sábado, 17 de novembro de 2012

Chupa Kabra nos Aflitos

Nunca senti tanto, e na pele, algo que vem sendo colocado até com certa frequência pelos amigos de Buteco: o desconforto de se ir a um estádio.

Tudo bem que o estádio em questão é ainda mais longe que o Engenhão: fui com um grupo de amigos de João Pessoa até Recife, assistir Náutico x Flamengo nos Aflitos.

Saí de casa às 14h00 para poder chegar cedo em Recife, conseguir estacionar, etc.  Fomos a um restaurante nas imediações do estádio comer alguma coisa, e faltando 1h30 para o início da partida nos dirigimos ao portão de entrada dos Aflitos.  Ao chegar no estádio, surpresa: o setor destinado à torcida visitante não comportava sequer 1000 pessoas.  Não se podia passar pelo túnel de acesso, totalmente congestionado pela torcida do Fla que não tinha para onde ir porque as arquibancadas estavam completamente tomadas.  Negocia daqui, negocia de lá, e a PM decidiu abrir uma imensa área que servia de "separador de torcidas", e finalmente conseguimos entrar, no atropelo, no empurra-empurra.  Depois eles acabariam movendo o cordão separador um pouco mais e acomodaram toda a torcida.  Mas caramba, eles não sabiam quantos ingressos foram vendidos aos visitantes?  Por que não deixar tudo preparado antes, evitando um tumulto desnecessário?

A posição em que ficamos (digamos que não havia muita escolha) era próxima ao campo, mas não dava para ter noção de profundidade, ou seja, não sabíamos se a bola estava na intermediária ou no meio-campo.  Ou seja, não entendi nada do jogo (além de ver o RA e o Ibson voltando trotando para uma defesa em polvorosa com o ataque adversário).

Cada garrafinha de água custava R$5.  Ficamos o tempo todo de pé, e no final, já cansados, tivemos que esperar 1 hora para sair do estádio, até que toda a torcida no Náutico saísse.

Cheguei em casa às 23h00, depois da odisseia de 9 horas, com uma certeza:  foi a última vez.



É uma discussão interessante, essa da "elitização" do futebol, com todos os seus prós e contras.  Vou me ater aqui aos prós, confiante que os butequeiros enriqueçam a discussão com os argumentos contrários. 

Num momento em que se testemunha tanta inclusão social e econômica, em que as classes C, D, e E passam a ser os alvos de diversos produtos e serviços antes jamais por elas sonhados, devemos repensar algumas coisas.  Por exemplo, vemos e ouvimos diversos setores reclamando da falta de mão-de-obra.  Faltam operários da construção civil, topógrafos, domésticas, etc.  Isso me leva a pensar que quem realmente quer trabalho consegue.  E o nível de poder de compra desses empregados tem aumentado. Antigamente dávamos nossas roupas velhas para nossas empregadas, hoje elas tiram férias e vão de avião para Porto Seguro pela CVC.

Saudade dos geraldinos?  Aquele cara sem dentes, feliz e fanático pelo Fla não existe mais, ou no mínimo está lentamente deixando de existir.  Houve uma divisão, no meu ver, muito clara entre aqueles que entraram nessa "inclusão" e os que por uma razão ou outra não entraram, mas estes estão longe de demonstrar aquela alegria contagiante.  Em outras palavras, aquele cara da geral de antigamente ou está de dentadura nova, carro popular na garagem, e comprando pacotes turísticos para Porto Seguro, ou está na sarjeta fumando crack.



Ok, não é tudo ou branco ou negro.  Há vários tons de cinza pelo caminho, mas é difícil negar a tendência e as transformações em curso.

As camadas mais pobres, evoé, não se sujeitam mais a serem tratadas como gado.  Também querem o seu conforto, preferencialmente financiado no carnê em 10 parcelas sem juros.  Se as administrações dos estádios não começarem a pensar urgentemente em oferecer assentos confortáveis, admissões rápidas e eficientes para diminuir filas, lanchonetes e banheiros limpos, e outros ítens para tornar a experiência de ir ao espetáculo o mais prazeirosa possível, sem frustrações, acredito que o público tenderá a diminuir.  O estádio perderá espaço para os PFC's, seja em casa ou em bares e restaurantes, também na base da pirâmide econômica: é questão de tempo.

O Estádio dos Aflitos estava completamente lotado, mas creio que isso se deve em grande parte ao porte do visitante e à excelente fase do Náutico jogando em seus domínios.  Esse cenário -- estádios lotados -- começa a me parecer mais exceção do que regra.