Saudações flamengas a todos.
Esse texto foi rabiscado antes da
desastrosa e assustadora partida do Flamengo contra o Grêmio, mas entendo que a
discussão que se propõe cabe no contexto. Porque o futebol faz de todos nós
treinadores, jornalistas, comentaristas e dirigentes.
Então, proponho três situações.
Elas não são hipotéticas. Aconteceram de fato, em um passado mais ou menos recente.
SITUAÇÃO 1
O elenco é equilibrado, onde há
uma boa dosagem de jovens talentosos e jogadores experientes. Há qualidade e
confiança, o time é o atual campeão brasileiro. No entanto, para a disputa da
Libertadores, surge a oportunidade de trazer um craque, ídolo da torcida em
outras passagens, que se encontra em forma exuberante, tendo acabado de
conquistar um título internacional com atuações de gala, e que já se manifestou
“louco” de vontade de retornar ao
Flamengo. O clube se encontra em dificuldades financeiras e a contratação é
cara, mas sua vinda é prenúncio de estádios cheios e ótimas arrecadações. Além
de, teoricamente, encorpar bastante a equipe. Deve ser fechado o negócio?
SITUAÇÃO 2
O centroavante da equipe, titular
há dois anos e seu principal goleador, vive péssima fase técnica. Vem de um
semestre medíocre, onde marcou pouquíssimos gols. Parece desmotivado e talvez
propenso a mudar de ares. No entanto, é ídolo da torcida e bastante querido por
jogadores e comissão técnica. Mas há a possibilidade de trazer outro
centroavante, igualmente goleador, por empréstimo a custo baixo (apesar dos
salários altos). A temporada será longa, estafante e com vários campeonatos, é
importante ter peças para rodar o elenco. Além disso, a vinda de outro atacante
de peso pode ajudar a motivar o acomodado titular a brigar pela posição. E
então, deve-se trazer o tal centroavante, ou apostar na recuperação do antigo
titular? Ou ter os dois no elenco como opção?
SITUAÇÃO 3
Surge um sério problema
disciplinar envolvendo um dos jovens do elenco. O jogador, que há três anos
está nos profissionais, não consegue se firmar, alternando atuações
excepcionais (normalmente contra adversários fracos) com exibições pífias. Além
disso, por conta de seu temperamento difícil, o garoto já coleciona alguns
desafetos, sendo importante foco de desagregação dentro do elenco. Além disso,
o garoto é reincidente nesse tipo de indisciplina. É o momento que surge a oportunidade
de trocá-lo por um atacante de 29 anos, que vive ótima fase, é experiente
(atuou em vários clubes de ponta), goleador, rápido, habilidoso e com um chute
potente. A troca será por empréstimo. Deve ser feito o negócio?
Parecem boas alternativas, não?
Todas essas situações aconteceram
na mesma temporada. 1993. Seguem os resultados.
SITUAÇÃO 1
Renato Gaúcho, tido como o
principal atacante do país (vinha de temporada exuberante com o Cruzeiro) foi
contratado e apresentado com alarde e festa. Começou até bem, marcando alguns
gols, mas uma séria lesão o tirou de combate por praticamente todo o primeiro
semestre. Recuperou-se, mas acabou se destacando por arrumar atritos com vários
colegas do elenco. Na penúltima rodada da Taça Rio, perdeu um pênalti decisivo
contra o Itaperuna e ganhou um desafeto, o atacante Nilson. No Torneio Rio-SP,
foi às vias de fato com o jovem Djalminha. No Campeonato Brasileiro, colecionou
brigas com Júnior Baiano e Casagrande, além de reclamar do treinador Júnior,
que não raro o tirava de campo. É verdade que marcou gols importantes no Brasileiro
e na Supercopa, mas o saldo de sua terceira passagem na Gávea acabou sendo
amplamente negativo, um colossal prejuízo tanto técnico quanto financeiro.
SITUAÇÃO 2
Os excessos do atacante Gaúcho
enfim se refletiram no campo, e o seu segundo semestre de 92 foi desastroso.
Irritado, o treinador Carlinhos pediu a contratação de outro atacante, e surgiu a chance de
trazer o rodado Nilson, por empréstimo. Nilson se adaptou rapidamente, ganhou a
posição de titular e passou a colecionar gols com uma frequência
impressionante, uma média altíssima. Mas o time, mal das pernas, acabou
perdendo Carlinhos, substituído por Jair Pereira, velho admirador de Gaúcho
(com quem trabalhou no próprio Flamengo em 1990). O novo treinador resolveu dar
mais chances ao antigo titular, criando uma indefinição que acabou por minar a
confiança e o futebol de ambos. Como resultado, o elenco passou a dispor de
dois nomes fortes para a posição, os dois jogando um futebol pífio e inseguro. Ao final do
primeiro semestre, ambos foram negociados e o Flamengo contratou Casagrande,
sem saber que o experiente jogador já não mais atuava como homem de área.
SITUAÇÃO 3
Djalminha era uma daquelas
eternas promessas que nunca vingavam. Outros nomes da Copa SP, como Nélio,
Júnior Baiano, Fabinho, Marquinhos, Piá e Paulo Nunes, já haviam dado retorno,
alguns inclusive sendo efetivados como titulares. Contudo, justamente os dois
considerados mais talentosos daquele grupo demoravam para se firmar, casos de
Marcelinho e do próprio filho do Djalma Dias. No entanto, Marcelinho começava,
naquele 1993, a mostrar finalmente futebol mais consistente, enquanto Djalminha
parecia estagnado. Ademais, acumulava problemas disciplinares dentro e fora de
campo. Após um primeiro semestre opaco, Djalminha, em um Fla-Flu em Caio
Martins, não gostou de um esporro público de Renato e encarou o atacante, os
dois bateram boca e chegaram à virtual agressão física. Djalminha, que era
reincidente (havia trocado empurrões e sopapos com Uidemar num jogo contra o
Atlético-MG em 92) e já contava com a má vontade de uma diretoria cada vez mais
irritada com sua falta de profissionalismo, acabou sendo trocado por Edu Lima,
atacante que vivia o melhor momento de sua carreira, o principal nome do
Guarani, que vinha de boa temporada em 92. Edu Lima, no entanto, sentiu o peso
da camisa flamenga e não conseguiu ter sequência. Até mostrou algumas boas
atuações (especialmente contra São Paulo e Cruzeiro, ambas no Maracanã), mas
rapidamente caiu em desgraça e terminou sua passagem melancolicamente, atuando
ao lado de juvenis e encostados na moribunda Copa Rio, enquanto os titulares
jogavam as finais do Brasileiro e da Supercopa. Djalminha, pelo contrário, teve
atuações brilhantes pelo Guarani, foi comprado pelo time campineiro ao final do
empréstimo e sua carreira enfim decolou.
Três negócios que pareciam bons.
Três negócios desastrosos.
Boa semana a todos,