Depois da conquista da Copa do Brasil, o balanço e as finanças do Flamengo são relevantes para observarmos como será 2014, sem grandes ilusões, mas com esperança.
Agradeço ao Jorge Farah e ao Walter Monteiro pela gentileza.
Em agosto, nós tivemos a chance de publicar, aqui no Magia Rubro-Negra, uma análise das demonstrações financeiras do Flamengo, uma iniciativa inédita, já que a prática no clube (e também nos seus rivais) é só tornar público aquilo que a lei obriga, ou seja, a divulgação do balanço anual, de preferência sem alarde. Pois, foi com um misto de orgulho e surpresa que nos dedicamos àquela tarefa, porque nossa independência na análise dos fatos do clube sugeria que o nosso estudo poderia conter críticas desconfortáveis.
Durante duas semanas dialogamos com o Financeiro do clube e publicamos nosso artigo do jeito que achávamos que deveria sair, ou seja, elogiando onde concluímos que os louros eram merecidos, criticando com a ênfase necessária quando julgamos que a censura era cabível.
Assim, achamos que nunca mais seríamos convidados a fazer semelhante trabalho. Afinal, não deve ser fácil ouvir algo como "frustrante descobrir que depois de tanto sacrifício, os gastos com a folha continuam incompatíveis com o rendimento esportivo" e ainda convidar de novo essa dupla azeda para seguir adiante com a análise.
Pois não é que fomos chamados de novo?
Isso nos faz repensar até alguns comentários a respeito da direção atual do clube, frequentemente apontada como uma trupe arrogante que não gosta de ouvir críticas. Ao contrário, parece que se essas críticas forem fundamentadas e concretas seriam até bem vindas.
E o 3º trimestre financeiro do clube confirma as hipóteses que sugerimos na análise anterior: o clube parece realmente firme a trilhar seu caminho pela rota certa da sustentabilidade financeira, uma política não muito em voga na indústria do futebol.
No artigo anterior, lembramos a analogia da dieta. Não é de uma hora para outra que se sai da obesidade mórbida para um corpo sarado. Pois, essa ilustração continua a fazer sentido.
Quem está em busca de uma estética apolínea, precisa, basicamente, comer menos, sendo indispensável se exercitar mais. Um clube à beira do abismo financeiro deve seguir o mesmo raciocínio. É necessário reduzir as despesas, mas também precisa arrecadar mais. E isso não tem sido inteiramente compreendido por uma parcela da Nação.Quem sabe a análise fria dos números possa facilitar tal compreensão? Vamos a ela, portanto.
O crescimento da receita do Flamengo é evidente. O clube faturou cerca de R$ 36 milhões a mais esse ano. Só esse crescimento representa mais de três meses das despesas de pessoal.
Por mais que isso desagrade a uma imensa parcela que sustenta que o Flamengo deve seguir cobrando ingressos baratos, a maior explicação para esse aumento vem da arquibancada: o clube conseguiu faturar quase R$ 20 milhões com a venda de ingressos. Isso é simplesmente 150% a mais do que no ano anterior! Só de julho a setembro, a arrecadação foi de praticamente R$ 18 milhões.
Além disso, mais de R$ 4 milhões vieram do programa de Sócio Torcedor, com apenas 6 meses de vida. A força da torcida colocou nos cofres do Flamengo uns R$ 25 milhões adicionais, que não existiam em 2012. Um espetáculo essa Nação. E o Flamengo pode estar inaugurando um círculo virtuoso - mais dinheiro significa mais investimentos, com melhores resultados e mais gente se sentindo estimulada a ir aos jogos e contribuir.
As receitas de Marketing também melhoraram bastante. Foram R$ 13 milhões a mais. O faturamento total só não aumentou mais porque o clube segue arrecadando muito pouco com a venda de atletas: apenas R$ 4 milhões, contra R$ 11 milhões em 2012. É a história do copo meio cheio ou meio vazio: há quem ache que é melhor reter os atletas para uma venda mais lucrativa, há quem acredite que esse item precisa ser mais expressivo.
Os números deixam clara a importância da bilheteria na composição de receitas do clube. Olhando para eles, dá para compreender melhor a decisão de majorar os preços dos ingressos na final da Copa do Brasil. É uma oportunidade rara de compensar as perdas de bilheteria nos jogos de menor apelo no Brasileirão e sobretudo no Carioca do ano que vem. Afinal, será preciso bancar as despesas por algum tempo sem perspectivas de novos ingressos significativos.
Aqui mantemos a nossa crítica anterior. O clube continua sem individualizar as despesas do futebol, divulgando o gasto de pessoal de forma unificada. A alegação, de ordem técnica, é de que o balanço de 2012, ainda em revisão, adotou o mesmo critério.
O chato é que com isso não dá para estimar uma das maiores inquietudes da torcida: afinal, quanto o clube gasta com seu time?
Mesmo sem essa resposta conclusiva, os gastos totais de pessoal, incluindo os celetistas e o direito de imagem (mas excluindo os serviços profissionais de Pessoas Jurídicas, que podem ou não estarem ligados à "folha"), ultrapassam a ordem de R$ 9 milhões mensais, ainda maior do que no ano passado. Ou seja, ao contrário da percepção generalizada, os gastos de pessoal não estão diminuindo. E ainda seguem altos, principalmente em um clube de poucas estrelas. Saber gastar, especialmente no carro chefe, será vital para que o ciclo seja realmente virtuoso.
Uma pequena melhora: a conta dos adiantamentos de receitas (Receitas a Realizar) está estagnada (crescimento mínimo, abaixo da inflação). Isso revela que o Flamengo ao menos parou de gastar hoje o dinheiro que só vai receber no futuro. Ocorreram adiantamentos (especialmente da adidas - adiantamento de contratos), mas em menor proporção do que em um passado recente (linha de total).
Uma grande notícia: o déficit operacional está caindo de forma acelerada, graças ao aumento de receita. Se o Flamengo seguir arrecadando forte no último trimestre, pode até terminar o ano de forma equilibrada, ou seja, precisando lidar com os enormes problemas herdados, mas sem gerar novos rombos para a frente.
Não custa lembrar que a realidade contábil não é exatamente a mesma da realidade do caixa. Em outras palavras, atingir o superávit no balanço não vai significar dinheiro sobrando no cofre, porque boa parte das receitas lançadas nesse ano na prática já foi consumida por conta dos famigerados adiantamentos, mas entram nesse demonstrativo. O Flamengo pode ter "lucro" no balanço e ainda assim faltar dinheiro.
De qualquer modo, é um tremendo indicativo de saúde financeira e aponta que no médio prazo o clube pode, sim, passar a ter lucro de verdade e dinheiro sobrando. Quem diria...
Já que falamos em heranças malditas, assusta muito o valor que o Flamengo deve a credores privados. Tem mais de R$ 80 milhões registrados para serem pagos por força de ações cíveis. As demonstrações financeiras não explicitam os detalhes dessa contingência, mas sabe-se que grande parte dela é oriunda do caso do Shopping que seria construído na Gávea, em troca da contratação de Edmundo, em 1995. O preço de escolhas equivocadas às vezes pode ser muito alto e de longuíssima repercussão.
Assim como o time, as finanças do Flamengo tiveram um terceiro trimestre bem melhor que os dois primeiros. Há ainda bastante espaço para melhorar, principalmente no que se refere à qualidade do gasto de pessoal, que continua alto. Esse é um trade-off que o Flamengo vai ter que lidar em 2014: ou reduz para valer as despesas de pessoal, montando um elenco mais barato (com todos os riscos inerentes ao desempenho esportivo), ou melhora muito o perfil de suas compras (investindo em contratações com melhor relação de custo/benefício). A bola está com o Departamento de Futebol. Um bom planejamento, que envolve a montagem de elenco, será vital no equilibro dessa equação.
A parte chata é que o clube passou o ano de 2013 vendendo para a torcida o discurso de que era necessário se contentar com o que tínhamos agora por conta da economia indispensável, mas em 2014 tudo iria melhorar. Pois a nossa visão ao analisar os números públicos caminha na direção contrária: se o clube quer seguir firme no propósito de conquistar uma saúde financeira duradoura, o aperto em 2014 talvez precise até ser maior, a menos que surjam receitas novas - afinal, a parcela devida ao Fisco vai aumentar e pressionar ainda mais os gastos mensais. Será preciso que a Diretoria tenha criatividade suficiente fazer "mais com menos".
Mas se alguém ainda acreditava que, depois de anos sofrendo com uma demolição lenta e duradoura de suas contas, o Flamengo poderia mais cedo ou mais tarde sucumbir, lamentamos informar: perdeu, playboy! O Flamengo está botando a pipa no ar. Tomara que o céu seja o limite.
Magia Neles,Mengo!
Jorge E F Farah (JEFF) & Walter Monteiro
FLAMENGO
HIC
ET
UBIQUE!