domingo, 25 de agosto de 2013

Alfarrábios do Melo

Saudações flamengas a todos.

Esse texto foi rabiscado antes da desastrosa e assustadora partida do Flamengo contra o Grêmio, mas entendo que a discussão que se propõe cabe no contexto. Porque o futebol faz de todos nós treinadores, jornalistas, comentaristas e dirigentes.

Então, proponho três situações. Elas não são hipotéticas. Aconteceram de fato, em um passado mais ou menos recente.

SITUAÇÃO 1
O elenco é equilibrado, onde há uma boa dosagem de jovens talentosos e jogadores experientes. Há qualidade e confiança, o time é o atual campeão brasileiro. No entanto, para a disputa da Libertadores, surge a oportunidade de trazer um craque, ídolo da torcida em outras passagens, que se encontra em forma exuberante, tendo acabado de conquistar um título internacional com atuações de gala, e que já se manifestou “louco” de  vontade de retornar ao Flamengo. O clube se encontra em dificuldades financeiras e a contratação é cara, mas sua vinda é prenúncio de estádios cheios e ótimas arrecadações. Além de, teoricamente, encorpar bastante a equipe. Deve ser fechado o negócio?

SITUAÇÃO 2
O centroavante da equipe, titular há dois anos e seu principal goleador, vive péssima fase técnica. Vem de um semestre medíocre, onde marcou pouquíssimos gols. Parece desmotivado e talvez propenso a mudar de ares. No entanto, é ídolo da torcida e bastante querido por jogadores e comissão técnica. Mas há a possibilidade de trazer outro centroavante, igualmente goleador, por empréstimo a custo baixo (apesar dos salários altos). A temporada será longa, estafante e com vários campeonatos, é importante ter peças para rodar o elenco. Além disso, a vinda de outro atacante de peso pode ajudar a motivar o acomodado titular a brigar pela posição. E então, deve-se trazer o tal centroavante, ou apostar na recuperação do antigo titular? Ou ter os dois no elenco como opção?

SITUAÇÃO 3
Surge um sério problema disciplinar envolvendo um dos jovens do elenco. O jogador, que há três anos está nos profissionais, não consegue se firmar, alternando atuações excepcionais (normalmente contra adversários fracos) com exibições pífias. Além disso, por conta de seu temperamento difícil, o garoto já coleciona alguns desafetos, sendo importante foco de desagregação dentro do elenco. Além disso, o garoto é reincidente nesse tipo de indisciplina. É o momento que surge a oportunidade de trocá-lo por um atacante de 29 anos, que vive ótima fase, é experiente (atuou em vários clubes de ponta), goleador, rápido, habilidoso e com um chute potente. A troca será por empréstimo. Deve ser feito o negócio?

Parecem boas alternativas, não?

Todas essas situações aconteceram na mesma temporada. 1993. Seguem os resultados.

SITUAÇÃO 1
Renato Gaúcho, tido como o principal atacante do país (vinha de temporada exuberante com o Cruzeiro) foi contratado e apresentado com alarde e festa. Começou até bem, marcando alguns gols, mas uma séria lesão o tirou de combate por praticamente todo o primeiro semestre. Recuperou-se, mas acabou se destacando por arrumar atritos com vários colegas do elenco. Na penúltima rodada da Taça Rio, perdeu um pênalti decisivo contra o Itaperuna e ganhou um desafeto, o atacante Nilson. No Torneio Rio-SP, foi às vias de fato com o jovem Djalminha. No Campeonato Brasileiro, colecionou brigas com Júnior Baiano e Casagrande, além de reclamar do treinador Júnior, que não raro o tirava de campo. É verdade que marcou gols importantes no Brasileiro e na Supercopa, mas o saldo de sua terceira passagem na Gávea acabou sendo amplamente negativo, um colossal prejuízo tanto técnico quanto financeiro.

SITUAÇÃO 2
Os excessos do atacante Gaúcho enfim se refletiram no campo, e o seu segundo semestre de 92 foi desastroso. Irritado, o treinador Carlinhos pediu a contratação de outro atacante, e surgiu a chance de trazer o rodado Nilson, por empréstimo. Nilson se adaptou rapidamente, ganhou a posição de titular e passou a colecionar gols com uma frequência impressionante, uma média altíssima. Mas o time, mal das pernas, acabou perdendo Carlinhos, substituído por Jair Pereira, velho admirador de Gaúcho (com quem trabalhou no próprio Flamengo em 1990). O novo treinador resolveu dar mais chances ao antigo titular, criando uma indefinição que acabou por minar a confiança e o futebol de ambos. Como resultado, o elenco passou a dispor de dois nomes fortes para a posição, os dois jogando um futebol pífio e inseguro. Ao final do primeiro semestre, ambos foram negociados e o Flamengo contratou Casagrande, sem saber que o experiente jogador já não mais atuava como homem de área.

SITUAÇÃO 3
Djalminha era uma daquelas eternas promessas que nunca vingavam. Outros nomes da Copa SP, como Nélio, Júnior Baiano, Fabinho, Marquinhos, Piá e Paulo Nunes, já haviam dado retorno, alguns inclusive sendo efetivados como titulares. Contudo, justamente os dois considerados mais talentosos daquele grupo demoravam para se firmar, casos de Marcelinho e do próprio filho do Djalma Dias. No entanto, Marcelinho começava, naquele 1993, a mostrar finalmente futebol mais consistente, enquanto Djalminha parecia estagnado. Ademais, acumulava problemas disciplinares dentro e fora de campo. Após um primeiro semestre opaco, Djalminha, em um Fla-Flu em Caio Martins, não gostou de um esporro público de Renato e encarou o atacante, os dois bateram boca e chegaram à virtual agressão física. Djalminha, que era reincidente (havia trocado empurrões e sopapos com Uidemar num jogo contra o Atlético-MG em 92) e já contava com a má vontade de uma diretoria cada vez mais irritada com sua falta de profissionalismo, acabou sendo trocado por Edu Lima, atacante que vivia o melhor momento de sua carreira, o principal nome do Guarani, que vinha de boa temporada em 92. Edu Lima, no entanto, sentiu o peso da camisa flamenga e não conseguiu ter sequência. Até mostrou algumas boas atuações (especialmente contra São Paulo e Cruzeiro, ambas no Maracanã), mas rapidamente caiu em desgraça e terminou sua passagem melancolicamente, atuando ao lado de juvenis e encostados na moribunda Copa Rio, enquanto os titulares jogavam as finais do Brasileiro e da Supercopa. Djalminha, pelo contrário, teve atuações brilhantes pelo Guarani, foi comprado pelo time campineiro ao final do empréstimo e sua carreira enfim decolou.

Três negócios que pareciam bons. Três negócios desastrosos.


Boa semana a todos,