2013, agosto.
O
Flamengo vem de levar uma traulitada daquele árbitro careca lá em Salvador, que
graciosamente devolveu a um Atlético-MG de ressaca, não interessa, a galinha
pagou o pato. Mas essa ciranda de dar e receber vitórias contundentes assusta e
preocupa, o time não engrena, metade de baixo da tabela, rebaixamento que é
mais medo que risco, mas não. Ninguém está contente. Ok, primeiro ano, há certa
paciência. E esperança, é o que nos resta.
Nisso, o
sorteio.
Torcemos
para um Salgueiro, um Luverdense. Só prosperaremos diante de times mais fracos,
vaticinam. Qualquer time da Série A que cair pra gente no sorteio é favorito,
cravam. Não, se quisermos ter um gostinho de sonho com essa Copa do Brasil,
tem que vir um time desses de interior.
Caem as
bolinhas.
Estupefação.
Incredulidade. Inconformismo. Os luverdenses e chapetubas da vida vão sendo
graciosamente encaminhados para Corinthians, Inter, pra qualquer um. Ao
Flamengo aparece o Cruzeiro, o super Cruzeiro, o mágico Cruzeiro, o genial,
espetacular, futebol arte, ataque devastador, o Cruzeiro líder do Brasileiro.
Gritos,
xingamentos, cadeiras quebradas.
Praguejam,
“se acontece o milagre de tirar o Cruzeiro, ainda vem o Seedorf ou o campeão da
Libertadores, não vai ter jeito.”, “se é pra ser eliminado, melhor perder logo
pro Cruzeiro do que pra um rival”, “bota logo os reservas na Copa do Brasil e
foca na luta do rebaixamento”, “o mega-super ataque do Cruzeiro vai deitar na
nossa zaga”, “o mito Dedé vai mastigar nosso ataque débil.”
E as
lamúrias vão se empilhando, quase catárticas, expelindo três anos de
humilhações, desilusões e desencanto. Discursos coalhados de palavras bonitas tentam
exortar o momento difícil, a necessidade de paciência, de abdicar, num primeiro
momento, da ancestral ânsia flamenga por conquistas.
“O
Cruzeiro deu azar.”
Foi um
pipoco. Um tapa na cara. Saiu assim, do nada.
A pequena
frase, de uma inconsequência quase divinal, soou como um chamado. Uma lembrança
do que fomos, somos e seremos. Um velado caráter de esporro, que nos chamou à
luta. Chega de nhé. Flamengo, porra.
Sim, o
Cruzeiro deu azar. Como qualquer um que esbarrasse com o Flamengo.
Respeitamos
a todos, mas todos nos temem. Porque somos e nos sabemos superiores. Sabemos
que um Flamengo forte, unido e mobilizado não é vencido. A questão é nos
fecharmos. Quando isso acontece, adiós pros outros.
O clube
está uma bagunça, o time não presta, fora fulano, fora beltrano, não
contrataram ninguém, só veio porcaria de balaio, até quando isso de
rebaixamento, treinador é trocado como roupa, os “líderes” foram enxotados, tá
tudo errado, não adianta, assim não vai dar certo.
Mas o
Cruzeiro deu azar.
E não vai
demorar a perceber. Pinta o Mineirão de azul, traz sua gente barulhenta, começa
sufocando, imprensando, impondo seu futebol declamado e aclamado, abre dois,
podia ser quatro ou cinco. E o punhado flamengo, valente mas aparentemente
impotente, vai tentando estocar. Numa dessas, gol. Gol em cima do tal Dedé,
cliente antigo. Pronto. Não tem Mineirão, não há multidão azul. É um Flamengo
cheio de garotos e reservas que aluga o meio, administra a bola, silencia e
intimida o super-favorito. Podia ter empatado, mas não precisou. A coisa vai pro
Maracanã. Ou seja...
Sim, o
Cruzeiro rodará, pela palavra do profeta. Depois disso, as travessuras do destino acabarão proporcionando
o ambiente ideal para que todos os elementos necessários se reúnam e daí se
irrompa um Flamengo forte, protagonista, campeão. E aí os melhores times do
país, ou ao menos os considerados como tal, irão, em filinha e bem
disciplinados, receber do Mengão o seu toddynho na orelha. O Flamengo voltará a
ser referência, assunto, fonte de admiração e fortes elogios. Os paus de
vassoura de repente serão cobiçados, exaltados. Ressuscitarão. Porque
flamengos.
Mas a
marca maior de mais uma conquista desse Flamengo de raiz terá sido aquela prosaica
frase, lá atrás, no meio do vento.
O
Cruzeiro deu azar.