Saudações
flamengas a todos.
Essa
semana repito uma fórmula que agradou há algumas semanas, contando um rumoroso
episódio acontecido nos bastidores flamengos. Caberá aos colegas descobrirem a
época e as personagens. Boa leitura.
Dezembro.
Confortavelmente
recostado em sua cadeira de praia, o treinador se permite um raro momento de indolência.
A expressão amena em seu rosto quase denuncia um sorriso de alívio, é o final
de uma temporada tensa e desgastante, onde glórias e decepções se mesclaram com
intensidades variáveis. Sim, valeu a pena. Mas outro ano está por vir, desafios
ainda maiores o aguardam, é necessário burilar e ajustar a rota de um grupo
vencedor.
Beberica
um suco de laranja, aspira o revigorante e salgado perfume da maresia costeira
de quase verão, vislumbra em seu horizonte apenas relaxamento e descanso. Nada
de problemas. Mordisca languidamente um pedaço de queijo e abre o jornal.
Estaca,
lívido. Arregala os olhos, as veias saltam. Inevitável conter o xingamento.
A página
de esportes algo maltratada agora repousa no chão, segregada ao ostracismo
reservado aos arautos das más novas. Lá está a fria nota, que menciona assim,
por acaso, uma lista, uma relação de jogadores a serem dispensados, trocados,
negociados, descartados, criteriosamente preparada por ele, o treinador.
Jogadores titulares, reservas, jovens, experientes, ídolos. Uma revelação com
alto teor explosivo, bombástica, escandalosa.
O
telefone começa a tocar. O treinador recusa-se a atender, ainda aturdido.

E agora,
a lista está nos jornais. A barca, as dispensas, os jogadores que serão
descartados, dizem.
Ainda
irritado, o treinador pragueja. Tenso, não demora a perceber que suas férias
foram irremediavelmente para o espaço. Insulta-se, não admite ter-se permitido
a discutir um assunto tão traiçoeiro em um ambiente aberto, de vestiário, com
ouvidos sensíveis sempre à espreita. Agora não interessa se a conversa foi
casual, não adianta argumentar ter apenas ocorrido um bate-papo. O vírus da
desconfiança, sabe, está definitivamente inoculado.
Claro, as
eleições. A Gávea segue dividida politicamente, haverá eleições semana que vem.
Os dois candidatos sinalizaram mantê-lo, mas o mundo do futebol é fluido,
suscetível a fatos novos. E, pela matéria, tudo indica que o próprio candidato
da situação, o favorito, ajudou a vazar a informação, sabe-se lá por qual
motivo. Fala demais o dirigente, sempre falou.
Isso não
interessa agora. O treinador precisa pensar. Sua cabeça ferve.
*
* *
Passam-se
alguns dias.
Ainda
recolhido em seu refúgio, o treinador começa a sinalizar sua decisão. Gostaria
de permanecer mais um ano, encerrar seu ciclo, finalizar o trabalho iniciado
com o alcance da tão sonhada meta, mas entende ser difícil. Nenhum dirigente o
defendeu abertamente, falam apenas em “conversar para saber o que o levou a
tomar tal atitude”. O (agora eleito) presidente chegou a telefonar justificando
“eu tive que transferir a responsabilidade pra você, você entende, eleições, a
situação era delicada, a lista ia vazar pelo outro lado”, sim, essas coisas de
política que pouco interessam ao treinador.

Valorizado
no mercado, o treinador não teria dificuldade de encontrar novo clube.
Propostas já vieram em bom número, inclusive do exterior. Desgastado e cansado,
o treinador aceita agendar uma reunião de trabalho com o novo presidente, que
tem buscado colocar panos quentes, apaziguar, minimizar o episódio. As bases
salariais não são o problema. Mas seu ânimo é mesmo de deixar o clube.
*
* *
Assim tem
início a temporada. O treinador realmente se vai, entende que o episódio o
faria perder o grupo. Da lista de onze jogadores, apenas dois deixam o
Flamengo. Mas vários deles manifestarão insatisfação e pressionarão o novo
treinador, insatisfeitos com a reserva ou com a posição improvisada. Os maus
resultados logo aparecerão, e a crise ensaiada apenas se mostrará adiada,
estourando em definitivo dali a alguns meses. Visivelmente abalada, a diretoria
falará em reformulação total e a lista será relembrada, com a intenção de ser
aplicada. Treinadores serão carbonizados e a torcida explodirá em ódio, enfurecida.
Os
jornais exultarão diante do farto material, já antevendo o fracasso e a
decadência que se anunciam. E, com efeito, todos os indícios apontam para uma
temporada fadada a um estrondoso fiasco.
Em tese.
Mas o futebol nem sempre se presta a referendar teses.