sábado, 16 de novembro de 2013

O Chupa-Kabra que virou Coxinha – Uma Epopeia

Prólogo

Num momento em que a adesão ao programa Nação Rubro-Negra está surpreendendo os mais otimistas, as vendas de ingressos estão a uma velocidade assustadora, quando se comprova que a verdadeira Nação abraçou o Flamengo e está prestes a proporcionar uma das maiores arrecadações da história... bem nesse momento testemunhamos um dos golpes mais baixos de que se tem notícia. Que tal covardia não faça esmorecer nossos líderes e que a caminhada no sentido de fidelização dos torcedores seja constante. Somos a prova de o mercado comporta isso. Nos deram a prioridade de compra, pagamos por isso. Temos nosso produto, o Flamengo tem suas receitas. Que assim seja, sempre.

Primeiro Ato: Flamengo x Goiás, 2009.

Minha primeira experiência no Maracanã foi no jogo contra o Goiás em 2009, o jogo do mosaico. Vivia em Vitória-ES, e fui de excursão em ônibus convencional. Saímos 23h00, passamos a noite cantando, chegamos ao Rio ao amanhecer. O ônibus foi direto para a Gávea, onde havia um mar de outros ônibus vindos de vários lugares do Brasil: SP, MG, BA, ES, PR... Um turbilhão de gente tentando entrar no clube, achei mais prudente ir para a Cobal, no Botequim Bate-Papo, e ali passar calmamente a manhã tomando a cerveja que seria proibida no estádio. Antes de ir ao estádio, uma precaução. In Rome do as the Romans do: no Rio, disfarce-se de carioca.  Fácil.  Só colocar bermuda sem marca, chinelos havaianas e camiseta do Flamengo.  Rá, quem poderia dizer que não sou carioca??? Fui assim pro Maracanã.  Acho que era o único.  Caipira é caipira e vice-versa.  Levei uns 1.539 pisões nos pés, e ainda bem que não saiu briga perto de mim, porque ia ser osso correr com chinelos molhados de suor, cerveja e outros líquidos menos agradáveis ao olfato. Falando em olfato, descobri que se fuma maconha no estádio.  Muito. Nunca havia pensado a respeito, mas se me perguntassem antes eu apostaria que não, não se fuma ganja no estádio.  Apostaria e perderia. Fiquei no meio da Raça, em pé o jogo todo.  Foi uma experiência extraordinária, embora o zero-a-zero tenha sido um balde de água fria no entusiasmo. Ao final da partida, de noite, entramos no ônibus novamente para outra noite na estrada, exaustos. Chegamos em Vitória pela manhã, 40 horas sem banho ou troca de roupa. Tudo ao custo de R$300. Apenas lembrando, valores de 2009! Ao chegar em casa foi impossível não me questionar se realmente aquilo tinha valido a pena.

Segundo Ato: Flamengo x Grêmio, 2009.

No clima de DCF total, com aquela certeza de que não haveria como deixar escapar esse tão sonhado título, fui para o desespero atrás de uma vaga em uma das dezenas de excursões que sairiam de Vitória para o jogo final. A procura, como era de se esperar, era imensa. Só consegui uma vaga em pacote com ingresso para as cadeiras inferiores, antiga geral. Por R$600. Comprei dois pacotes, um para minha esposa também. E lá fomos nós, outra vez, de ônibus, saindo de noite e chegando ao Rio de manhã. Novamente Cobal, Botequim Bate-Papo, matéria do Sportv sobre a torcida, cerveja, almoço e Maracanã. Na fila, ingressos falsos. Gente forçando as roletas. Filas desfeitas, alvoroço. Grade sendo fechada para impedir a invasão. Torcedores de dentro do estádio içando com bandeiras torcedores que estavam no tumulto, polícia chegando, cacetetes e balas de borracha. Gente sangrando ao meu lado. Um casal com um filho aniversariante de 8 anos que estava na excursão conosco desistiu e saiu dali. Olhei para minha esposa, um olhar de “isso não vale a pena, nossa integridade é mais importante”. Juntos com o outro casal caminhamos em silêncio, sem saber direito o que fazer ou para onde ir enquanto ouvíamos a torcida cantando de dentro do Maracanã. Chegamos em Vila Isabel, num bar cheio de TVs, onde assistimos o jogo até o gol do Angelim. Resolvemos voltar ao estádio, eu e minha esposa nos separamos do outro casal e conseguimos entrar a tempo de ver a volta olímpica e a festa do título. Na volta, dentro do ônibus aquele pai que assistiu o jogo conosco chorava sem parar. Ele havia feito a viagem a pedido do filho, que pediu como presente de aniversário assistir o jogo no Maracanã. Presente que o pai não pode dar por haver optado pela segurança. O choro era de vergonha do filho, por não saber como explicar o que havia acontecido. Chegamos em Vitória ao amanhecer. Ao chegar em casa, uma certeza: passar por aquilo não valia a pena.

Terceiro Ato: Sport x Flamengo, 2012.

Já morando em João Pessoa-PB, eu e um grande amigo flamenguista decidimos assistir a estreia do Flamengo de Ronaldinho Gaúcho e Vagner Love no Brasileirão de 2012. Antes de sair, o combinado: ele dirige os 120 km até Recife na ida, e eu na volta. E antes de sair, fora do combinado, a trairagem: caixa térmica com Brahmas, salaminho, queijo, castanhas e uva. Tampa do porta-luvas aberta vira uma mesa espetacular. Motorista já desconfiado de que o combinado já tinha ido por água abaixo, se resignou a dirigir ida e volta. Na chegada, sem conhecer direito, acabamos entrando pelo clube social. Ao lado da piscina, barzinho com final da Champions League e chope Brahma. A poucos metros do bar, a entrada do estádio exclusiva para sócios. Por ali entramos, no meio da torcida do Sport. Sentamos a poucos metros do campo, sem confusão, sem filas, sem empurra-empurra, sem polícia nem ladrão. Crianças que estavam na piscina do clube ainda molhadas entrando com seus pais para torcer por seu time. Ambiente de paz, familiar. O único inconveniente, evidentemente, era estar no meio da torcida adversária. Mas com todo o conforto. Nos fizemos passar por turistas, vibramos com punhos cerrados discretamente no gol de empate, e tudo saiu perfeitamente bem. Findo o jogo, saímos em paz, pegamos a estrada e em poucas horas estávamos em casa. Que diferença ser tratado como cliente que paga por um serviço. Me deu uma ponta de inveja dos sócios do Sport. Sonhei com o dia que chegaríamos nesse patamar. Essa experiência sim valeu a pena, apesar dos protestos do motorista na volta levando o zé bebim aqui feliz para casa. Aqui germinava o embrião de um coxinha...

Quarto Ato: Náutico x Flamengo, 2012.

Relato pode ser lido aqui. Chamo a atenção para o fato de ter sido novamente uma experiência cansativa, com desrespeito da polícia, confusão na entrada e na saída, desconforto extremo e uma vez mais a convicção de que não, isso não vale a pena. Os detalhes estão no texto original.

Quinto Ato: Campinense x Flamengo, 2013.

Relato pode ser lido aqui. Primeiro jogo como sócio-torcedor. Ingresso foi cortesia, entregue pelo Nunes, entramos sem problemas, saímos sem problemas, muito em função da cordialidade reinante entre as torcidas. Mas a experiência de ser ST começava a engatinhar rumo àquela experiência encantadora da Ilha do Retiro.

Sexto Ato: Náutico x Flamengo, 2013.

Aquele grande amigo já havia se mudado de João Pessoa, e por falta de companhia fui sozinho ao jogo na Arena Pernambuco. Minha primeira experiência numa arena da Copa. Cheguei 1h30 antes do jogo, estacionamento pago no estádio, do lado da escada que leva às bilheterias, zero fila para comprar, zero fila para entrar, decidi ir na lateral inferior oposta às cabines de imprensa. Muito perto do campo, tudo limpo, tudo lindo, tudo confortável. A razão de não ir junto à torcida do Flamengo, desta vez, foi poder sair mais cedo do estádio para pegar a estrada antes de anoitecer. Torcida visitante só sai 1 hora após o final do jogo. A essa hora estava já entrando em João Pessoa. Foi uma experiência extremamente positiva, e me prometi que da próxima vez vou com a esposa. Fui tratado com respeito e cordialidade todo o tempo. Paguei por um serviço, um evento, e não pude me queixar de absolutamente nada. Exceto ter havido essa separação de torcida, de não poder sair todos ao mesmo tempo. Mas ainda chegaremos lá, tenho fé.

Sétimo Ato: Flamengo x Botafogo, 2013.

Já devidamente convencido de que pegar estrada por horas a fio, ou pegar um avião para atravessar o país é sacrifício suficiente, vesti a carapuça de coxinha. Ficar em pé o jogo todo é para poucos. Toda reverência aos que promovem e dão o espetáculo. Meu lugar é do outro lado de cá. Leste Inferior, seguindo a experiência muito positiva da Arena Pernambuco. Em time que está ganhando não se mexe. Depois de gastar ao redor de R$2 mil entre passagens aéreas, hotel, ingressos, alimentação, etc, a última coisa que quero é sofrimento. A experiência da compra do ingresso foi algo surreal para mim, conseguindo comprar por internet, carregar o ingresso no cartão de ST, sem filas, sem desconforto, outra vez sem polícia nem ladrão. O aquecimento nos arredores do Maracanã, o I ENBuF (Encontro Nacional do Buteco do Flamengo) com os companheiros Vinícius Halm e Luiz Mengão Eduardo, as cervejas e risadas durante a tarde, foram momentos inesquecíveis. Nem o desencontro com o Villa e Guilherme, embora lamentados, estragou a tarde. Entrei uma hora antes, sem problemas, sem confusão, tudo limpo, tudo organizado, tudo lindo demais. Para que se tenha uma ideia, aos 43 do primeiro tempo saí para ir ao banheiro antes das filas do intervalo. Fui, fiz, vi, venci, e estava de volta ao meu mesmíssimo lugar antes do final do primeiro tempo! No hall, telões e ar-condicionado. Algo inimaginável há alguns poucos anos. Para completar, o Mengão encantou numa noite que foi pura magia. Na madrugada, sanduíche de pernil e chope no Lamas, e curta caminhada para o hotel. Ah, a vida não pode ser muito melhor do que isso.



 Participantes do I ENBuF, em frente ao Chico’s.



Epílogo

Os torcedores são acima de tudo consumidores. Há os que fazem o carnaval, e os que assistem. Sem estes, aqueles não teriam tanta pompa. Os que fazem a festa no estádio, puxando os cantos, se dedicam a construir o espetáculo e são essenciais. Mas a norte sozinha, sem ninguém na sul, leste e oeste, seria um espetáculo pobre. Todos cantamos na Leste Inferior. Não puxamos, mas seguimos. Sentamos e levantamos a cada ataque. Vaiamos o namorado do RMP. Não deixamos as organizadas da norte sozinhas em nenhum momento, desde o conforto da minha Leste Inferior. O meu sacrifício se deu de outra forma, viajando 2.500 km para acompanhar o Mais Querido. E acho que fiz a minha parte. Fico feliz por ter a oportunidade de fazer isso sem abrir mão do conforto. Isso sim, vale a pena.

PS 1: Em virtude de uma cirurgia recente que exigirá um longo período de recuperação, não poderei comparecer à final, mas torcerei como louco pela TV.

PS 2: Menos de 48 horas após a cirurgia, teimosa e imprudentemente, contra toda e qualquer lógica, fui a um bar assistir ao infeliz espetáculo do Flamengo contra o SP na quarta. Coxinha, eu?


PS 3: Ocupo este nobre espaço hoje em virtude da violência presenciada pela nossa querida Unabomber Flamenina, a Leilinha, ou meramente BonitaBomber. Que os traumas, dores e cicatrizes, e sua decorrente ausência neste espaço, sejam breves.

CK

Nota da Administração: a nossa Leila Unabomber volta daqui a dois sábados.