Saudações
flamengas a todos.
Hoje
dou continuidade à escalação do (meu) Flamengo de todos os tempos (1.Garcia, 2.Leandro, 3.Domingos, 4.Píndaro, 5.Júnior, 6.Carlinhos, 10.Zico), e desde já
imagino que minha escolha irá gerar alguma controvérsia.
Porque
hoje é o dia do camisa 7. A escolha mais lógica seria um ponta-direita, ou
algum atacante polivalente, enfim. Não faltariam nomes de qualidade, como Joel,
a meu ver o maior de todos os ponteiros a trajar o Manto. Ou Renato,
tetracampeão brasileiro com um futebol fulgurante. Ou mesmo Valido, que se
deslocou para a ponta para dar espaço ao genial Mestre Ziza, lá nos anos do
primeiro tri.
Mas
minha escolha vai para um jogador de meio-campo. Um volante. Sei que irão me
chamar de retranqueiro, ou de parente do Joel Santana. Não importa. Vale o
risco.
Imagine
um volante. Um volante que sabe fazer marcação individual e por zona. Um
jogador com fôlego diferenciado, capaz de correr o campo todo, cobrindo as duas
laterais, uma incansável formiguinha, um desarme límpido, cristalino, taciturno.
Um atleta altamente resistente, que dificilmente se contunde. Agora, pense que
esse mesmo volante é capaz de pensar um jogo. Possui um passe primoroso e
preciso. Sabe o momento de acelerar e cadenciar. Ainda esse mesmo volante
possui exímia visão de jogo, e também é capaz de fazer lançamentos compridos e
agudos, desmontando totalmente a defesa adversária. Ou seja, é um volante que
sabe marcar como um perdigueiro e armar o time como um meia. Basta? Não. Esse
volante ainda possui um domínio e um controle de bola suave e macio, trata a
pelota como sua enamorada, é incapaz de agredi-la. E ainda, como se já não
fosse o suficiente, ainda é capaz de surpreender defesas com suas penetrações
cortantes ao ataque, além de seu mortífero chute de longa distância.
Parece
jogador de videogame, mas esse volante existiu no Flamengo (recomendo assistir ao vídeo que segue no texto, é uma pequena amostra).
Para
quem não conhece, apresento. Para quem já conhece, relembro. Conto hoje a
história daquele que foi, na minha opinião, o maior volante que atuou com a
camisa do Flamengo em todos os tempos. Boa leitura.
7
– DEQUINHA
Eu
vi.
Eu
vi tudo, o cara do rádio me falou, e não adianta vir pra cá com essa conversa
de que na rádio se ouve porque o rádio era meu e eu vejo o que eu quiser e pronto,
e só sei que eu vi tudo, era Flamengo e Botafogo, era o comecinho do campeonato
e o Flamengo já era bi e queria o tri, e o time era mais ou menos o mesmo, e a
torcida acreditou e encheu, até porque o time já havia jogado com aqueles Canto
do Rio, Bonsucesso, essas coisas e só goleada, líder invicto, Evaristo, Índio
metendo gol de tudo que é jeito, mas jogo grande o Botafogo foi o primeiro, e o
Botafogo tava com um time meio trocando, muito jogador novo, já havia tropeçado
pelo caminho, aquele ano os mais fortes eram o Fluminense que tinha Telê,
Valdo, Didi, Castilho e o América, acho que foi o América que chegou no final,
mas voltando o Botafogo era time enjoado, contra o Flamengo eles sempre
corriam, então não tinha nada disso de jogo fácil, e o rádio me contando
tudo, e eu já via o Maraca lotado, cheio de gente, um domingo de sol do jeito
que o carioca gosta, enfim o apito apitou, o que é, meu apito apita e pronto,
se o seu apito trila é problema seu, o meu apita e me deixe continuar a
história, o apito apitou e o jogo começou e deu dez minutos o Índio se machucou
e teve que sair, não tinha substituição na época e o Flamengo ficou com dez, e
todo mundo perguntando e agora, eu pensando, calma que “seu freitas” vai dar um
jeito, e foi batata, rapidinho o professor deu uma arrumada no time e nem parecia
que o Flamengo tinha dez, o cara não é feiticeiro por acaso, mas eu tava onde
mesmo, ah sim, o Índio machucou e o Flamengo com um a menos, e o Botafogo ficou
todo animado e quis vir pra cima, o time deles tinha um cara todo torto lá na
ponta, um tal de Garrincha, se bem que muita gente chamava o cara de Gualicho,
mas a maioria dizia que era Garrincha mesmo, então vamos de Garrincha, de forma
que esse Garrincha tava promovendo o maior salseiro lá pela esquerda da defesa
do Flamengo, o Jordan tendo um trabalho danado com ele, mas o Flamengo também
atacava, como falei nem parecia que o time tava com dez, tava faltando o dotô rubis,
mas ele tava brigado com o seu freitas e o feiticeiro sempre dava um jeito, o
time tava correndo até mais, e também perdia gol, criava chance, um time com
Joel, Evaristo e Zagalo é ruim de marcar, mas o jogador que o cara do rádio
falava mais não era nenhum desses, passava o tempo e eu só ouvia o nome do
Dequinha, esse Dequinha que era um nordestino arretado, veio lá do Rio Grande
do Norte, acho que de Mossoró, sujeito baixinho, quietinho, uma tranquilidade
só, mas quando botava a camisa do Flamengo virava bicho, parecia que tava
defendendo o pai e a mãe, e esse Dequinha começou a correr do lado esquerdo pra
ajudar a marcar o tal Garrincha, e eu só vendo o cara falar Dequinha toma,
Dequinha desarma, Dequinha tira a bola, o Dequinha não parava, e o Botafogo
tentava atacar de todo jeito mas o cara parecia assombração, sempre dava um
jeito de aparecer onde tava a bola, e o que mais me apoquentava é que o cara do
rádio ainda dizia que o Dequinha tinha perna pra chegar na frente, que o Duca,
que tava no lugar do Rúbis, não tava bem e o Dequinha acabava também ajudando a
lançar a bola pros atacantes, eu chegava a duvidar do cara do rádio, mas sei
que ele não é mentiroso porque eu vi, o cara falava e eu via, e o jogo foi
passando e nada de gol, os dois times atacavam, mas os goleiros tavam bem e o
Flamengo tinha se arrumado na marcação, hoje dizem que encaixou, ou coisa
assim, o que eu sei é que quem encaixou foi o Dequinha, que não deixou o
Botafogo jogar, mas o Flamengo com um a menos também não conseguia fazer muita
coisa, e parecia que o jogo ia mesmo ficar no zero a zero, as torcidas cantando
uma pra outra, uma provocação só, naquela época Flamengo e Botafogo era muita
rivalidade, vinha desde a época das regatas, já vou voltar pro jogo, calma, acho que vou tomar uma água, não, vamos logo aos finalmentes e chega de entretantos como dizia aquele cara lá
da novela, foi até uma novela boa aquela, tá bom, tudo bem, vamos voltar pro
jogo, e tava zero a zero, e a essa altura o Dequinha já era o dono do jogo,
parecia aqueles coelhinhos de desenho animado, eu sei que isso quem falava era
o Nélson Rodrigues, mas peguei emprestado e pronto, o coelhinho é meu e ele
corre do jeito que eu quiser, mas o Dequinha além de correr o campo todo ainda
me deu um drible num cara lá do meio-campo que a torcida começou a rir e bater
palma, deu mais uns dois lançamentos que por pouco o Evaristo não faz, e depois
disso a torcida achou que não ia mais sair gol, e todo mundo nervoso querendo
que acabasse, pior coisa é perder com gol no final, mas quem é Flamengo não
pode ter medo de tomar gol no final, e o Rolo continuou atacando, ou tentando
atacar com dez, mas já passava de quarenta e o Botafogo resolveu ficar todo
atrás, aí teve um escanteio ou foi uma falta que bateram e a zaga tirou, e de
repente veio alguém lá de trás igual a um raio, só dava pra ver o cabra
correndo, e a bola vindo lá de cima, olha eu te juro, pareceu que a bola ainda
começou a cair mais devagar só pra esperar o sujeito chegar, e era o Dequinha,
e ele já chegou se ajeitando, e deu um pulo, mas que pulo foi aquele, e se
inclinou meio de lado e mandou a canhota, e foi de fora da área, foi quase uma
bicicleta, não foi uma bicicleta porque ele tava meio de lado, mas o fato é que
acertou a bola, e o chute parecia que ia ser fraco, mas quanto mais a bola ia
mais pegava força, e foi subindo, subindo, e chegava a assobiar, fazia assim
zuimmmmm, e o pobre do goleiro ficou assim ó, paradão, olhando, perna aberta, a
bola se espatifou na trave e rebentou no meio da rede, já quase no minuto final
o gol, o golaço, o gol de placa, o gol sensacional, e o Maraca todo pulando,
gritando de vermelho e preto, e aquela montanha de gente abraçando o Dequinha,
e a torcida gritando o nome do Dequinha, e os botafoguenses de cabeça baixa do
jeito que eu gosto, e o apito apitando final de jogo, um a zero pra gente, e o
Flamengo líder, mais líder do que nunca, ali eu falei vai ser tri, e muito tempo
depois foi tri mesmo.
Foi
isso o que eu vi.
Vídeo com um dos gols de Dequinha na carreira
“O
jogo narrado pelo texto aconteceu em 06.09.1955, válido pela quinta rodada do
Campeonato Carioca. O Flamengo, com a conquista desse campeonato meses depois,
obteve o segundo tricampeonato de sua história.
Dequinha
atuou de 1950 a 1958 pelo Flamengo. Encerrou a carreira em 1962, já defendendo
o Campo Grande-RJ. Faleceu em 1997.
Dequinha
atuou como titular em TODAS as partidas dos campeonatos de 1953, 1954 e 1955."