Saudações
flamengas a todos.
Escrevo
esse texto antes de conhecer o resultado da partida de Joinville, o que não
modifica o cenário que quero abordar.
Austeridade,
elenco barato, aposta em jogadores jovens, sejam “da casa” ou de fora, busca
por referências, rejeição a estrelas. É comum o Flamengo viver momentos
permeados por essas premissas, esses motes. Separo aqui dois desses recortes,
para reflexão.
1991
Uma nova
administração assume o Flamengo, já sob o peso de dívidas que começam a assumir
um volume expressivo e preocupante. Com discurso de austeridade, o clube monta
seu elenco fugindo da política de contratação de medalhões e buscando foco no
aproveitamento das categorias de base. Nesse contexto, é contratado o promissor
treinador Vanderlei Luxemburgo, que acaba de se sagrar campeão paulista pelo
desconhecido Bragantino e vê na Gávea um estágio ideal para se tornar um nome
de primeira linha. Ademais, jogadores caros e/ou de rendimento duvidoso, como
Bobô, Renato Gaúcho, Fernando, são negociados e a equipe passa a apostar nos
jovens Marcelinho, Djalminha, Rogério, Júnior Baiano, Marquinhos, Paulo Nunes,
Piá, Nélio e outros menos cotados que, sob a liderança de Zinho, Gaúcho e
principalmente Júnior, terão o desafio de resgatar ao Flamengo o protagonismo
recentemente perdido.
Mas o
processo é lento e doloroso. Os jovens, que enfim recebem a chance de suas
vidas, sentem a pressão e não conseguem render. Algumas contratações “boas e
baratas”, como os meias Toninho e Paulo César, o lateral Dida (vindo emprestado
do Palmeiras) e o zagueiro Adílson, não dão o retorno esperado. Para piorar, um
dos pontos de equilíbrio do meio-campo, o volante Uidemar, sofre grave lesão e
passará quase um semestre fora da equipe. O inicio é desastroso, com quatro
derrotas em seis jogos, sendo duas goleadas contundentes (0-3 Atlético-PR e 1-5
Goiás). A crônica dedica-se a um massacre diário ao elenco de jogadores,
cravando que 80% deles não reúne condições de atuar numa equipe como o
Flamengo. O time é ridicularizado e objeto de chacota, fala-se abertamente em
rebaixamento (zona frequentada por várias rodadas) e a torcida pressiona
fortemente pela demissão do treinador, que não consegue encontrar um padrão de
jogo nem tornar a equipe consistente, seja no ataque, seja em seu sistema
defensivo.
Mas
Luxemburgo não é demitido. Recebe mais um reforço, o zagueiro W.Gotardo,
substitui o goleiro Zé Carlos por Gilmar e dá aos dois a missão de dividir a
liderança do elenco com Júnior e Zinho. Identifica no jovem Charles (um dos
reforços “bons e baratos”) potencial e o efetiva na equipe titular. Vai aos
poucos começando a definir uma estrutura de time e, apesar dos resultados
irregulares e da falta de títulos, termina o primeiro semestre com uma equipe
estável e nitidamente em evolução.
Os
resultados não tardarão. Mesmo com a tumultuada saída de Luxemburgo logo após a
conquista de seu primeiro título (a esvaziada Copa Rio), o Flamengo, sem alterações
maiores no elenco, segue evoluindo sob a batuta de Carlinhos, que faz algumas
adaptações aqui e ali, mas mantém a filosofia original de trabalho. Aos poucos
o time recupera a confiança e o trabalho redundará na conquista do Estadual e
do penta Brasileiro no ano seguinte.
2004

As coisas
vão bem no primeiro semestre. Aproveitando o péssimo momento de Botafogo e
Vasco, o Flamengo derrota sucessivamente o badalado time de estrelas do
Fluminense e leva a Taça Guanabara, ratificando a conquista e vencendo o
Estadual com duas vitórias sobre o surpreendente Vasco. Além disso, vai se
classificando às fases seguintes da Copa do Brasil sem maiores sustos, contra
os adversários mais fracos. Há uma sensação de evolução no futebol do time que,
apesar de limitado, mostra-se aguerrido e aplicado taticamente.
Mas um
erro de avaliação se mostrará fatal no segundo semestre. Confiando nos gols de
Jean e ignorando o fato do irrequieto atacante não ser homem de referência, a
diretoria aposta no jogador como o responsável pelos gols da equipe, fiando-se
em seu excepcional desempenho nas finais do Estadual.
No
entanto, Jean sente a pressão e não consegue exercer (como previsível) o papel.
O Flamengo estreia bem no Brasileiro, com um animador 0-0 contra o Grêmio, no
Olímpico. Mas outro 0-0, dessa vez contra a retrancada Ponte Preta em Volta
Redonda, com Jean perdendo inúmeras chances de gol, acende um sinal de advertência
que vai sendo protelado e adiado, enquanto o time segue progredindo na Copa do
Brasil. Em um campeonato de maior nível, as limitações se mostram mais
evidentes e a equipe, após péssimos resultados em sequência (inclusive goleadas),
chega à zona do rebaixamento. A crise, tantas vezes anunciada, explode de vez
com a perda da Copa do Brasil para o modesto Santo André, em pleno Maracanã.
Os
efeitos são devastadores. Treinadores são repostos e carbonizados com
inquietante velocidade, jogadores ganham e perdem prestígio a esmo, confundindo
torcedores e jornalistas, a diretoria não consegue manter em dia os salários e
focos de insatisfação irrompem entre os atletas, Júnior começa a sofrer boicote
de parte da diretoria, que traz o mediano Dimba a peso de ouro para “salvar” um
time irritado e desunido, e apenas a presença do interino treinador Andrade (o
quarto da temporada), que consegue pacificar alguns focos de insatisfação, dá
ao time um mínimo de estabilidade para que, a duras penas, o rebaixamento seja
evitado.
A ideia
não é imaginar a emulação dessas temporadas. Não haverá outro 1991 ou outro
2004. No entanto, os fatores estavam lá,
e cá estão novamente. Analisar os motivos que fizeram 1991 dar certo e 2004 afundar pode ajudar a ler e entender o momento atual.
Postura
da diretoria, qualidade do elenco de jogadores, erros e acertos nas apostas
para lideranças, mando de campo, reação aos resultados adversos, entre vários
outros elementos. Cotejá-los entre essas duas temporadas e trazê-los para o
momento atual é o que proponho discutir.
(PS - está nascendo Felipe, meu segundo herdeiro flamengo. Assim, deverei me afastar um pouco dos comentários e das discussões diárias. Mas tentarei manter o ritmo normal de postagens).