Saudações
flamengas a todos.
Uma das
discussões mais recorrentes e acaloradas costuma se erguer em torno da montagem
de elenco, compra e venda de jogadores. Mas nem sempre receitas prontas são as
que se aplicam de todo. Por exemplo, o supertime de 1981 foi o resultado de um
trabalho duradouro e tal. Não sem turbulências, como quero mostrar no texto de
hoje. Boa leitura.
Raul – Em
permanente disputa de posição com Cantarele, não era raro figurar no banco de
reservas. Com isso, aumentavam as vozes favoráveis à sua negociação, por conta
de seu salário, idade e sua notória aversão aos treinamentos. No entanto,
quanto maior a pressão sobre o goleiro, mais ele crescia em campo. Como no
amistoso do início de 1980 contra o São Paulo no Morumbi, onde fechou o gol,
foi o melhor em campo e responsável pelo 0-0, recuperando a posição de titular
e riscando seu nome da lista de dispensáveis. Mais tarde, no final do ano,
entrou em negociação com o Grêmio, mas novamente fechou o gol em um amistoso
contra os próprios gremistas (0-0, entrega de faixas aos gaúchos) e o Flamengo
desistiu de negociá-lo. Em meados de 1981 (justo na época do jogo contra o
Atlético-MG no Serra Dourada), seu contrato venceu e Raul manifestou a intenção
de sair do clube, irritado com as queixas de Cantarele com a reserva. A muito
custo, a diretoria do Flamengo o convenceu a renovar o contrato e seguir
atuando na Gávea.
Leandro –
Sem espaço no início de 1980, pois o Flamengo contava com Toninho e Carlos
Alberto para a posição, foi negociado com o Internacional para disputar o
Brasileiro pelo colorado. Mas acabou reprovado nos exames médicos (problema no
joelho), e devolvido à Gávea. Nem mesmo a venda de Toninho, no segundo
semestre, melhorou seu status, pois o Flamengo efetivou Carlos Alberto e trouxe
Gilson Paulino, depois Nei Dias (após fracassar a contratação de Mauro, do Grêmio).
No entanto, ainda em 1980, uma atuação em um Fla-Flu pelo Estadual,
praticamente em seu jogo de estreia (foi o melhor em campo), assombrou a
comissão técnica, que percebeu estar diante de um jogador diferenciado. A
partida de Leandro nesse Fla-Flu (que terminou empatado, 2-2) foi tão
deslumbrante que o jogador não saiu mais do time e passou a ser um de seus
titulares absolutos.
Marinho –
Chegou ao Flamengo no início de 1980, trazido do Londrina-PR. Titular no
Brasileiro, perdeu a posição com a contratação de Luís Pereira para o Estadual.
Sem espaço, chegou a ter sua venda acertada com o Los Angeles Aztecs-EUA (time
dirigido por Coutinho) no início de 1981, mas não acertou as bases salariais e
acabou retornando ao Flamengo. Recuperou a posição e consolidou-se de vez com a
saída de Luís Pereira (trocado com o Palmeiras por Baroninho) após o fiasco no
Brasileiro.
Mozer – O
titular da Seleção Brasileira de Novos (algo como uma seleção olímpica) campeã
do antigamente célebre Torneio de Toulon era uma joia preparada para o futuro,
lançado aos poucos no time. Na zaga titular, após a saída de Luís Pereira, o
experiente Rondinelli voltou a reinar, repetindo a dupla campeã brasileira com
Marinho. No entanto, uma séria contusão do “Deus da Raça” num jogo contra o
Cerro Porteño em Assunção, já no final da primeira fase da Libertadores, fez
com que Mozer fosse efetivado meio “na fogueira”, às voltas com jogos difíceis
e pesados (Olimpia em Assunção e Atlético-MG no Serra Dourada). Foi tão bem que
seguiu titular, mesmo com a recuperação de Rondinelli (que, sem espaço,
acabaria sendo negociado com o Corinthians ainda em 1981).
Júnior –
Salvo uma renovação de contrato meio atribulada no início de 1981, jamais teve
ameçada sua condição de titular ou de jogador do Flamengo. Era considerado um
dos principais jogadores e líderes do elenco.
Andrade –
Foi o principal beneficiado pela aposentadoria precoce de Carpegiani, herdando
seu lugar no time (que revezava com Adílio ou Tita). Mesmo tendo o ótimo Vítor
(que curiosamente era convocado para a seleção brasileira) na reserva, Andrade
rapidamente se tornou o ponto de equilíbrio do meio-campo e um dos jogadores
essenciais da equipe.
Adílio –
Talvez, do time titular, o mais ameaçado de sair da Gávea em 1981. Logo no
início do ano, chegou a ser afastado e negociado (também) com o Los Angeles
Aztecs, indicado por Coutinho, mas, a exemplo de Marinho, não acertou o salário
e o negócio foi desfeito. Durante o Brasileiro, desentendeu-se várias vezes com
Dino Sani, que o queria atuando pela ponta-esquerda, posição que não aceitava,
e com isso acabou barrado. Com notórias desavenças com o presidente Dunshee de
Abranches (que tinha várias restrições ao seu futebol), foi novamente afastado
do elenco e colocado à venda ao final do Brasileiro, tachado como um dos “bodes
expiatórios” da eliminação para o Botafogo, mas o alto preço do passe afastou
eventuais compradores. Nesse período, o contrato venceu e sua renovação, uma
verdadeira “novela”, arrastou-se por várias semanas. Enfim de contrato novo,
reapareceu na equipe em uma partida contra o Americano, no Maracanã, já pela
Taça Guanabara. Uma atuação exuberante na goleada por 7-0 devolveu-lhe a vaga
no time. E no meio-campo.
Zico –
Também esteve por um fio. Seu contrato venceu em maio de 1981. Já consagrado e
cada vez mais consolidado como o melhor jogador do país (realidade já admitida
mesmo em centros mais renitentes, como SP e RS), e tendo plena noção disso, o
Galinho não abriu mão de um salário compatível com seu significado para o Flamengo,
cifras que o faziam o jogador mais bem remunerado no futebol brasileiro. Num
contexto em que o êxodo de craques para o exterior começava a ganhar corpo
(Dirceu e Falcão haviam saído, e Edinho estava a caminho), a negociação do
Flamengo com Zico foi árdua, duríssima e durou meses. Representantes de Roma,
Barcelona e principalmente do Milan (que chegou a mandar seu presidente ao
Brasil) estiveram a ponto de contratar o craque, que não foi para Milão porque
no momento-chave o rossonero apresentou uma proposta oficial inferior à
anteriormente anunciada (2,8 milhões contra 5 milhões de dólares). O assunto na
época levantou tanta polêmica que alguns conselheiros do Flamengo chegavam a
comentar “esse rapaz vai quebrar o Flamengo. Tem que vender, vende logo, vende
correndo, mesmo pelos 2,8 milhões. Aliás, ele nem é isso tudo.” No final, o
contrato foi renovado (nos valores pedidos pelo craque) e, como se sabe, Zico
seguiu sendo fundamental. Sendo “isso tudo”.
Tita –
Mais uma permanência controvertida. No primeiro semestre de 1981, Tita
resolveu, de uma vez, colocar ponto final a uma antiga angústia. Decidiu não
atuar mais improvisado na ponta-direita, nem que isso significasse a reserva de
Zico ou, como preferia, sair do Flamengo. Ao retornar da Seleção (onde também
deixou claro a Telê que não jogaria mais improvisado, o que custou sua ida ao
Mundial e, para muitos, o tetra), comunicou a Dino Sani sua decisão. Dino, no
entanto, que admirava seu futebol, manteve o jogador no meio, deslocando Adílio
para a ponta (o que causou outro problema, como mostrado mais acima). Ao final
do Brasileiro, Tita pediu para ser negociado, chegou a ser multado e afastado e
o Flamengo o negociou com a Portuguesa, mas Dunshee desistiu da transação por
desconfiar que por trás do interesse da Lusa estava o Vasco. Somente com a
efetivação de Carpegiani no comando técnico, Tita aceitou atuar fora de sua
posição original e, com seu futebol diferenciado, fazer parte da equipe
titular. Atuando na direita, na esquerda e até no meio.
Nunes –
Um dos jogadores mais polêmicos do elenco, por conta de seu temperamento, só
permaneceu na Gávea no início de 1981 porque Coutinho (com quem rompera
definitivamente) se transferiu para o exterior. Mas também teve problemas com
Modesto Bria, a ponto de dar uma entrevista polêmica à Revista Placar
dizendo-se “perseguido” por uma hipotética “panela”, e querendo sair do clube,
o que quase aconteceu (o Internacional chegou a sondar). Com a chegada de Dino
Sani (com quem conviveu bem) seu futebol voltou a crescer e se tornar goleador,
condição mantida com Carpegiani, apesar de algumas rusgas menores (o rompimento
aconteceria somente em 1982).
Lico – O
mais improvável dos titulares, foi contratado em 1980, vindo do Joinville,
quase como um contrapeso, permanecendo encostado durante toda a temporada.
Chegou a ser emprestado ao clube catarinense no primeiro semestre de 1981,
voltou ao Flamengo, seu contrato venceu e o clube não o procurou. Preterido
mesmo por juniores, esteve a ponto de sair pela porta dos fundos, até que
Carpegiani, já treinador, resolveu aproveitar de alguma forma sua experiência
na Libertadores. Sua atuação na Bolívia contra o Wilstermann (entrou no meio do
jogo e fez o Flamengo dominar uma partida em que vinha perdendo o controle) e,
principalmente, contra o Campo Grande, pelo Terceiro Turno do Estadual em Ítalo
del Cima (o Flamengo perdia, ele entrou, fez gol de bicicleta e foi o melhor em
campo na vitória de virada), fizeram Lico ser reintegrado. “Precisamos
conversar sobre aquele contrato”. O recado de um dirigente flamengo foi a
senha.
Boa semana a todos,