Saudações flamengas a
todos. Já que logo mais tem Santos x Flamengo, iniciando o Campeonato Brasileiro,
deixo um texto contando a história de um encontro no Maracanã, contra o Santos
de Pelé. Boa leitura.
1957.
O Maracanã está lotado.
É uma belíssima tarde
de um domingo ensolarado de maio. E é bonito ver o gigante de cimento novamente
pulsando, respirando, dançando ao som de dezenas de milhares de almas que
professam sua fé, seu amor ao Mais Querido do Brasil.
O torcedor está com
saudade do Flamengo.
É a primeira partida
oficial do rubro-negro no ano no Maior do Mundo, e a primeira vez que o
Flamengo atua no Maracanã desde que, há três meses, encantou o país com uma
série de amistosos contra o poderoso Honved, base da mitológica seleção húngara
de 1954, em que os comandados por Don Fleitas deram uma canseira em Puskas e
companhia.
Mas o momento agora é
diferente.
O Flamengo vive um
momento de incertezas. Seu maior craque, Evaristo, acaba de se transferir para
o Barcelona, muito em função das atuações antológicas nos jogos contra o
Honved. Aliás, os confrontos com os húngaros ainda repercutem. A CBD acaba de
suspender o rubro-negro e o Botafogo (que também enfrentou os europeus) por 45
dias, alegando que o Honved não tinha autorização da FIFA para excursionar
(muitos de seus jogadores se tornaram dissidentes do regime comunista), e o
anúncio da punição tem agitado os bastidores do clube. Além disso, o elenco já
começa a dar sinais de desgaste, e os amistosos iniciais não deixam de servir
como uma tentativa de encontrar alternativas para a renovação do grupo de
jogadores.
Após rodar pelo país e
pelo exterior, um desfalcado Flamengo estreia no Torneio Rio-São Paulo com uma
derrota contundente (1-4) para o São Paulo, no Pacaembu. Recupera-se no
amistoso do Dia do Trabalho, goleando (4-1) o Fluminense em um São Januário
abarrotado. Agora o time terá, na sequência do Rio-SP, o Santos, bicampeão paulista,
pela frente.
O Santos, antigo coadjuvante que montou uma das melhores equipes
do país, e que já começa a ser reconhecido pela força de seu ataque. O perigoso
ponta-esquerda Pepe está fora, mas o restante do time vem com força máxima, com
destaques para o goleiro Manga, o vigoroso comandante Zito e o ataque em que
despontam os velozes Alfredinho e Pagão e a um garoto que vem sendo preparado
como uma joia, o jovem Pelé.
Enquanto isso, o
Flamengo enfrenta problemas e mais problemas. Pavão e Dequinha estão
contundidos, Dida e Índio, recuperados de lesões, ainda seguem sem
condicionamento físico e Rubens anda às turras com Solich. Cinco desfalques,
meio time de fora. Ademais, os cronistas já projetam que a frágil zaga
flamenga, formada pelo rústico Tomires e pelo limitado reserva Milton Copolilo,
será engolida por Pelé, Pagão & Cia. Com efeito, o quadro se anuncia bastante
sombrio para o Flamengo.
Mas o Maracanã está
cheio. E em festa.
Entra em campo o
Santos, usando seu segundo uniforme, o branco, de visitante. Escalado com
Manga, Getúlio e Ivan; Ramiro, Urubatão e Zito; Alfredinho, Alvaro, Pagão, Pelé
e Tite. Alguns aplausos, outros tantos apupos e uma expectativa que cresce até
explodir em fogos e gritos quando os onze jogadores vestindo rubro-negro sobem
o túnel e aparecem no gramado. Ari, Tomires e Milton; Jadir, Luiz Roberto e
Jordan; Joel, Moacir, Henrique, Luiz Carlos e Zagalo são os designados a tentar
parar, juntamente com sua colossal torcida, o campeão paulista.
E numa coisa os
analistas esportivos acertam. Vai começar um massacre.
O paulista Abílio Ramos
trila o apito. E, repetindo o que já mostrara contra o poderoso Honved, os
jovens flamengos ignoram a força do adversário e se atiram ao ataque com
bravura e ousadia. Liderados por Zagalo, que já demonstra notável espírito de
luta, o Flamengo trança a bola na intermediária adversária e uma bola é lançada
com perigo a Henrique, que quase marca, enlouquecendo o estádio. O torcedor
berra, grita, intimida Na sequência, o Santos tenta sair jogando pela esquerda,
mas Jordan se antecipa e inicia mais uma estocada flamenga, que vai chegar aos
pés de Zagalo, fechando em diagonal pelo meio. Ninguém mais está sentado,
ninguém mais pisca. O falso ponta limpa e manda a bomba, sem chances para
Manga. DOIS minutos de jogo, o Flamengo já vence por 1-0. E o Maracanã salta e
festeja a façanha dos seus heróis.
O início realmente é
arrasador. Mas será sustentável?
O Santos sente o gol.
Não esperava tamanha demonstração de personalidade e “desrespeito” do Flamengo.
Tenta articular seu ataque, busca aproveitar o falso recuo rubro-negro. Mas Joel
e Luiz Carlos estão abertos nas pontas, à espreita para os contragolpes. Zagalo
ajuda Luiz Roberto e Jordan a dar combate ao meio, e Moacir, com incrível
mobilidade, flutua entre os espaços deixados pelos desnorteados santistas. Até
a intermediária flamenga, o bonito toque de bola do Santos funciona. A partir
daí, o ferrolho rubro-negro pressiona, acossa, esgana até retomar a bola, que é
lançada para que a cavalaria flamenga dê suas alucinantes estocadas, empurrado por
um estádio em brasa. Uma chance, duas. Na terceira, Moacir lança em
profundidade para o garoto Luiz Carlos, que chega na corrida e bate forte, no
canto. DEZ minutos, Flamengo 2-0. O ensurdecedor clímax do Maracanã arrepia os
mais desencantados.
Com a vantagem, o
Flamengo entrincheira-se em sua retaguarda e espera. Mas o Santos, escaldado,
tenta cozinhar a partida, encontrar alguma forma de se livrar da armadilha de
Don Fleitas. Os criticados Copolilo e Tomires não perdem uma bola, enxotam os
intrusos Pelé e Pagão de sua área, na bola, na bicuda, na porrada e no grito.
Sem cair na tentação de ampliar o marcador, o Flamengo segue exercendo sua
marcação sufocante no meio e buscando contragolpear. Ainda perde mais algumas
chances, mas o primeiro tempo termina mesmo 2-0.
Inicia a segunda etapa,
o Santos faz algumas alterações, o Flamengo também saca Zagalo, que sentiu lesão,
entrando Babá. As mexidas parecem surtir algum efeito, os praianos, pela
primeira vez, conseguem acuar o Flamengo e criar chances de gol, mas a ducha de
água vem rápida e gelada. TRÊS minutos. O Santos vai evoluindo, avança suas
peças, mas um passe errado faz com que Joel seja acionado na ponta, corte pelo
meio e bata na saída de Manga. É o terceiro, é Flamengo 3-0, é o Maracanã
novamente acordando.
A partir daí,
desenha-se o espetáculo. O Flamengo roda a bola de um lado a outro, brinca de
gato e rato com o Santos, que se irrita com seu inesperado papel de subjugado.
Nervoso, Zito dá um sopapo no garoto Edson (que entrara no lugar de Luiz
Roberto) e é expulso. Com a perda de seu capitão, o Santos está entregue e
apenas espera o apito final, enquanto contempla um verdadeiro festival de
inversões de bola, dribles e toques rápidos ao som de uma orquestra de
aplausos, gritos e marchinhas. Já no final, o Flamengo faz uma última blitz, a
bola sobra para Henrique que, como bom predador, não deixa passar a
oportunidade e sacramenta o placar final. Flamengo 4-0 Santos e uma torcida
saciada e feliz, cantando o amor à sua Nação.
O Flamengo terminará a
competição na terceira posição, em uma campanha que, apesar de irregular, terá
bons momentos (4-0 Corinthians, 4-1 Botafogo). Formará uma das melhores equipes
do país, apesar do período pouco vitorioso (essa base de jogadores conquistará
o Rio-São Paulo de 1961). Mas, acima de tudo, a temporada de 1957 mostrará mais
uma vez aos desavisados que, quando seu torcedor acredita e quando seu time
demonstra vontade de vencer, não importa o adversário, não importam as
circunstâncias.
O Flamengo sempre se
agiganta.