Saudações
flamengas a todos.
1.Garcia,
2.Leandro, 3.Domingos, 4.Píndaro, 5.Júnior, 6.Carlinhos, 7.Dequinha, 8.Zizinho,
10.Zico.
Hoje
é o dia de listar o camisa 9 do (meu) Flamengo de todos os tempos. E, de todas
as escolhas, essa foi a mais difícil.
O
Flamengo, por sua histórica índole ofensiva, sempre dispôs de goleadores
mortíferos, como Pirilo, Henrique Frade, Nunes, Índio e os mais recentes
Bebeto, Romário, Gaúcho e Adriano, todos goleadores, ídolos e campeões em suas
épocas.
Mas
essa escolha foi extremamente complicada porque eu me restringi a dois nomes,
ambos craques, ambos protagonistas, ambos vitoriosos com o Manto Flamengo. E
apenas um deles poderia figurar na minha equipe. O nome do preterido deixarei
para divulgar na próxima postagem, que será a última sobre o assunto (para dar
algum suspense, né?)
E
o escolhido está no texto abaixo. O maior de seu tempo e um dos fatores de formação
do caráter nacional da nossa torcida. Boa leitura.
9 - LEÔNIDAS
1939.
É
dia de festa.
Semana
passada, o Botafogo cantou vitória antes e perdeu pro Ameriquinha (4-5). E o
Flamengo é campeão da cidade por antecipação.
Doze
anos sem gritar, sem comemorar, sem festejar. Doze anos de fome e sede, doze
anos malditos, doze anos batendo palmas para outros clubes, doze anos engolindo
em seco o sofrimento, a frustração, a sangrenta dor de se perceber coadjuvante
e assim destituído de toda a sua essência vitoriosa.
Doze
anos em que se deu o basta, se estruturou o clube, se profissionalizaram os
jogadores, se chamou a torcida para se associar, se construiu um campo próprio
e se contrataram grandes jogadores.
Agora
é a hora dos frutos. A hora de festejar, gritar “é campeão”, mostrar-se o
melhor de tudo e de todos.
É
domingo, todos às Laranjeiras. É o Flamengo e Vasco da festa do título, da
festa da taça.
O
estádio do Fluminense está lotado até a tampa. Gente subindo em árvore, montada
no pescoço, pendurada no teto. Uma turba forçando portão, esbarrando com
polícia, tocando um alarido infernal, depois do jogo vai ter o corso da
vitória. Hoje é dia de Flamengo, é o dia do carioca, é carnaval em pleno
dezembro.
Os
jogadores do timaço flamengo estão perfilados, vai começar a homenagem
gentilmente preparada pela diretoria do Fluminense. Estão lá alinhados
Yustrich, Volante, Newton Canegal, Sá, Jarbas, Gonzalez, Valido, Domingos,
todos os craques.
E
Leônidas.
A
cada acorde entoado pela banda da Polícia Militar, o Diamante Negro parece
sorrir desafiadoramente, estampando na cara uma deliciosa resposta aos que o
detratavam com a pecha de genial, genioso e perdedor. Com efeito, desde que
chegara à Gávea em 1936, Leônidas havia marcado sua trajetória com gols,
confusões e uma relação de paixão e ódio que não tornava ninguém indiferente.
Sua imensa popularidade de superastro ajudou a anabolizar a popularidade de um
Flamengo sem conquistas, mas em colateral as cobranças também vieram aos
magotes, fazendo do grande craque o responsável pelos insucessos de um time
ainda em formação.
Termina
a apresentação da orquestra, agora os jogadores do Flamengo se encaminham para
a beira do gramado. Em fila, precedidos pela própria banda da PM e pela
corporação de escoteiros, os campeões da cidade desfilam ao redor do campo,
ovacionados por uma entusiasmada plateia que atira aos heróis flamengos uma
chuva de serpentinas e papeis picados, secundadas por calorosas palmas.
E
Leônidas ali, empertigado, sorve cada aplauso como se a festa fosse somente pra
ele.
Após
a perda da Copa do Mundo, o Diamante jurou fazer do Flamengo campeão. Em 1939 o
rubro-negro enfim monta uma equipe capaz de lhe restituir o protagonismo há
tantos anos perdido. E tem um Leônidas especialmente mordido com as críticas de
“mercenário”, “agitador”, “desagregador” e “perdedor”. Um craque sem títulos.
Não, o principal jogador do país em atividade, o maior ídolo do Flamengo, clube
ao qual se apegou, não irá permitir que sua passagem seja marcada por esse tipo
de adjetivo.
E
joga bola. Muita bola. Flamengo quebra um jejum de anos contra o Fluminense.
2-1, gol de Leônidas. Enfia 3-0 no Vasco, dois do Diamante. Jogo duro contra o
surpreendente São Cristóvão, que também disputa o título, 2-1 com Leônidas
definindo. Faz 4-1 no Botafogo, espécie de final antecipada, atuação de gala e
gol de Leônidas. Um jogo melhor que o outro, uma sucessão de atuações ao nível
do melhor de todos, adversários sendo um a um empilhados, até que a inesperada
derrota botafoguense pro mequinha acaba com a coisa, e o Flamengo é mesmo o
campeão. E Leônidas é o craque do campeonato.
Mas
ainda falta a última partida. O último solo.
Os
dirigentes do Fluminense presenteiam a diretoria flamenga com uma bela estátua
em bronze, alusiva ao título. É o final das festividades, vai começar a
partida. O Vasco, até então figurante e que assistiu a tudo em silêncio, parece
determinado a deixar sua marca na celebração. Para os lusitanos, a partida nada
terá de festiva.
E
isso parece ficar claro já com o apito inicial. Mostrando uma determinação
pouco vista nas outras partidas, os camisas pretas tentam partir pra cima dos
campeões com ímpeto, fome de uma vitória redentora. De fato, a temporada não
foi boa para o Vasco, e uma vitória sobre o rival maior servirá como importante
alento para as hostes lusas.
Mas
o Flamengo é nitidamente superior, a diferença técnica é gritante. E, para
frustração de um Vasco que esperava um adversário relaxado, o Flamengo está
motivado e transpira de vontade de vencer a derradeira partida, fechando a ouro
sua impecável campanha.
E
Leônidas simplesmente enlouquece a (boa) linha de zaga vascaína, com uma
movimentação incessante e dribles desconcertantes que abrem crateras na bem
postada defesa rival. Com efeito, o ataque formado por Leônidas com os
irrequietos Sá e Jarbas nas pontas, Valido armando e o guerreiro argentino
Gonzalez mais à frente faz da linha de frente flamenga algo apavorante, que
assombra os mais sólidos ferrolhos.
Escanteio,
bola alçada na área cruzmaltina, Valido sobe mais que Argemiro e fulmina de
cabeça, sem chances para o goleiro, num lance que será repetido daqui a cinco
anos e se tornará histórico. Flamengo 1-0, um placar que já é injusto pelo
volume de jogo mostrado pelo Flamengo. Era para ser de mais. As Laranjeiras se
tornam um caldeirão, uma panela insuportável para a mediana equipe vascaína.
Assustados, os camisas pretas já anteveem o desastre.
Mas
o primeiro tempo termina mesmo com a vantagem mínima para o Flamengo.
Na
volta do intervalo, já se percebe que Flávio Costa mandou o time avançar as
linhas de marcação, o treinador vê que é viável construir um placar maior e não
quer facilitar. Instintivamente, o Vasco recua todo o time, deixando apenas o
atacante Gandulla mais isolado, na inglória tarefa de lutar contra a parede
formada por Domingos e Newton.
A
orientação de Flávio dá certo, e o Flamengo, que já controlava a partida, se
torna senhor absoluto da situação. O time simplesmente desfila em campo, roda a
bola de um lado a outro, num instigante jogo de gato e rato. Ansiando pelo
prazeroso desfecho, a assistência clama por mais gols, grita, provoca, acende.
E Leônidas decide acabar logo com aquilo.
O
Diamante recua, pede bola, risca dois defensores, faz a tabela e chuta. O
goleiro Nascimento defende, e na sobra o argentino Gonzalez apenas escora para
o gol vazio, 2-0.
O
Vasco dá a saída, tenta um ataque, perde a bola, que é alçada a Leônidas. O
Diamante dá um drible desmoralizante em um zagueiro e vai chutar, mas percebe
Gonzalez entrando completamente livre. Aciona o argentino, que meio estabanado
emenda pro fundo das redes. Flamengo 3-0.
Agora
o Vasco é só desânimo. A ordem é apenas evitar uma goleada humilhante. Sua
defesa perde a vergonha e apela pra bicuda e pra porrada. A torcida flamenga
quer mastigar as entranhas do adversário, quer mais gols, quer sair das
Laranjeiras lavada de gols. Mas, por conta de certa afobação e mesmo do
imponderável, as traves e o goleiro Nascimento vão impedindo que o placar
assuma dimensões hiperbólicas.
O
jogo vai se encaminhando para o final, os dois times começam a demonstrar
cansaço. Feliz com a exibição de gala, a torcida esquece isso de goleada e
começa a entoar seus gritos de ordem e saudações aos campeões. Houvesse olé
nessa época, teria sido gritado à farta. O Flamengo roda a bola, roda o time,
roda o jogo, o Vasco inerte apenas anseia ardente pelo fim do tormento. Está
exangue, entregue, abandonado à própria sorte.
Mas
Leônidas ainda não fez o dele.
O
árbitro já olha o relógio e a partida irá se encerrar em instantes. O Diamante
vai tentar um último solo. Vem até o centro do campo e pede a bola. Livra-se de
um, dois. Abre na ponta e corre. A jogada tem sequência na extrema, até o
lançamento que já encontra Leônidas na beira da área. Uma matada, um jogador de
preto ao chão e o tijolo, a bomba sem deixar cair, a bola na gaveta, o pobre
goleiro vascaíno pulando em vão. Leônidas olha para o público e acena, como que
dizendo, “aí a goleada que vocês pediram”.
Sempre
altivo, cabeça em pé, imperial, o Diamante entrega a bola ao árbitro. Agora
pode terminar o jogo. Agora pode terminar o campeonato.
E
é o fim. Flamengo 4-0 Vasco.
“Leônidas atuou pelo Flamengo entre 1936
e 1942, deixando o clube após um desentendimento com a diretoria. Nesse período
conquistou o Carioca de 1939 e outros torneios menores, além do Rio-SP de 1940
(dividido com o Fluminense), que não é reconhecido pela CBF. Com a
desconcertante marca de 153 gols em 149 jogos, é um dos goleadores com a maior
média de gols da história do Flamengo.”
“Também ídolo no São Paulo, Leônidas
tornou-se comentarista esportivo após encerrar a carreira de jogador. Faleceu
em 2004, vítima de complicações ligadas ao Mal de Alzheimer.”