Já é uma verdade
corrente considerar a Taça Guanabara de 1989 como o último troféu de Zico com a
camisa do Flamengo. Isso é fato, se considerarmos conquistas dentro do Brasil,
ou do Maracanã, seu principal palco. No entanto, após amassar o Vasco naquela
final, Zico ainda ergueria outra taça pelo Flamengo antes de encerrar a
carreira. É a história que conto hoje. Boa leitura.
O ÚLTIMO TROFÉU DE ZICO
A Gávea ferve.
O time perdeu um
Estadual tido como certo para um Botafogo nitidamente inferior. Depois, começou
a viver um processo de desmantelamento, com a venda de seu lateral-direito
Jorginho para o futebol alemão, e a negociação de sua dupla de zaga titular
(Aldair e Zé Carlos II) para os portugueses. Tudo baratinho, a duas mariolas.
Como se não fosse o suficiente, o ídolo Bebeto, após semanas de arrastadas
negociações, transferiu-se para o Vasco.
Ferve tudo.
Literalmente.
O time está em frangalhos.
Telê Santana busca juntar os estilhaços de um elenco fragmentado, dá chances a
jovens como Júnior Baiano, Marquinhos, Gonçalves e Bujica, reaproveita
renegados como Leandro Silva e Nando, traz o vigoroso (e limitado) Márcio
Rossini para a zaga, saúda a volta do veterano Júnior, disposto a encerrar a
carreira no clube, e vê com apreensão outro retorno, o do atacante Renato e (ao
que se diz) seu ex-desafeto.
O torcedor dá de
ombros. E protesta. E ferve de ódio.
Enquanto a Seleção
Brasileira se prepara para as Eliminatórias, tem início a Copa do Brasil, cujas
fases iniciais o Flamengo transpõe sem maiores dificuldades, com quatro
vitórias em quatro jogos diante de Paysandu e Blumenau-SC, não sem antes sua
torcida queimar faixas e bandeiras na partida de estreia contra os paraenses,
provocando um incêndio que por pouco não destrói boa parte das dependências da
Gávea. A seguir, uma vitória convincente (2-0) contra o Corinthians no
Maracanã, numa partida em que o Flamengo desperdiça muitos gols e a chance de
sair virtualmente classificado. Mas, antes da partida de volta, há uma
excursão-relâmpago agendada para a Alemanha, para a disputa do Torneio de
Hamburgo (Hafenpokal), que faz parte da Festa da Cerveja da cidade.
Água na fervura.
A viagem, apesar de
cansar os jogadores, é fundamental para acalmar um pouco o ambiente interno,
bastante abalado com o bombardeio de críticas que muitas vezes emanam de dentro
da Gávea. O próprio Telê, que já começa a ter sua permanência questionada,
deseja fazer alguns testes na equipe. Júnior fará sua estreia no torneio,
atuando pela primeira vez desde 1983 ao lado de Zico pelo Flamengo.
A primeira partida tem como adversário o St.Pauli, equipe simpática, uma espécie de “segundo time” dos alemães, por conta de seu perfil descolado e irreverente. O St.Pauli vem de boa (para seus padrões) campanha na Bundesliga, um décimo lugar, e é tido como um time perigoso e traiçoeiro.
Mas o Flamengo ignora
os pretensos obstáculos e vence com certa facilidade, praticando um ótimo
futebol, que surpreende e entusiasma o modesto público (7.500 pessoas) presente
no Estádio Wilhelm Koch. A presença de Júnior ao lado de Zico dá ao time estabilidade
e uma sólida cadência, equilibrando a correria de Zinho, Alcindo e Leonardo. O
rubro-negro domina amplamente as ações desde o primeiro momento, e sob aplausos
dos alemães faz 2-0, gols de Nando (aproveitando belo passe de Zinho) e Alcindo
(de cabeça).

E agora o Flamengo está
em mais uma final.

E o Flamengo começa
arrasador.
Mais ambientado e
confiante após a boa partida na véspera, o time, bem ao gosto de Telê, atua com
as linhas avançadas, trocando velozmente a bola e atordoando a forte marcação
do Hamburgo. Após algumas oportunidades criadas, enfim aos 13’ Zinho cruza à
meia altura e Zico escora para abrir o marcador. Sem fazer qualquer menção de
recuar, o Flamengo segue sufocando o HSV e pouco depois amplia, num bonito
arremate de Aílton. O segundo gol flamengo em meia hora de jogo arranca
entusiásticos sorrisos e aplausos de ninguém menos que o próprio presidente do
Hamburgo, que elogia abertamente o rubro-negro, “esses brasileiros são uma
festa para os olhos”.
O Flamengo seguirá
mantendo o controle absoluto da partida, rodando a bola e o time, confundindo e
enlouquecendo os alemães. Aos 16’ da segunda etapa, Nando recebe na
intermediária e arrisca o tiro. A bola explode na trave e vai para o gol, é o
terceiro do Flamengo, que a partir dali resolve desfrutar seu momento de
diversão, gastando o tempo e investindo em jogadas de efeito que levam a
plateia ao êxtase. Já nos minutos finais, Bierhoff desconta, mas a partida já
está definida. HSV Hamburgo 1-3 Flamengo. O Flamengo é campeão do Torneio de
Hamburgo.
O protocolo para a
entrega do troféu é simples mas organizado, como convém a algo de iniciativa
alemã. Zico, o capitão flamengo, recebe a taça e a ergue, sob uma torrente de
demorados aplausos e gritos de “Bravo”. O Galinho, em um átimo de tempo, a
contempla calmamente, olhos fixos. Talvez ali naquele momento ele saiba que
aquele ritual tantas e tantas e mais outras tantas doces vezes repetido será o
último de sua carreira flamenga. Ali, em uma ensolarada tarde do ameno verão
alemão, Zico, pela última vez, está erguendo um troféu como jogador
profissional do Flamengo.
Calmo, Zico desvia os
olhos do troféu e o repassa aos companheiros. Afinal, a vida segue.