Saudações
flamengas a todos.
Outro dia
vinha caminhando em um shopping-center, quando me deparei com um quiosque onde
eram comercializadas camisas retrô e outros artigos alusivos ao futebol. Um
desses artigos me chamou especial atenção, tratava-se de um livro cujo título
se propunha a narrar a “trajetória do Fluminense campeão do mundo de 1952”, ou
algo do tipo. Vivamente surpreso, vasculhei os recônditos mais escuros da minha
memória e surgiu um estalo súbito, “ah, deve ser o aviãozinho da camisa”. De
qualquer forma, percebendo que a desfaçatez tricolete fez o delírio crescer a
ponto de se publicar livro, resolvi tecer algumas considerações sobre mais essa
farsa revisionista que pode iludir alguns incautos. Boa leitura.
A FALÁCIA DA COPA RIO DE 1952
O
MITO
O
Fluminense disputou e venceu a Copa Rio de 1952. A Copa Rio teve a participação
de vários campeões da Europa e da América do Sul. Não havia Mundial Interclubes
na época. Então, o título de 1952 pode ser equiparado a um Mundial. E o Fluzão
é campeão do mundo, eô, eô!
OS
FATOS
Até
que a ideia não era má. Trazer os principais campeões europeus e sul-americanos
para a disputa de um torneio internacional. E, em um primeiro momento, até foi
possível organizar um torneio interessante, em 1951, quando o Palmeiras
derrotou a Juventus-ITA em uma final no Maracanã para 100 mil torcedores. A
edição de 1951, apesar de não conseguir reunir todos os principais campeões
nacionais (a própria Juventus, por exemplo, entrou no lugar do Milan, que não
quis participar do torneio), foi um sucesso absoluto de público, o que motivou
a realização de outra etapa, em 1953.
No
entanto, o Fluminense festejava seu 50º aniversário em 1952. E propôs à CBD a
antecipação do torneio em um ano, o que foi aceito, com a condição de que o
clube das Laranjeiras ficasse a cargo de sua organização.
E
assim se fez. Oito clubes, quatro europeus, quatro sul-americanos, disputa em
junho e julho, para facilitar o calendário, jogos no Rio e em São Paulo.
Mas
aconteceu um “pequeno probleminha”. É que NINGUÉM queria vir.
Fixou-se
que o Brasil seria representado pelos seus campeões carioca e paulista
(Fluminense e Corinthians, respectivamente), embora já se disputasse na época o
Torneio Rio-SP, o principal torneio interestadual do país, cujo atual campeão
era a Portuguesa e o vice, o Vasco.
O
campeão uruguaio, o Peñarol, aceitou o convite e confirmou participação. Mas o
Racing, campeão argentino, recusou alegando que iria disputar amistosos contra
equipes europeias em seu território, no que foi seguido por outros argentinos.
Recorreu-se ao campeão colombiano, o Millonarios, que possuía uma equipe forte,
mas o clube também declinou, pois iria disputar um torneio internacional na Venezuela,
sabe como é, motivo de força maior. Rodou-se para lá, rodopiou-se para cá, e
depois de certo desassossego enfim se conseguiu confirmar o último
representante sul-americano, o Libertad, QUARTO colocado no Paraguai.
Com
os europeus não foi muito diferente.
Procurou-se
o campeão italiano, agora a Juventus. Recusou, pois iria disputar a Copa Latina
(torneio com campeões europeus disputado na mesma época da Copa Rio).
Recorreu-se a Milan e Internazionale, vice e terceiro. Recusaram. Desistiu-se
de representante italiano. Então, vamos ver na Espanha. O campeão Barcelona não
quis vir, também estaria na Copa Latina. O vice, Real Madrid, também estaria na
Venezuela para o animado torneio internacional de lá.
Espanha
fora, tentou-se a França. O Nice, campeão francês, também agradeceu mas avisou
que estaria na Copa Latina. Alemanha, convidou-se Stuttgart e Nuremberg, que,
não muito entusiasmados, alegaram que uma lei local impedia viagens de clubes ao
exterior. Mas o Saarbrucken, vice-campeão de uma das ligas regionais, acabou
aceitando o convite e se tornou o primeiro europeu confirmado.
Inglaterra,
chamou-se o campeão da FA Cup, o Newcastle, que recusou por não enxergar
representatividade no torneio. Igual resposta obtida do Hibernian,
representante escocês. No entanto, a sorte começou a virar quando o Sporting,
campeão português, aceitou conciliar a disputa da Copa Latina europeia com a
Copa Rio. Foi assim designado o segundo representante europeu.
Após
mais alguns convites e recusas, e diante da perspectiva de um retumbante
fracasso, a relação de europeus foi completada com a presença do Grasshoppers,
campeão da Suíça, e do Austria Viena, campeão austríaco da temporada anterior
(o campeonato austríaco ainda se encontrava em andamento na época do convite).
Ou
seja, os participantes do torneio foram confirmados: Fluminense (campeão
carioca), Corinthians (campeão paulista), Peñarol (campeão uruguaio), Libertad
(quarto colocado paraguaio), Sporting (campeão português), Saarbrucken
(vice-campeão de uma Liga Regional alemã), Grasshoppers (campeão suíço) e
Austria Viena (campeão austríaco).
A lista
de participantes foi recebida com frieza pela imprensa, que destacou que, dos
oito clubes, apenas o Peñarol possuía alguma projeção internacional. Por
exemplo, o Sporting português havia sido o último colocado da prestigiada Copa
Latina.
E assim
se fez. O público, sempre capaz de perceber quando lhe oferecem “gato por lebre”,
fugiu dos estádios e proporcionou arrecadações fracas. Por exemplo, o
empolgante duelo entre o Fluminense e o campeão suíço levou 10 mil pagantes ao
Maracanã.
Ademais,
o Peñarol, único participante detentor de algum prestígio e favorito ao título,
resolveu abandonar a competição nas semifinais, após seu time ter sido
literalmente espancado pela torcida corintiana no Pacaembu, numa partida onde
se quebrou a perna de um fotógrafo, o árbitro saiu ferido e o ônibus dos
uruguaios destruído pelas pedradas dos paulistas. O time uruguaio abandonou a
competição antes da disputa da segunda partida semifinal, contra os corintianos.
Na
decisão, o Fluminense derrotou o Corinthians no Maracanã, diante de 60 mil
torcedores. Ou seja, colocou no estádio menos torcedores que o Palmeiras,
equipe de outro estado, fizera no ano anterior.
Assim,
após conquistar um torneio onde duelaram com equipes do quilate do campeão da
Suíça, da Áustria e do quarto colocado do Paraguai, os guerreiros do tapete
resolveram se auto-intitular “campeões do mundo”, aos gritinhos, batendo
pezinho.
Mas o
Real Madrid conquistou a “Pequena Taça do Mundo”, o tal torneio venezuelano (nome
sugestivo, aliás) em 1952, que contava com equipes europeias e sul-americanas
(aliás, o Botafogo foi o vice). Seria o Real Madrid o campeão mundial de 1952,
então? Mas o Barcelona conquistou a Copa Latina, que contava com o campeão
italiano, espanhol, português e francês. Seria o Barça o campeão europeu? Mas o
campeão europeu não deveria estar em um desses torneios “mundiais”?
O
Atlético-MG andou fazendo uma excursão vitoriosa na Europa lá pelos anos 1950, derrotou
vários times alemães, belgas, austríacos. Denomina-se “campeão do gelo” por
conta disso. Seria o campeão do gelo um campeão mundial? E o Santa Cruz Fita
Azul dos anos 70? E o Madureira, que apavorou em Cuba?
A
CONCLUSÃO
A
conclusão me parece simples. As glórias de clubes verdadeiramente grandes se
explicam por si sozinhas, sem asteriscos, sem teses mirabolantes. Clubes
inexpressivos, de relevância menor, buscam acrobacias e cambalhotas para forjar
uma história que jamais protagonizaram. São especialistas no “pode ser”, “considera-se”, "veja bem", querem ser campeões na caneta.
Porque no
campo, jamais o serão.
O
tricolor busca se iludir com a Copa Rio, que foi pouco mais do que um dos
vários torneios que se disputavam aos cachos nos anos 50 a 70 (aliás, o Flamengo ganhou vááááááários...). Com a falácia da
tal Copa Rio, tenta escamotear a sua absoluta inexpressividade e irrelevância
internacional, a despeito de sua secular história. Invocam a Copa Rio.
Mas o que lhes melhor ilustra é o Deportivo Italia.
Com as festas de fim de ano, os Alfarrábios
entrarão em recesso. Retornarei em 12 de janeiro. Boas festas a todos, e que em
2014 o Flamengo siga conquistando títulos. No campo, como sempre fez.