Saudações flamengas a todos.
E
o Flamengo está de volta ao Maracanã. Para pontuar esse fato, deixo
aqui um texto de 2009, que escrevi quando o Flamengo alcançou sua
milésima vitória no estádio (contra o Atlético-MG, 3-1, jogo que
efetivou o Andrade no comando). Acho que é um apanhado interessante. Boa
leitura.
O
Maracanã e as Mil Vitórias
Que o Maracanã é a casa do Flamengo
todo mundo sabe. Que o gigantesco e mitológico estádio tem sido o palco
perfeito para a celebração da simbiose de carne e sangue entre o time e sua
apaixonada torcida, isso tem sido demonstrado através dos anos e é de
conhecimento comum. O que poucos sabem é que esse casamento perfeito, que vem
desde o longínquo ano de 1950, acaba de produzir o seu milésimo fruto. Sim, o
Flamengo completou 1.000 vitórias no Maracanã.
Mil vitórias, mil batalhas em que o
bastião rubro-negro foi fincado como uma estaca no território inimigo... (ok,
às vezes nem tão inimigo assim), mil ocasiões em que a massa rubro-negra se fez
ouvir mais alto, forte e feliz, mil vezes, falando assim parece algo intocável,
inatingível.
Tudo começou com um prosaico amistoso
contra o Bangu, que havia acabado de contratar Zizinho, o maior ídolo flamengo.
Estávamos em 1950, havia apenas uma semana que o Brasil vivera o maior trauma
da história de seu futebol. O triunfo por 3-1 marcou o início da “Era Maracanã”
para o Flamengo, e desde então o time sairia vitorioso em pouco mais da metade
das partidas disputadas no templo. No seu templo.
Mil vitórias. Quem já provou sabe que
enfrentar o Flamengo no Maracanã costuma ser um inferno. Vários craques
estelares podem ostentar essa marca em seu currículo. Gente como Pelé,
Garrincha, Beckenbauer, Puskas, Maradona, Eusébio, Nilton Santos, Carlos
Alberto Torres, Dino Zoff, Altafini, Romário, Ronaldo, Didi e Rivelino, entre
outros gigantes, que viveram a experiência de enfrentar e ser derrotada pelo
Flamengo no Maraca. Equipes como Juventus de Turim, Atletico de Madrid, Boca
Juniors, Benfica, River Plate, New York Cosmos, Peñarol, times de 19 países
diversos. Todos os clubes de expressão do Brasil, espalhados por 22 estados,
todos eles subjugados pela magia de uma equipe que se agiganta quando está
diante de seu povo, de sua gente, de sua torcida.
Mil triunfos. Há vitórias simples em
jogos amistosos (ou quase), nessa lista entram jogos-treino, partidas de
importância menor, mas há também triunfos decisivos, que valeram o grito de “é
campeão”. Como esquecer a cabeçada de Rondinelli, a falta de Petkovic, o gol
maroto de Nunes que deslocou João Leite, o toque certeiro de Bebeto se
antecipando a Taffarel, o gol-relâmpago de Zico contra o Santos, a bomba de
Obina que abriu o caminho da Copa do Brasil contra o Vasco, entre outros tantos gols que ajudaram a encher a Sala de
Troféus da Gávea? Ser campeão é maravilhoso, com vitória no jogo final melhor
ainda, e se essa vitória é conquistada em sua casa, aí beira a perfeição. Pois,
nessas 1.000 vitórias, o Flamengo fez sua torcida gritar “é campeão” em
Campeonatos Brasileiros, Copa do Brasil, Estaduais, Torneio Rio-SP, Taças
Guanabara, entre outros títulos menos cotados.
Mil jornadas vitoriosas que
consagraram diversos personagens, que com seus pés escreveram cada página dessa
história. Gente como Fio Maravilha, que com seu “gol de anjo, um verdadeiro gol
de placa” marcado contra o Benfica em 1972 ganhou até música. Ou como Silva, o
Batuta, que semanalmente arrombava as redes do estádio com suas raquetadas, na
inesquecível temporada de 1965. Ou Almir, que meteu a cara na lama pra
sacramentar mais uma peleja vencida, contra o Bangu em 1966, ou como Índio, Doval,
Nunes, Gaúcho, Edílson, Bebeto, Romário, Cláudio Adão, Evaristo, Paulinho,
Henrique, Adriano, artilheiros que ajudaram a inchar bastante essa lista de
vitórias. E o que dizer de Dida, que honrou por oito anos o manto flamengo,
colecionando gols a ponto de se tornar o segundo maior artilheiro de sua
história?
Mas nenhum jogador, de nenhuma
nacionalidade ou posição, em nenhuma época foi tão íntimo, esteve tão à vontade
e viveu com tanta intensidade a força da aliança entre o Flamengo time e o
Flamengo torcida quanto Zico. O Maracanã era o seu teatro, era o palco onde
dedilhava suas melhores notas, onde escolhia os melhores acordes para entoar
para o público nos seus concertos semanais de 90 minutos. No auge da “Era
Zico”, o Flamengo chegou a acumular uma série de 82 jogos sem derrota para
intrusos (equipes de fora do RJ) no estádio, em um período de 1 ano e 8 meses
(março de 1980 a novembro de 1982). Do total de mil vitórias no Maior do Mundo,
o Galinho de Quintino foi o comandante de pouco mais de 20%, uma marca
assombrosa. Ao todo, anotou 320 gols, de cabeça, de perto, de longe, de placa,
de pênalti e de falta, os seus preferidos, que também deram até música (“é
falta na entrada da área, adivinha quem vai bater...”). Para os adversários, o
Maracanã era um assustador desafio. Para Zico, era seu lar.
Mil batalhas. Cada vitória, desde a
mais fácil até a mais sangrenta, assinala a marca da defesa bem-sucedida do
solo sagrado flamengo, de sua demonstração de força e caráter guerreiro.
Viradas históricas, reversões inacreditáveis, como os 4-3 sobre o Vasco em
1963, salvando-se da eliminação e abrindo caminho para a arrancada do título
estadual. Outro 4-3 célebre foi conseguido nas semifinais contra o perigoso e
atrevido Coritiba em 1980, que fez dois gols relâmpago e obrigou time e torcida
a virarem juntos o placar. Já que é pra falar de 4-3, que tal a “virada da
poeira” contra o galáctico Fluminense em 2004, que deu a moral que o time
precisava para o título daquele ano? Há mais viradas heróicas, há os 3-2 dos
campeões do mundo sobre o São Paulo na abertura da temporada de 1982, ou os
incríveis 2-1 sobre o Sport em 2008, conquistados nos seis minutos finais,
debaixo de muita chuva.
Mil “cala-bocas”. Não foram poucas as
vezes em que os lutadores flamengos entraram em campo cercados de desconfiança
e descrença, contra um oponente considerado muito superior, e em momentos de
histórica superação construíram vitórias retumbantes, como os 3-1 sobre o
Bangu, “queridinho da cidade”, invicto e favorito em 1963, os 2-0 da garotada
comandada por Bebeto e Aldair sobre o Vasco de Roberto, Geovani e Romário na
decisão do Estadual de 1986, 2-0 da meninada de Sávio e Magno em cima do
poderoso Palmeiras de Rivaldo, Evair, Edmundo e Roberto Carlos em 1994, ou as
sucessivas vitórias sobre o forte Vasco na trilogia 99-2001, entre vários e
fartos exemplos de superação.
Mil bailes. Às vezes os guerreiros flamengos
defenderam sua cidadela de forma tão intensa que as linhas adversárias acabaram
se rompendo com inesperada facilidade. E aí sobrevieram os dilúvios de gols,
para lavar a alma da massa rubro-negra. Jogos como os quase inverossímeis 12-2
sobre o São Cristóvão, impostos pelo “Rolo Compressor” em 1956, naquela que foi
a maior goleada da história do Maracanã. Aliás, como era bom de gol aquele
“Rolo”! 4-1 no Vasco (1954, janeiro), 4-1 no Vasco de novo (1954, maio), 4-1 no
Botafogo (1954), 5-2 no Fluminense (novamente em 1954), 6-1 no Fluminense
(1955), 4-0 no Atlético-MG (1955), entre outras vítimas. Outros momentos
divertidos, em outras épocas, foram os 9-2 no Cerro Porteño (1960), os 9-0 em
cima da Portuguesa-RJ (1978), e as biabas de 8 aplicadas no Olaria (1958),
Bangu (1973), Sampaio Correa (1976), Fortaleza (1981), Madureira (1982) e
Minerven, da Venezuela (1993). Mas, de todas as goleadas, uma vale como um
título. Aliás, talvez nenhuma das mil vitórias tenha sido tão emblemática
quanto os 6-0 sobre o Botafogo em 1981, um massacre que fez a massa flamenga
explodir em festa, emoção, delírio, e principalmente alívio pelo fim de uma era
de gozações e sofrimento.
Enfim, entre tantas vitórias épicas,
goleadas impiedosas, triunfos de azarões, consagração de goleadores, mitos,
craques e ídolos, foi forjada a identidade flamenga, a expressão de uma nação
que se transfigura na face e na alma de cada torcedor, que se identifica e se
vê representada pela multidão que ocupa cada pedaço de seu templo, seu espaço,
sua casa, seu Maracanã e conclama seus representantes para a eterna batalha
pela vitória, pela defesa de sua gente, de seu chão, de seu território. Do
sagrado espaço do Maracanã.
Do Estádio das Mil Vitórias.