domingo, 19 de janeiro de 2014

Alfarrábios do Melo

Saudações flamengas a todos.

Aproveitando o início da temporada com o controvertido Campeonato Estadual, resolvi prestar uma homenagem aos nossos coirmãos, os três rivais com quem o Flamengo vem convivendo há várias e várias décadas. Acho válido.

Essa semana, abro a série com o Botafogo. O Botafogo de Cuca, de Sonja, o Botafogo que chora nas vitórias, nas derrotas, nos empates...

O torcedor do Botafogo é alguém que deveria merecer respeito. Porque não é fácil ser Botafogo. O botafoguense possui uma intimidade, uma familiaridade com a derrota, com o revés, que é algo que suscita estudos. O botafoguense fareja, pressente, vivencia e cultua a derrota, é especialista em desfiar o mais vasto e completo rosário de justificativas e explicações para seus insucessos, mesmo antes deles acontecerem. Qual Harry, a Hiena.

Seus ídolos remontam a décadas longínquas. O principal jogador de sua história torcia pelo Flamengo, rival odiado e tido como a fonte de todas as suas agruras. O botafoguense de raiz se interessa mais pela trajetória do Flamengo do que pela de seu próprio time, pois, estatisticamente, uma derrota flamenga é um evento possível, enquanto um fracasso alvinegro é algo provável.

Sim, o botafoguense merece respeito. Ahn, er... pensando bem...

Enfim, selecionei seis (acho esse número adequado para se referir às coisas do Botafogo) momentos marcantes, emblemáticos. Um brinde aos nossos lacrimosos.

6 – BOTAFOGO 0-4 JUVENTUDE, CAMPEONATO BRASILEIRO 2002
Na véspera da partida, o treinador Abel Braga, do Botafogo, foi taxativo: “Nosso time é brioso. Até pode ser derrotado, mas nunca por goleada”. Foi o presságio. Diante de um Maracanã gelado, com 5 mil torcedores, o Botafogo de Galeano, Rodrigão, Nenzão e Taílson foi engolido, mastigado, cuspido e pisoteado pelo Juventude de Caxias, já considerado favorito mesmo antes da partida. E bastaram 20 minutos para a abertura do marcador, quando o meia Marcelo chutou bola que desviou em Nenzão e enganou Carlos Germano. Depois de algum equilíbrio, só alegria. Teve gol debaixo das pernas de Carlos Germano, deve drible da vaca em Carlos Germano, teve jogador saindo sozinho com a bola de sua defesa, atravessando o campo todo e metendo gol, teve voltinha, balãozinho, driblinho, teve de tudo. Até o olé no final do jogo. O Botafogo encerraria a temporada rebaixado para a Segunda Divisão, na 26ª e última colocação.

5 – BOTAFOGO 0-4 SÃO PAULO, CAMPEONATO BRASILEIRO 1993
O Botafogo havia montado um dos piores times de sua história, com luminares como Eliel, Eliomar, Regilson, Marcio Caruaru (o Gullit do Sertão) e o desengonçado artilheiro Sinval. Paradoxalmente, havia conquistado a Copa Conmebol, ao derrotar nos pênaltis o Peñarol-URU no Maracanã. Exatamente por isso, sua diretoria estava em festa, e nem a lanterna do Campeonato Brasileiro lhe tirava a motivação para promover o “tira-teima” contra o São Paulo de Telê (campeão da Libertadores), no Maracanã.
O treinador Carlos Alberto Torres, talvez contaminado pelo excesso de otimismo (a má campanha no Brasileiro é ilusória, estávamos priorizando a Mercosul), escalou um time ofensivo, de peito aberto.
Desconfiada, a torcida botafoguense ficou em casa, decisão que se mostrou acertada. Pois os 5 mil abnegados que se dispuseram a encarar o sol forte de domingo viram um show de Cerezo, Palhinha, Juninho e do ex-botafoguense Valdeir, que entraram como quiseram na defesa do Botafogo, marcando e perdendo gols de todas as formas possíveis. Poderia ter sido de sete ou oito, mas o goleiro William, que pegou até pênalti, estava inspirado. Ao final da partida, os cronistas sintetizaram com cortante precisão o que foi o jogo. “O camisa 8 do São Paulo é o Cerezo. O do Botafogo, o Suélio. Não precisa analisar mais nada.”

4 – BOTAFOGO 1-2 AMERICANO, CAMPEONATO ESTADUAL 2005
A torcida do Botafogo, fora do seu padrão habitual, se mostrava animada e confiante. Afinal, os três rivais estavam fora das Finais da Taça Guanabara e, para conquistar o troféu, o alvinegro teria que medir forças com Americano, Volta Redonda e Cabofriense. Eufóricos, os botafoguenses colocaram 70 mil pagantes no Maracanã para a Semifinal, contra o Americano. Os sinais, sempre os sinais...
O Botafogo, que já possuía alguns nomes como Jefferson, Juninho (zagueiro) e Túlio (não o atacante), além de Caio, César Prates e Alex Alves, criou inúmeras oportunidades e começou a empilhar gols perdidos. Tensa, a torcida pressentiu o pior, que veio com o gol de Marcos Antonio, após um come desmoralizante em um zagueiro e um tiro seco deslocando Jefferson. Na segunda etapa, após mais um rosário de gols perdidos, o alvinegro enfim chegou ao empate, a 10 minutos do fim, em um pênalti meio mandrake. Mas, logo após a saída de bola, enquanto a torcida ainda festejava, uma cabeçada de Washington selou o destino botafoguense rumo à vala. Após o jogo, a justificativa do mico foi a de sempre. A arbitragem.

3 – RIVER PLATE-ARG 4-2 BOTAFOGO, COPA SUL-AMERICANA 2007
O vibrante Botafogo de Dodô, Lúcio Flávio e Cuca sonhava em conquistar o Brasileiro e a Sul-Americana. Mas na competição nacional o devaneio já fazia água, de forma que o time ainda se apegava à competição continental. Uma vitória por 1-0 contra o River Plate no jogo de ida deixou encaminhada a vaga para as Quartas-de-Final, reforçada quando o time abriu o placar no Monumental de Nuñez, com um gol de Lúcio Flávio. Pouco depois o River empatou, mas no início da segunda etapa Dodô marcou 2-1, obrigando os “hermanos” a conseguirem três gols para conseguir a vaga. A tarefa botafoguense se tornou mais fácil quando o River Plate se viu em campo com 9 jogadores (Zé Roberto também foi expulso). Mesmo assim, o River foi à frente no desespero, fustigando a meta de Max, que começou a operar milagres e a fechar o gol (o primeiro presságio). Nos contragolpes, Dodô colecionava gols perdidos (outro sinal...). Até que, a 15 minutos do fim, Falcao Garcia mandou um chute de longe, e Max aceitou um gordo frango. Era o empate, que encheu os argentinos de brios. Ortega virou o jogo e, aos 47 minutos, novamente Falcao Garcia (o heroi com três gols) marcou, de cabeça, o gol que eliminou o Botafogo e levou sua torcida às lágrimas. As consequências: a demissão de Cuca, a contratação de Mário Sérgio, a demissão de Mário Sérgio e a recontratação de Cuca. Tudo muito profissional e moderno.

2 – CORI-SABBÁ-PI 1-0 BOTAFOGO, COPA DO BRASIL 1996
O Botafogo de Túlio, Gonçalves e Gotardo, inebriado pela recente conquista do Brasileiro no ano anterior, vinha de um calendário apertado, e tinha a intenção de passar logo da Primeira Fase da Copa do Brasil com uma goleada, evitando o jogo de volta. Mas o Cori-Sabbá de Paulo Peixe, Filinho e Dilvan tinha outros planos. Diante de 10 mil espectadores no Estádio Alberto Silva, em Teresina, os piauienses se encheram de brios e, atuando na bicuda e nos contragolpes, neutralizaram a empáfia dos alvinegros de General Severiano. Quando tudo parecia caminhar para o empate, Bitonho deu o tiro de misericórdia e selou a merecida vitória do Cori-Sabbá, iniciando uma festa que varou a madrugada na cidade de Floriano-PI, sede da modesta agremiação. “Foi algo surreal, transcendental, inexplicável”, diria o treinador Marinho Perez ao final da partida. Mas o gol e o sorriso de Bitonho soavam bem concretos.

1 – BOTAFOGO 2-3 SANTA CRUZ, COPA DO BRASIL 2010
Passar pelo Santa Cruz, atolado na maior crise de sua história e perdido na Série D do Brasileiro, não parecia tarefa complicada para o Botafogo, ainda mais após a vitória em Recife (1-0). Sustentar um empate em pleno Engenhão vazio não parecia algo complexo. No entanto, o time pernambucano, jogando com valentia e determinação, mostrou ter entrado em campo para disputar um campeonato, enquanto os comandados de Joel Santana estavam em clima de amistoso. O personagem foi Jefferson, que fez defesas tão espetaculares quanto os frangos que andou aceitando. O gol heroico do Santa Cruz foi marcado apenas aos 45 da segunda etapa, mas a justa derrota botafoguense não foi mais contundente porque os pernambucanos perderam várias chances, inclusive um pênalti. Ao final da partida, todas as honrarias foram destinadas ao atacante Brasão, que desmontou o festejado (pela imprensa carioca) sistema defensivo do Botafogo do Papai Joel.

* * *

E, para finalizar, não poderia faltar a Masterpiece. Boa semana a todos.