Saudações
flamengas a todos.
Hoje
encerro o (meu) Flamengo de todos os tempos, escalando o camisa 11.
Antes,
quero fazer uma menção honrosa a um jogador. Nesse tipo de lista, sempre há
algum “esquecido”, alguém cuja ausência é a mais sentida. No caso específico,
trata-se de Evaristo, um jogador refinado, diferenciado, goleador, vitorioso e
com alma rubro-negra. Não foi fácil deixá-lo de fora desse time.
Mas
a camisa 11 vai para um jogador que marcou época e é um dos maiores ídolos da
história do clube. E, antes de Zico aparecer, foi seu maior artilheiro.
O
time está completo. 1.Garcia, 2.Leandro, 3.Domingos, 4.Píndaro, 5.Júnior,
6.Carlinhos, 7.Dequinha, 8.Zizinho, 9.Leônidas, 10.Zico.
E
11.Dida.
Boa
leitura.
1954.
A
simpática e acolhedora Maceió arde sob o escaldante sol de janeiro, instigando
a leniência e a lascívia daqueles jovens atletas forasteiros, cuja estadia em
terras alagoanas vai chegando ao fim. É o momento de aproveitar algumas horas
livres, momentos de rara folga. Os mais arrojados e destemidos vão em busca de
alguma aventura capaz de se interpor à cansativa rotina de viagens, treinos e
jogos. E irão desfrutar dos belos e perigosos atrativos da terra. Outros se rendem
ao inclemente calor que os lambe as entranhas e fenecem languidamente em seus
leitos.
E
os mais entediados vão atravessar a cidade porque hoje tem jogo.
O
pequeno e distante estádio do Mutange, pertencente ao CSA local está repleto para
a abertura do Campeonato Brasileiro. Um calor sufocante e escaldante não
desencoraja os locais, já acostumados com os caprichos de seu clima. Os
forasteiros, que até reúnem um grupo razoável, são logo notados e olhados de
esguelha, aqueles corpos mais claros tentando se esconder em vão da solar língua
ardente e onipresente com jornais, revistas, bonés.
A
partida é válida pela fase preliminar da Terceira Região, que irá apurar dois
representantes nordestinos para enfrentar, lá na frente, as fortes equipes do
Rio de Janeiro e Minas Gerais. A seleção local recebe o time da Paraíba. É o
jogo de ida de uma série eliminatória (ou matamata).

A
seleção paraibana adentra o gramado, sob pesadas vaias. Facões giram ao ar,
ameaçadores. É uma seleção bem mais alta, jogadores com maior porte atlético.
Em uma primeira vista, parece que não irão ter dificuldades para se impor,
apesar do excessivo entusiasmo do público, entusiasmo até algo assustador.
Os
forasteiros estão lá quietos, apenas contemplando o espetáculo. Seu traje é uma
espécie de salvo-conduto, o escudo que os identifica suscita admiração, até
certa veneração. Mas não é bom facilitar, e os atletas logo percebem ser mais
prudente manter estrita neutralidade, inclusive em seus comentários. Logo
percebem que os paraibanos deverão vencer com facilidade. Mas suas opiniões são
mantidas em cauteloso silêncio.

Com
efeito, o futebol alagoano não vive um bom momento. O campeonato local ainda
está sub-júdice, com o Ferroviário da capital e o ASA de Arapiraca brigando
pelo título nos tribunais, título de um torneio marcado por jogos confusos e
turnos inteiros interrompidos por desistências de clubes participantes. Isso
evidentemente irá refletir no gramado.
A
seleção paraibana segue no ataque, e apenas a grande atuação do goleiro Almir
impede um placar mais elástico. O primeiro tempo chega ao fim, sob apupos de um
público que já começa a se resignar. Vem o intervalo.
É
quando o sol resolve soltar a sua voz
.
O
calor aumenta a um nível próximo do intolerável. Parece impossível manter-se
sequer exposto a um clima daqueles, quiçá praticar algum desporto. As equipes
retornam a campo, os paraibanos parecem nitidamente incomodados. Sua equipe é
mais forte, mais pesada. E já parece sentir os primeiros sinais de cansaço.
Inicia
a segunda etapa, os paraibanos ainda dominam a partida, mas seu ímpeto diminui
consideravelmente. Já nos primeiros minutos, buscam rodar a bola de um lado a
outro, reduzindo o ritmo e implorando para que o relógio seja camarada.
Mas
os alagoanos ainda querem jogo.
E
começam a encontrar os espaços que lhe foram negados na primeira etapa. Mais
leve e sem temer o sol, a equipe de Alagoas continua correndo como se sua
última partida fosse. E começa a aparecer o jogo de um garoto mirrado, que parece
ser movido a pilha. O moleque gira de um lado pro outro, corre pedindo bola, dá
carrinho, não tem medo de cara feia. Sempre que pega na bola, o torcedor grita
e incentiva, o menino é uma espécie de xodó. Ele recebe, mata no peito e põe
nas canetas de um contrário. Chuta forte, a bola vai na trave.
A
torcida acorda e volta a fazer barulho. Isso vai ficar interessante.
E
os minutos seguintes presenciam uma história praticamente inverossímil. O
famélico garoto implode, tijolo a tijolo, toda a defesa paraibana, semeando uma
mensagem de pânico e terror aos seus incrédulos defensores. Risca, corta, lava,
passa e costura. O menino faz simplesmente e rigorosamente o diabo com a defesa
da Paraíba, senta goleiro, zagueiro, treinador, diretor e presidente ao chão
com seus dribles, e corre, corre, corre como se fosse um enviado do capeta, o
sol inclemente parece refrescá-lo.

Os
forasteiros, que apenas buscavam uma forma pitoresca de entretenimento, agora
estão vivamente impressionados. O futebol mostrado por aquele jovem na segunda
etapa foi alguma coisa diferenciada, mesmo para os padrões do Sul Maravilha.
Mesmo para os padrões do Rio de Janeiro, a meca do futebol e terra natal dos
rapazes, que agora estão ávidos para disseminar a história que acabam de
vivenciar. Reúnem informações, o nome do menino é Dida, joga no CSA e é o
craque do time dele.
Mas
tem que ser olhado com mais carinho. Ele não pode ficar esquecido torrando sob
o sol nordestino. Seu futebol é maior, é moleque, é irreverente, é risonho, é
brasileiro.