória, pois domina amplamente a partida. O Fluminense
reage, e ainda no primeiro tempo empata, com Yan cobrando um pênalti
(maroto), renovando as esperanças de seu torcedor.
Mas na
segunda etapa o tricolor volta disposto a impor seu melhor futebol. O
tricolor capixaba, naturalmente. Dominando inteiramente a partida, o
Serra começa a empilhar oportunidades, fazendo do goleiro Diogo o
melhor nome em campo até então. Nem mesmo a entrada de Roger no
lugar de Arinelson modifica o quadro e, aos 21', o volante Agnaldo
manda de longe e Diogo aceita um frangaço. Serra 2-1. O gol devasta
o já escasso equilíbrio carioca, Roger é expulso e o Serra apenas
espera o tempo passar, colocando o adversário na roda. No final,
Parreira se rende: “O Serra foi superior e nos envolveu. Mereceu o
resultado.” A vitória do Serra coloca o time capixaba na liderança
do quadrangular e o Fluminense dividindo o segundo lugar com o São
Raimundo, estando seriamente ameaçado de não subir, até porque
fará fora de casa dois dos três jogos restantes. Mas o STJD, sempre
solícito, tira pontos de Serra e São Raimundo (escalação
irregular de jogadores), facilitando consideravelmente o acesso do
clube à Série B (quer dizer, ahn, bem, deveria ser a B, né?)
BÔNUS –
O CAMPEONATO CARIOCA DE 1921
O ano de
1921 marca uma nova fase no futebol carioca, pois o campeonato é
reestruturado, com o objetivo de reduzir o número de equipes e
jogos, evitando o término tardio e as temidas partidas disputadas no
sufocante calor do verão. Assim, com sete times (ao invés dos dez anteriores), a competição não mais se arrasta até dezembro, encerrando-se em setembro. No entanto, apenas um aspecto não
muda, a hegemonia do Flamengo, que com vários jogadores de alto
nível conquista o bicampeonato, após uma grande final contra o
América (2-1).
No
entanto, ao final das doze rodadas, uma surpresa. O Fluminense, que
vive um momento turbulento, termina na sétima e ÚLTIMA colocação,
com apenas 8 pontos, a três do São Cristóvão, em uma campanha
onde viveu momentos não muito edificantes, como a goleada sofrida
para o Andaraí em pleno campo das Laranjeiras. Repetindo, para deixar claro. O Fluminense é o ÚLTIMO. Lanterna. É o campeonato principal, sem asterisco, sem cisões. Há segunda divisão. E é previsto rebaixamento.
Mas tudo
na vida se resolve. Um artifício camarada do regulamento prevê uma
insólita e inédita repescagem contra o campeão da Segunda Divisão,
para definir quem efetivamente fica na elite do futebol carioca.
Assim, o Fluminense sobrevive ao derrotar o Vila Isabel FC (não
confundir com a escola de samba) por 3-1, em um jogo tumultuado, e
evita o rebaixamento.
Como se
vê, a dívida vem de longe.